Conduzir uma investigação criminal de acordo com as normas de regência é uma obrigação Estatal que influenciará na correta aplicação da lei penal, pois o processo constitucional não admite que os órgãos de persecução criminal possam se valer da arbitrariedade na produção probatória.
Quando a investigação é feita sem a observância de direitos e garantias fundamentais do investigado, o resultado dessa contrariedade poderá levar à impunidade, pois no processo penal os fins não podem justificar os meios. Isto é, quando a autoria de uma infração penal tenha sido descoberta sem a observância dos critérios objetivos contidos na norma, o infrator não poderá ser responsabilizado criminalmente, uma vez que é vedada a utilização de artifícios ilegais na produção da prova penal.
O art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal estabelece que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Isso quer dizer que se a prova subsequente foi lastreada na prova ilícita originária, todas as provas que foram produzidas e que tiveram como lastro a primeira prova imprestável, serão, também, consideradas ilícitas.
Por exemplo: através de uma interceptação telefônica ilegal foi descoberto um crime de corrupção ativa. Consequentemente, se interceptação telefônica for declarada ilícita, a prova do crime de corrupção ativa não poderá ser utilizada para processar o infrator. Esta impossibilidade legal da utilização da prova subsequente é classificada pela jurisprudência de prova decorrente.
O conceito jurídico adotado pela doutrina classifica esse fato jurídico de teoria dos frutos da árvore envenenada, ou seja, a vedação da inserção de provas ilícitas ou ilegítimas no processo, e assegura a exclusão ou o desentranhamento de todas as provas que foram derivadas da primeira ilegalidade.
Portanto, em regra, como o caminho burocrático na produção da prova penal para cada espécie de investigação será delimitado por legislações infraconstitucionais, se autoridade policial desrespeita a proporcionalidade da investigação e, por critérios subjetivos, entende que certa etapa da colheita de provas pode ser feita por critérios de oportunidade e de conveniência, é provável que quando essa prova chegar à análise do Poder Judiciário haverá o reconhecimento da sua ilicitude, o que poderá levar à sua inutilização.
Cita-se, o caso da interceptação telefônica prevista na lei 9.296/96 que é utilizada, por exemplo, como primeiro ato de investigação na apuração de crime sem violência ou grave amelaça. Como a norma infraconstitucional determina que essa espécie de investigação tenha caráter subsidiário ou excepcional, se for constatato que a interceptação telefônica foi empregada como primeiro ato de investigação, a prova será declarada ilícita e, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada, as provas decorrentes da ilícita também serão consideradas imprestáveis para a investigação.
No julgamento do HC 10.8147, onde foi comprovado que a interceptação telefônica foi utilizada de forma indevida, a eminente relatora do caso, ministra Carmem Lúcia, declarou a ilicitude dessas provas, pois entendeu que a interceptação foi amparada apenas em denúncia anônima, conforme se constata dos seguintes trechos da ementa desse julgado:
“A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só podendo ser determinada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por criminosos, nos termos do art. 2º, inc. II, da lei 9.296/96. Precedente.
Ordem concedida para se declarar a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas, em razão da ilegalidade das autorizações, e a nulidade das decisões judiciais que as decretaram amparadas apenas na denúncia anônima, sem investigação preliminar.”
Em outro caso julgado pelo STF, que também envolveu a análise sobre a legalidade da interceptação telefônica deferida por juízo de primeiro grau, em desfavor de autoridade detentora de foro privilegiado, o eminente relator do caso, ministro Dias Toffoli, declarou a ilicitude da prova, pois entendeu que houve violação do princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII), na medida em que a eventual decisão autorizativa da interceptação telefônica só poderia ser subscrita pela Suprema Corte:
“Restou configurado, portanto, que as interceptações telefônicas levadas a cabo, tanto na operação Vegas, quanto na operação Monte Carlo, revelaram que seu conteúdo passou por análise que, indiscutivelmente, não competia a juízo de primeiro grau, mas ao STF, o que contaminou de nulidade os elementos de prova angariados em desfavor do recorrente nas operações policiais em evidência, por violação do princípio do juiz natural (CF, art. 5º, LIII). (RHC 135683, Relator(a): DIAS TOFFOLI, 2ª turma, julgado em 25-10-16, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 31-03-2017 PUBLIC 3-4-17)”
No julgamento do RHC 207.459, de relatoria do eminente ministro Gilmar Mendes, onde foi deliberado que a autoridade responsável pela prisão em flagrante de uma pessoa foi omissa ao deixar de notificar o preso sobre o direito constitucional de permanecer calado, e de não produzir provas em seu desfavor, essa artifício do Estado foi considerado suficiente para justificar a declaração de ilicitude das provas originárias e derivadas produzidas em desfavor do jurisdicionado:
“A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito.
Recurso ordinário provido para declarar ilícita a prova por violação ao direito ao silêncio e todas as demais derivadas e, com isso, determinar a absolvição da recorrente.”
Indepedendentemente da norma legal utilizada pelos órgãos de persecução criminal para fundamentar a utilização de uma medida de investigação, a defesa do jurisdionado deve manifestar a contrariedade à prova na primeira oportunidade que falar no processo. Caso contrário, a tese defensiva poderá não surtir o resultado almejado, pois a jurisprudência considera essa manobra como uma espécie de nulidade oportunista:
"A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a chamada 'nulidade de algibeira' - aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura" (AgRg no RHC 170.700/PE, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª turma, julgado em 27/9/22, DJe de 4/10/22).”
Por derradeiro, é importante destacar que o art.563 do CPP estabelece que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a defesa. Isto é, se a eventual arbitrariedade do Estado na produção probatória não ocasionar em prejuízo ao investigado, a simples arguição de contrariedade não será suficiente para que o Poder Judiciário declare a nulidade da prova e empregue a teoria dos frutos da árvore envenenada.
Portanto, quando a desproporcionalidade da investigação estiver alinhada à inobservância do caminho burocrático na produção da prova penal, e considerando que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada fará com que o material probatório produzido pelos órgãos de persecução criminal sejam imprestáveis para os efeitos almejados, tornando-se inviável a utilização da prova penal para a incriminação do jurisdicionado.
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996
HC 108147, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 11-12-2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2013 PUBLIC 01-02-2013.
RHC 135683, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25-10-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 31-03-2017 PUBLIC 03-04-2017.
RHC 207459, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25-04-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 17-05-2023 PUBLIC 18-05-2023.
AgRg no RHC n. 170.700/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 4/10/2022.