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As compras governamentais e a questão das marcas na Lei 15.340/2006 do Estado do Paraná

A edição da Lei Estadual 15.340/2006, que estabelece normas sobre licitações no âmbito do Estado do Paraná, trouxe diversas novidades com relação ao regulado pela Lei 8.666/93. Uma dessas situações diferenciadas é aquela relacionada à possibilidade de indicação ou de prévia exclusão de determinadas marcas nas licitações para compras de bens pela Administração estadual.

14/6/2007


As compras governamentais e a questão das marcas na Lei 15.340/2006 do Estado do Paraná

André Guskow Cardoso*

1. Introdução

A edição da Lei Estadual 15.340/2006, que estabelece normas sobre licitações no âmbito do Estado do Paraná, trouxe diversas novidades com relação ao regulado pela Lei 8.666/93 (clique aqui). Uma dessas situações diferenciadas é aquela relacionada à possibilidade de indicação ou de prévia exclusão de determinadas marcas nas licitações para compras de bens pela Administração estadual.

2. As previsões da Lei 15.340/2006

A Lei 15.340/2006 regula, em seu art. 10, os princípios gerais aplicáveis às compras. Consagra-se o princípio da padronização (inc. I). Define-se a necessidade de indicação das condições de manutenção, assistência técnica e garantia (inc. II) e de submissão às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado, além de consagrar a necessidade de parcelamento do objeto (inc. III). Além disso, a Lei exige que as compras observem os preços praticados na Administração Pública e sejam processadas através do sistema de registro de preços (incs. IV e V).

Porém, a maior inovação da Lei Estadual 15.340/2006 relaciona-se com a possibilidade de indicação ou de exclusão prévia de marcas nas compras governamentais. Nos termos da Lei 15.340/2006 (art. 10, §1º), admite-se a indicação de marcas quando for decorrente de pré-qualificação de objeto (inc. I) ou for indispensável para melhor atendimento do interesse público, desde que comprovado mediante justificativa técnica (inc. II).

Já a exclusão de certa marca de um certame destinado à aquisição de determinados produtos é admitida nas seguintes hipóteses (art. 10, §2º, da Lei Estadual 15.340/2006): (a) for decorrente da pré-qualificação de objeto (inc. I); (b) for indispensável para melhor atendimento do interesse público, comprovado mediante justificativa técnica (inc. II) ou (c) quando, em processo administrativo, for comprovado que os produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não são adequados ou satisfatórios para o pleno atendimento da obrigação contratual.

Nessa última hipótese, a Lei ressalva expressamente que o fornecedor do produto cuja marca fora previamente excluída submetê-lo a testes para aferição de sua adequação ao atendimento das necessidades da Administração (art. 10, §3º).

A Lei 15.340/2006 admite a indicação de marca “acrescida da expressão similar, quando houver regulamentação específica da Administração, observado o disposto no inciso II do §1º”. Ademais, prevê-se que a Administração pode solicitar prova de qualidade do produto daqueles licitantes que oferecerem marcas similares às sugeridas no objeto. A prova pode ser dar por diversos meios, estabelecidos pela Lei: (a) declaração de outro órgão público que tenha adquirido o produto; (b) comprovação de que o produto encontra-se de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes ou pela ABNT ou por outra entidade credenciada pelo INMETRO.

<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="3. A">3. A compatibilidade das previsões da Lei Estadual com as normas gerais da Lei 8.666/93

Antes de mais nada, é necessário aferir se a regulamentação fornecida ao problema das marcas nas licitações para compras não é incompatível com as normas gerais contidas na Lei 8.666/93 a respeito do mesmo tema.

A Lei 8.666/93 trata da questão da definição de marcas em diversos dispositivos. No art. 7º, §5º, veda-se “a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório”.

O art. 15, §7º, inc. I, por sua vez, estabelece que, nas compras, deve haver “a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca”.

Por último, ao tratar das situações de inexigibilidade de licitação, a Lei 8.666/93, no art. 25, inc. I, mais uma vez reafirma que não é cabível licitação nos casos em que houver inviabilidade de competição “para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca”.

Ou seja, o regime da Lei 8.666/93, apesar de trazer diversas ressalvas à especificação de marcas, não veda de forma absoluta essa definição na aquisição de bens e produtos. Basta que a previsão de marca seja justificada tecnicamente pela Administração. Além disso, nos casos em que apenas determinado produto dotado de certas características seja apto a atender às necessidades da Administração, fica configurada situação de inexigibilidade de licitação.

Como adverte Marçal Justen Filho, “não há reprovação legal à utilização da marca como meio de identificação de um objeto escolhido por suas qualidades ou propriedades intrínsecas. A Administração deve avaliar o produto objetivamente. Poderá valer-se da marca como forma de identificação do objeto que escolheu, desde que tal escolha tenha sido baseada em características pertinentes ao próprio objeto. O que se reprova de modo absoluto é a contaminação da escolha do objeto pela influência publicitária que uma marca apresenta, especialmente agravada numa sociedade em que os processos de marketing são extremamente eficientes. Em última análise, a Lei veda a escolha imotivada. Quando o critério de decisão é simplesmente a marca, existe decisão arbitrária” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª ed., Dialética, 2005, p. 276).

Justamente por isso, o Tribunal de Contas da União já reconheceu que a indicação de marca seria admissível para fins de padronização, desde que fundada em razões de ordem técnica (Decisão 1.196/2002 – Plenário).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná também reconheceu a possibilidade de definição de marca nas compras públicas. Reputou ser "Absolutamente legal o ato da Administração em especificar, no edital de concorrência pública, determinada marca de equipamento de informática, com adoção do princípio da padronização, plenamente justificado pela existência de outros, da mesma marca, que já integram o seu patrimônio, visando não só a harmonização dos serviços de informática, bem como a redução de custos de conservação e manutenção". (TJPR - 4ª Câmara Cível - Ap. Cível nº 71269-7 - Rel. Airvaldo Stela Alves - DJ: 07/02/2000).

Examinadas as previsões da Lei Estadual 15.340/2006, não há aparente incompatibilidade com o regime geral da Lei 8.666/93. Também no caso da legislação estadual, a estipulação de marca é viável, desde que seja necessária para o atendimento do interesse público e haja justificativa técnica suficiente.

4. As situações peculiares previstas na Lei Estadual 15.340/2006

Superado o exame da compatibilidade das previsões da Lei Estadual 15.340/2006 com as normas gerais da Lei 8.666/93 cumpre examinar as situações abarcadas pela legislação estadual.

Em primeiro lugar, a Lei Estadual admite expressamente a indicação de marcas (art. 10, §1º). Para tanto, é necessário que isso derive da pré-qualificação do objeto, ou seja indispensável para o atendimento do interesse público, comprovado mediante justificativa técnica. Esse dispositivo deve ser aplicado em conjunto com o §4º do art. 10, que admite a indicação de marca, desde que “acrescida da expressão similar”, quando houver regulamentação específica da Administração.

Assim, a Administração pode indicar determinada marca, desde que admita a cotação de produtos de outras marcas, que apresentem características técnicas similares àquelas da marca indicada. Isso deriva do fato de que a indicação de uma determinada marca não se vincula à marca em si, mas às características técnicas do objeto daquela marca. Por isso, admite-se que os licitantes participem de determinada licitação oferecendo o produto daquela marca especificada ou com características similares. Qualquer interpretação em contrário seria incompatível com o regime geral da Lei 8.666/93.

Nesse ponto, a Lei Estadual 15.340/2006, ao contrário da Lei 8.666/93, previu expressamente a forma de comprovação da qualidade dos produtos similares. Estabeleceu que isso pode se dar mediante declaração de órgão público que tenha adquirido o produto ou por comprovação de que o produto está de acordo com normas técnicas a que se sujeita o produto da marca indicada.

A redação da Lei Estadual não é das mais precisas. A declaração de um órgão público de que já adquiriu determinado produto não conduz necessariamente à similaridade com uma marca indicada por outro órgão. Basta verificar que a definição das características técnicas do objeto pode variar de um órgão para outro – muito embora seja recomendável a padronização das aquisições da Administração estadual, inclusive mediante o uso do sistema de registro de preços. O que importa, então, é que seja aferida a compatibilidade das características técnicas do produto similar com aquele da marca indicada no certame.

Ademais, a segunda forma de comprovação prevista pela Lei Estadual também pode conduzir a impasses. Afinal, todos os produtos devem se submeter a determinadas normas técnicas. Nem sempre isso acarreta similaridade absoluta das características técnicas dos produtos. O fato é que dois produtos podem obedecer igualmente às normas técnicas de determinado setor, sem que necessariamente possuam características similares. É que as normas técnicas não definem todos os padrões técnicos a serem seguidos pelos fabricantes, mas apenas critérios mínimos. Atendidos esses critérios mínimos, pode haver uma ampla variação nas características dos produtos. Assim, o problema recai novamente na necessidade de aferição da similaridade com as características técnicas presentes no produto da marca indicada.

Em segundo lugar, um ponto que certamente gerará problemas práticos em sua aplicação é o que se relaciona com a possibilidade de exclusão de determinadas marcas ou produtos. Também nesse caso, a conduta da Administração deve se pautar pela busca do interesse público. Não deve haver, em princípio, exclusão pura e simples de marca por incompatibilidade pessoal do administrador com o fabricante ou representante de determinada marca. Evidentemente, a exclusão de marca não corresponde a uma punição do fabricante ou do fornecedor de determinado produto, mas da verificação de que o seu uso não é adequado para o atendimento do interesse público. A exclusão deve derivar da aferição, de forma objetiva e imparcial, no âmbito de processo administrativo específico, de que determinado produto ou marca não atende às necessidades da Administração em determinada área. Não pode haver excessos. A exclusão deve ser proporcional às necessidades da Administração. Não há como se excluir determinadas marcas que não possuem certa utilidade que é irrelevante para a Administração.

Além disso, essa definição sempre será temporária, eis que as necessidades da Administração também são cambiantes.

Por último e como previsto na Lei Estadual, sempre deve se assegurar ao fabricante ou fornecedor do produto a demonstração de que o produto ou a marca atendem às necessidades da Administração, não podendo ser excluídas a priori pela Administração. Os testes previstos pela Lei Estadual 15.340/2006 devem ser realizados em processo regular, com a possibilidade de participação efetiva do interessado, que poderá acompanhar os testes, inclusive indicando assistente técnico.

Em suma, tanto a indicação como a exclusão de marcas ou produtos deve derivar de uma escolha objetiva, fundada na busca do melhor atendimento ao interesse público. Deve haver plena justificação técnica, que deve ser produzida em processo administrativo regular, admitindo-se a participação dos particulares diretamente interessados.

5. Conclusão

Em face do exposto, verifica-se que as previsões da Lei Estadual 15.340/2006 a respeito da indicação ou exclusão de marcas são compatíveis com as regras gerais da Lei 8.666/93.

Os mecanismos previstos na Lei Estadual podem ser instrumentos muito úteis para a definição objetiva dos critérios para aquisição de produtos e materiais pela Administração estadual, mas devem ser aplicados de modo objetivo e ponderado. Não podem se prestar a atender mero capricho ou preferência do administrador, devendo, ao revés, revelar uma escolha técnica e imparcial, apta a aperfeiçoar o sistema de compras do Estado.

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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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