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O STF e a quebra de paradigma acerca do ônus da prova em ações sobre vínculo de emprego

O STF alterou a interpretação do ônus da prova em casos de vínculo empregatício, exigindo análise detalhada das evidências. A Reforma Trabalhista alinhou a CLT ao CPC, especificando responsabilidades. A jurisprudência do STF valoriza liberdade contratual e diversidade no mercado de trabalho, reconhecendo a terceirização em atividades-meio e fim.

18/4/2024

Mudança na forma de interpretação no STF exige avaliação detalhada das evidências em disputas sobre o vínculo de emprego. Evolução jurisprudencial reconhece a complexidade e a diversidade das formas de trabalho na sociedade contemporânea.

Em decisões recentes, o STF provocou uma significativa mudança na interpretação e na aplicação do ônus da prova em disputas que discutem a existência de vínculo de emprego na Justiça do Trabalho. Antes da Reforma Trabalhista, a CLT, em seu art. 818, determinava, de maneira breve, que a prova das alegações incumbia à parte que as fazia.

A Reforma Trabalhista estabeleceu, com maior precisão, a distribuição do ônus da prova, aproximando a redação do art. 818 da CLT àquela do art. 373 do CPC, especificando que ao reclamante cabe a prova dos fatos que fundamentam seu direito, enquanto ao reclamado incumbe demonstrar a existência de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito da parte autora.

Esta mudança legislativa reflete uma evolução no entendimento jurídico sobre o reconhecimento da relação de emprego, reforçando a necessidade de uma abordagem mais equitativa e detalhada na análise das provas em ações trabalhistas.

Na mesma linha, a jurisprudência do STF tem se movido em direção à valorização da liberdade contratual e da diversidade das novas formas de trabalho, como evidenciado nas decisões sobre a licitude da terceirização e da divisão de trabalho entre pessoas jurídicas diversas (RE 958.252, ADPF 324 e reclamação 65.868). Nesses julgamentos, o Supremo reconheceu a constitucionalidade da terceirização de atividades-meio e fim, afastando a presunção de vínculo de emprego e indicando uma interpretação mais adaptada às dinâmicas modernas do mercado de trabalho.

Além disso, há certas relações jurídicas de natureza cível em que a legislação própria prevê expressamente a ausência da relação empregatícia. Por exemplo, a lei que regula o transporte autônomo de cargas dispõe que as relações entre os contratantes serão “sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego” (art. 5º da lei 11.442/07). Ainda, a lei do Salão Parceiro que dispõe que “o profissional-parceiro não terá relação de emprego ou de sociedade com o salão-parceiro enquanto perdurar a relação de parceria tratada nesta lei” (art. 1º, §11, da lei 12.592/12).

Da mesma forma, a lei de franquias também prevê claramente que “o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual (...), sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento” (art. 1º da lei 13.966/19).

Essa evolução jurisprudencial fomentada pelo STF reflete um reconhecimento da complexidade e da diversidade das formas de trabalho na sociedade contemporânea, demandando dos tribunais trabalhistas uma análise mais aprofundada e casuística das relações laborais que vão além da relação de emprego.

Portanto, respaldado pelo atual entendimento do Supremo, especialmente nesses casos em que a legislação dispõe expressamente sobre a inexistência de vínculo empregatício em contratos de natureza civil, fica claro que caberá à parte autora comprovar as suas alegações acerca de eventuais irregularidades no contrato firmado pelas partes, bem como demonstrar a existência concomitante dos requisitos da relação de emprego.

Dessa forma, o atual cenário jurídico, fortalecido pela legislação e pela jurisprudência do STF, exige uma avaliação detalhada das evidências em disputas sobre o vínculo de emprego, considerando a presunção de validade das formas diversificadas de organização do trabalho.

Rafael Caetano de Oliveira
Sócio do escritório Mattos Filho. Especialista em Processo Civil e em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Eduardo Bach Bitencourt
Advogado do escritório Mattos Filho. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e mestrando em Economia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Thatiane Campello Moitrel Costa
Advogada do escritório Mattos Filho. LL.M. pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Processo do Trabalho pela Universidade Candido Mendes.

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