O depoimento especial é uma das formas de oitiva de criança e adolescente em situação de violência, com vistas à redução de danos e não revitimização, previsto na lei 13.431/17 (art. §1º, art. 4º).1
No entanto, pode ocorrer - e ocorre - de ser requerido por uma das partes ou determinado de ofício pelo juiz, mas se realizar após largo espaço de tempo, a prejudicar a credibilidade de tão sensíveis declarações.
O art. 11 diz que o depoimento especial será tomado, sempre que possível, na forma de produção antecipada de prova2, exatamente para poder colher a memória recente da suposta vítima.3
Confrontando esta possibilidade com o que prescreve a lei, possível que advenha desencontros e incongruências de algumas informações relevantes.
A regra, portanto, é que o depoimento especial seja tomado de forma antecipada, exatamente para evitar que seja colhido após a demora comum dos processos judiciais, tudo isso com a finalidade de preservar o relato mais fiel da suposta vítima.
A exceção, que é a tomada do depoimento do menor na audiência de instrução judicial, deve ocorrer somente se houver, comprovada nos autos, alguma impossibilidade. Ausente a justificação, pode até ser que o ato se realize, mas não há como concluir que os fins perseguidos pelo depoimento especial serão de todo atingidos.
É que o transcurso do tempo, sobretudo em se tratando de crianças, é parte fundante do esquecimento e da posterior modificação da lembrança, como explica di Gesu:
"o transcurso do tempo é fundamental para o esquecimento, pois além de os detalhes dos acontecimentos desvanecerem-se no tempo, a forma de retenção da memória e bastante complexa, não permitindo que se busque em uma gaveta do cérebro a recordação tal e qual ela foi apreendida. E, a cada evocação da lembrança, esta acaba sendo modificada" 4. (grifou-se)
A realização de audiência, opportuno tempore, de depoimento especial antecipado, impede que se interfira na memória das supostas vítimas, evitando assim, a ocorrência de falsas memórias, bem como a perda de memória relativa a fato efetivamente ocorrido.
Em atenção ao dever do órgão ministerial, a narrativa disforme, em geral, incide negativamente sobre importantes elementos da denúncia (CPP, art. 41) como data, o local e dinâmica da ação supostamente delitiva, a qual será inepta se não preenchido este mínimo informativo para imputação.
Portanto, a relação conflituosa entre tempo, memória, esquecimento e possível modificação é melhorada quando a coleta da prova pretendida se dá em prazo razoável.
Verdade é que se dê maior valor à palavra da vítima em processos que tratam de crimes sexuais contra menores. Mas esse peso não pode ser sem critério, como um andarilho cego, a tatear muros procurando o fim do labirinto.
Um destes critérios é a observância do in dubio pro reo deverá, ao final, para resistir à pretensão que não ultrapassa a dúvida razoável, pois não se colhendo da prova produzida a certeza necessária quanto à materialidade e autoria do fato narrado na denúncia, mais ainda quando a palavra da vítima for coletada em depoimento especial após alongado espaço de tempo, contrariando a regra geral da lei e sem justificativa, deve ser o réu absolvido, corando-se a justiça.
1 Pascolati Junior, Ulisses Augusto. Condução Coercitiva da vítima: um vetusto instrumento de poder que deve ser revisitado in Cidadania e Ciência Penal: Livro em homenagem ao Prof. Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha. Tirant Brasil, 2023, p. 435. Disponível em: https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559086252
2 A produção antecipada de prova no processo penal é medida conhecida, já que prevista no art. 366 do CPP, quando o réu é citado por edital. Neste caso da vítima menor, porém, a previsão é mais específica, pois diz respeito apenas à oitiva desta, enquanto a medida prevista no CPP é mais abrangente e genérica, abarcando outros casos, nos quais há risco de perecimento da prova e/ou imprevisibilidade do momento de retomada do curso normal do processo.
3 Art. 11. O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado
4 Di Gesu, 2022, p. 169.