Introdução:
Nos últimos dias, a controvérsia em torno do ataque à soberania nacional desencadeado por Elon Musk, uma figura proeminente no cenário empresarial global, tem ganhado cada vez mais destaque. Musk, conhecido não apenas por suas inovações tecnológicas, mas também por suas ações que levantam importantes questões éticas, políticas e jurídicas, desperta um intenso debate. Este artigo propõe-se a analisar a postura de Musk em relação à liberdade de expressão e seu impacto na soberania nacional do Brasil, enfatizando a urgência da regulamentação do espaço digital como meio essencial para preservar os valores democráticos e a integridade das instituições brasileiras.
A evolução da soberania:
A evolução da soberania do Estado no Brasil e ao redor do mundo reflete uma jornada complexa, marcada por diversas fases históricas e influências de pensadores eminentes. Inicialmente, durante os períodos coloniais, muitas nações estavam submetidas a impérios coloniais europeus, nos quais a soberania residia nas metrópoles coloniais, manifestando-se como uma extensão do poder imperial sobre os territórios colonizados. Contudo, com os movimentos de independência que caracterizaram o século XIX, numerosos países conquistaram sua soberania política, emergindo como Estados independentes. Essa transição viu a transferência da soberania das metrópoles coloniais para os próprios Estados, embora em muitos casos persistissem influências e legados das potências colonizadoras, especialmente em regiões como a América Latina.
No âmbito global, escritores e pensadores influentes contribuíram de maneira significativa para a conceituação e compreensão da soberania. Destaca-se, nesse contexto, Jean Bodin, cuja obra seminal "Os Seis Livros da República" (1576) foi pioneira na formulação de conceitos-chave relacionados à soberania estatal e à legitimidade política. Ademais, as reflexões de Thomas Hobbes em "Leviatã" (1651) , sobre o contrato social e o papel do Estado soberano na manutenção da ordem, exerceram uma influência substancial na filosofia política subsequente. No século XX, o pensamento político foi moldado por figuras como Carl Schmitt, cujas análises a respeito do "estado de exceção" e da soberania como decisão política suprema foram profundamente influentes. Além disso, a criação da ONU após a Segunda Guerra Mundial introduziu debates cruciais sobre a soberania estatal versus a intervenção internacional em questões de direitos humanos e segurança global. É fundamental mencionar também o contrato social, um conceito central na discussão sobre soberania e legitimidade política. Pensadores como Jean-Jacques Rousseau, em sua obra magistral "O Contrato Social" (1762), desenvolveram a ideia de que a soberania emana do povo, que voluntariamente renuncia a parte de seus direitos individuais para formar um corpo político soberano. Essa abordagem desempenhou um papel crucial na fundamentação do Estado moderno e na compreensão da relação entre o Estado e seus cidadãos. Portanto, a evolução da soberania permanece como uma temática central no âmbito das relações internacionais e da política global, delineando as dinâmicas de poder e cooperação entre os Estados soberanos.
A soberania no Estado brasileiro:
A CF/88, em seu art. 1º, estabelece os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, destacando a soberania como o primeiro deles. Sob essa perspectiva, a preservação e o respeito à soberania são essenciais para que o Estado possa efetivamente impor suas decisões e assegurar a aplicação de sua ordem jurídica, garantindo, assim, a proteção dos demais fundamentos.
Ao afirmar que "A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania", a Constituição reconhece a importância primordial desse princípio na estruturação do Estado brasileiro. A soberania, nesse contexto, representa a capacidade do Estado de exercer sua autoridade de maneira plena e independente, tanto no âmbito interno quanto nas relações externas.
Além disso, a Constituição Federal estabelece, em seu art. 4º, inciso II, os princípios que regem as relações internacionais do país. Esses princípios não apenas orientam a política exterior brasileira, mas também contribuem para a construção da identidade do Estado brasileiro no cenário internacional contemporâneo. Assim, a soberania se torna não apenas um elemento fundamental da ordem jurídica interna, mas também um pilar essencial para a afirmação da autonomia e da representação do Brasil no contexto global.
Dessa forma, a soberania não apenas confere ao Estado a capacidade de exercer sua autoridade dentro de suas fronteiras, mas também é crucial para sua autonomia e independência no cenário internacional. A capacidade de um Estado de se autodeterminar e representar seus interesses de forma livre e independente no contexto global está diretamente ligada à sua soberania interna.Internamente, a soberania se manifesta na capacidade do Estado brasileiro de promulgar leis, instituir políticas públicas e exercer sua autoridade sobre seu território e sua população sem interferências externas indevidas. Externamente, a soberania se reflete na autonomia do Brasil para celebrar tratados, estabelecer relações diplomáticas e participar de organizações internacionais de acordo com seus interesses nacionais.
Como Miguel Reale observou em sua obra "Teoria do Direito e do Estado", a soberania é o poder que permite a um Estado organizar-se livremente e fazer valer suas decisões em prol do bem comum. Esse conceito abarca não apenas a autonomia legislativa, mas também a capacidade de implementar políticas e garantir a ordem dentro de seu território.
Portanto, a soberania é um elemento fundamental para a consolidação do Estado brasileiro, tanto em âmbito interno quanto externo, contribuindo para sua afirmação e autonomia perante a comunidade internacional. Sua preservação é essencial para que o Estado possa defender seus interesses e representar seus cidadãos de forma eficaz no cenário global, fortalecendo sua posição e influência no mundo.
A liberdade de expressão como forma de manipulação das massas:
A liberdade de expressão, consagrada como direito fundamental pela Constituição Federal em seu art. 5º, é um dos pilares fundamentais de uma sociedade democrática. No entanto, é importante ressaltar que esse direito não é absoluto e encontra limitações quando seu exercício entra em conflito com outros direitos igualmente protegidos ou com o interesse coletivo. Nesse sentido, a Constituição estabelece parâmetros para o exercício da liberdade de expressão, visando evitar abusos que possam prejudicar direitos alheios ou a ordem pública. O art. 5º, em seu inciso IX, por exemplo, assegura o direito de livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato. Isso demonstra que a liberdade de expressão não pode ser exercida de forma irresponsável ou anônima, devendo estar sujeita às normas e limitações estabelecidas pela legislação.
No âmbito cibernético, por vezes, essa liberdade é utilizada como forma de manipulação das massas, muitas vezes por grandes empresas de tecnologia (big techs). A disseminação de informações falsas, discursos de ódio e práticas de cyberbullying são exemplos dessas manipulações, que podem causar danos significativos à sociedade e aos indivíduos. Diante desse panorama, torna-se fundamental que as autoridades e os órgãos jurisdicionais atuem de forma a conciliar a proteção da liberdade de expressão com a preservação de outros direitos e valores constitucionalmente protegidos. O art. 5º da Constituição Federal, ao garantir a liberdade de expressão como um direito fundamental, implica também a responsabilidade de seu exercício dentro dos limites legais e éticos, assegurando um ambiente virtual seguro e democrático para todos os cidadãos.
Extremismo ideológico e ameaça à soberania nacional:
Elon Musk é conhecido por sua singular preocupação com o lucro de suas empresas, buscando constantemente mantê-las no ápice do mercado. Contudo, além dessa busca pelo lucro, percebe-se que Musk muitas vezes adota uma postura de extremismo ideológico que vai além das fronteiras empresariais e afeta a soberania nacional. Suas ações e declarações públicas podem minar a integridade das instituições brasileiras e comprometer a estabilidade democrática do país. Ao desconsiderar as leis e normas do Brasil em prol de interesses individuais ou empresariais, Musk desafia não apenas o poder regulatório do Estado, mas também coloca em risco a autonomia nacional. Esse comportamento pode ser interpretado como uma interferência externa nos assuntos internos do país, minando a autoridade das instituições democráticas e enfraquecendo a capacidade do Estado brasileiro de exercer sua soberania plenamente.
O viés neoliberal e capitalista de Musk muitas vezes se manifesta de maneira agressiva, quase como um "capitalismo selvagem", como já diria a banda “Titãs” em sua canção, onde os interesses individuais ou corporativos se sobrepõem às preocupações democráticas e sociais. Essa postura, marcada pela busca incessante pelo lucro e pela maximização dos próprios interesses, evidencia uma negligência preocupante em relação ao funcionamento saudável de uma sociedade democrática. Ao priorizar seus próprios ganhos em detrimento do bem-estar coletivo e ao demonstrar uma falta de engajamento com as questões políticas e sociais do Brasil, Musk coloca em risco não apenas a estabilidade democrática do país, mas também a própria coesão social e o desenvolvimento sustentável. Sua conduta sugere uma desconexão alarmante com os princípios e valores que sustentam uma democracia saudável e uma soberania nacional robusta.
Regulamentação das plataformas digitais no Brasil:
A era digital transformou radicalmente nossos modos de comunicação, aprendizado e negócios, democratizando o acesso à informação e impulsionando inovações. Ela se tornou central em nossas vidas. Contudo, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. Em 2020 , o Senado aprovou um projeto de lei crucial para a regulamentação das plataformas digitais, o PL 2.630, conhecido como "PL das Redes Sociais", porém, este encontra-se paralisado na Câmara dos Deputados desde o ano anterior. Com pontos similares aos da legislação da UE, que serviu de inspiração, o modelo pioneiro do bloco tornou-se uma referência global para a criação de normas voltadas às gigantes da tecnologia e deve continuar a guiar as discussões do Legislativo brasileiro. O chamado Regulamento para Serviços Digitais (DSA), implementado em 2022 na UE, já resultou na abertura de investigações contra diversas plataformas. A primeira delas, iniciada no fim de 2023, visa a disseminação de conteúdo ilegal relacionado aos ataques terroristas do grupo Hamas a Israel na rede X (ex-Twitter), do empresário Elon Musk, figura central na recente crise com o STF. A segunda investigação avalia se a empresa chinesa TikTok violou as normas do bloco de países.
É urgente estabelecer uma disciplina legal nesse sentido, sob pena de as plataformas agirem de forma arbitrária, sem se sentirem obrigadas a manter um mínimo de ética na gestão dessas informações e desinformações. Ao mesmo tempo, a participação do Poder Judiciário em questões relacionadas ao uso dessas redes sociais sem uma lei específica é uma questão de extrema importância. Devemos considerar isso fundamental. Não se trata de censura ou limitação à liberdade de expressão, mas sim de estabelecer regras para o uso dessas plataformas digitais e de punir aqueles que as desrespeitam, incluindo as gigantes tecnológicas por trás delas, a fim de evitar a manipulação indiscriminada que pode propagar desinformação, ódio, violência e ataques às instituições, especialmente contra mulheres e minorias. Há uma preocupação crescente por parte do Judiciário em relação a essa questão, dada a sua crescente gravidade. As redes sociais, devido ao seu impacto na sociedade, devem exercer um papel cívico, o que implica responsabilidade sobre o conteúdo que divulgam.
A última versão do parecer apresentado por Orlando Silva na Câmara estabelece que as plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente por conteúdos criminosos publicados por usuários, desde que seja comprovado que a empresa ignorou riscos e abriu mão de mecanismos de moderação. A responsabilização também ocorrerá quando os conteúdos criminosos forem veiculados por meio de instrumentos pagos de impulsionamento e publicidade. Essas medidas alteram o Marco Civil da Internet, que prevê que os provedores somente poderão ser responsabilizados quando, após ordem judicial, não removerem conteúdos criminosos.
Dever de cuidado
As empresas devem adotar um protocolo para analisar riscos relacionados às plataformas e seus algoritmos. Essa avaliação deverá abordar, por exemplo, a disseminação de conteúdos contra o Estado Democrático de Direito e publicações de cunho preconceituoso. A partir dessa análise, as empresas terão de adotar medidas para atenuar os riscos. O projeto cria ainda o chamado “dever de cuidado”, que, se ignorado, pode levar à responsabilização da plataforma. O mecanismo determina que os provedores precisam atuar de forma "diligente" para prevenir ou mitigar conteúdos ilícitos veiculados nas plataformas. Sendo que, a negligência da empresa ou a identificação de riscos pode levar à abertura de um protocolo de segurança. Com o início do procedimento, as plataformas poderão ser responsabilizadas por omissões em denúncias de usuários contra conteúdos criminosos disponíveis nas redes sociais.
A moderação de conteúdo também está prevista no projeto. O texto pontua que o procedimento deve seguir os “princípios da necessidade, proporcionalidade e não discriminação”. Estabelece, ainda, que as decisões a respeito de publicações devem ser comunicadas aos usuários, com os fundamentos da medida e os mecanismos de recurso.
Decisões judiciais
A proposta estabelece que as plataformas digitais devem cumprir, em até 24 horas, as decisões judiciais de derrubada de conteúdo criminoso. O descumprimento pode ser punido com multa de até R$ 1 milhão por hora, que pode ser triplicada se o conteúdo tiver sido impulsionado por recursos pagos. As publicações removidas e os dados de acesso do usuário responsável pelo conteúdo deverão ser armazenados por seis meses. O texto pontua que a plataforma deve comunicar às autoridades indícios de ameaças à vida de uma pessoa.
Punições
Além de responsabilizações no Judiciário, as empresas que descumprirem as medidas previstas no texto poderão, por exemplo, ser punidas com: advertência, multa diária de até R$ 50 milhões, multa de até 10% do faturamento da empresa no Brasil, multa por usuário, multa de até R$ 50 milhões por infração e suspensão temporária das atividades no Brasil. A proposta também prevê que todas as empresas que tiverem operações no Brasil deverão ter representantes jurídicos no país.
- A regulação das ferramentas de inteligência artificial terá um debate específico, o texto, protocolado pelo presidente do Senado e discutido por uma comissão, deve apresentar em breve um parecer. A aprovação precisa ocorrer rapidamente, pois o Brasil necessita urgentemente desse amparo.
Conclusão:
Em meio ao cenário digital contemporâneo, a soberania do Estado Brasileiro é colocada à prova de maneira sem precedentes. A disseminação de informações manipuladas e a utilização das plataformas digitais para promover interesses individuais, muitas vezes em detrimento do bem comum, representam desafios significativos para a integridade das instituições democráticas. Nesse contexto, o surgimento de um ambiente permeado por ideologias extremistas e uma visão política míope ressalta a urgência de se estabelecer uma regulamentação eficaz do espaço digital. A regulamentação das plataformas digitais não se trata apenas de impor limites à liberdade de expressão, mas sim de assegurar que essa liberdade não seja utilizada como pretexto para violações dos princípios democráticos e dos direitos fundamentais dos cidadãos. A proteção da soberania do Estado e a preservação do Estado Democrático de Direito exigem uma abordagem proativa para combater a disseminação de informações falsas, a manipulação de opiniões e a instrumentalização das redes sociais para fins escusos.
Ao reconhecer a importância vital da regulamentação do espaço digital, estamos defendendo não apenas a integridade das instituições democráticas, mas também a própria essência da soberania nacional. Em um mundo onde as fronteiras entre o virtual e o real se tornam cada vez mais tênues, é imprescindível que o Estado exerça sua autoridade para proteger os interesses e os direitos de seus cidadãos. Somente através de uma abordagem coerente e abrangente para regular as plataformas digitais podemos garantir que a democracia prevaleça sobre os interesses individuais e corporativos, consolidando assim a verdadeira soberania do Estado Brasileiro.