Fato: Em época de tratativas sobre uma possível reforma tributária da renda pelo governo Federal, o foco aqui é a tributação da renda dos médicos cirurgiões organizadas como sociedades empresariais, que desempenham atividades com a utilização da estrutura de terceiros.
Nota-se que a lei 9.249/95 define o percentual de 32% sobre a receita bruta auferida mensalmente pelas atividades de prestação de serviços em geral. Com exceção, das hospitalares, que devem ser aplicadas bases reduzidas, apuradas por meio da incidência de 8% e 12% sobre a receita bruta obtida por mês, para o cálculo do IRPJ e da CSLL, respectivamente.
Assim, os prestadores de serviços médicos, organizados em sociedade, que exercem suas atividades em conformidade com a ANVISA e que adotam o lucro presumido, devem recolher os tributos considerando, como percentuais de determinação de suas bases de cálculo, 8% para o IRPJ, e 12% para a CSLL.
É fato que a Receita Federal vinha impossibilitando a aplicação de percentuais reduzidos de presunção do lucro na hipótese de “serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro” e de “pessoa jurídica prestadora de serviço médico ambulatorial com recursos para realização de exames complementares e serviços médicos prestados em residência, sejam eles coletivos ou particulares (home care)”, conforme a lei 9.249/95, os incisos II e III do § 4º do art. 33 da IN RFB 1.700, de 14/3/17.
Num primeiro momento, a Receita Federal passou a exigir dos estabelecimentos assistenciais de saúde uma estrutura física para que o contribuinte pudesse usufruir do benefício fiscal de redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL ((INs SRF 480/04 e 539/05), exigência esta que extrapolou os limites da lei 9.249/95, conforme decidido pelo STJ, no julgamento do REsp 1.116.399 – Tema 217/STJ.
Na ocasião, o STJ consolidou o entendimento de que a expressão "serviços hospitalares" deve ser entendida de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pela contribuinte), porquanto a lei, “ao conceder o benefício fiscal, não considerou o contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde)”, além de que “(...) os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício.”
Em seguida, o Fisco Federal exigiu que a prestação dos serviços se desse em ambiente de titularidade do contribuinte, considerando que, nos casos de prestação de serviços médicos em ambiente de terceiros, como hospitais, o enquadramento com base de cálculo com percentual reduzido não seria aplicável (INs RFB 1.234/12 e 1.700/17).
Um exemplo prático, a Receita Federal vinha negando o referido benefício aos cirurgiões, que atuam por meio de pessoa jurídica, no interior de unidades hospitalares de terceiro.
A Solução de Consulta Disit/SRRF03 3.005/21 tratou que os serviços médicos de anestesia deveriam ser “prestados nas próprias instalações do estabelecimento de saúde do contribuinte” para fazerem jus ao benefício.
Todavia, a PGFN, por intermédio do Parecer SEI 7.689/21/ME, passou a orientar que a Receita Federal observe o entendimento proferido pelo STJ no REsp 1.116.399/BA, ou seja: “Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão 'serviços hospitalares', constante do art. 15, § 1º, inciso III, da lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares 'aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde', de sorte que, 'em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos”.
Seguindo a jurisprudência do STJ e a orientação vinculada da PGFN, a Receita Federal editou Solução de Consulta Disit/SRRF04 4030/23, vinculada à Solução de Consulta 147/23, que fica vedada a imposição de limitações, para aplicação da alíquota reduzida, relacionadas aos serviços de ‘Home Care’ e às sociedades que desempenham atividade com a utilização da estrutura de terceiro.
Assim, a Receita Federal passou a admitir que os cirurgiões, organizados em sociedade empresariais - que atuam no interior de hospitais de propriedade de terceiros, que atendam às normas da ANVISA e que tenham optado por serem tributadas por meio do regime do lucro presumido, possam utilizar-se do percentual de 8% e 12% sobre a receita bruta como base de cálculo, respectivamente, do IRPJ e da CSLL, apenas no que toca às receitas de serviços tipicamente hospitalares.
Ou seja, o benefício não se aplicaria às consultas médicas, nem mesmo quando realizadas no interior de hospitais, de modo que só abrangeria parcela das receitas da sociedade que decorre da prestação de serviços hospitalares propriamente ditos.
Diante de todo o exposto, os médicos cirurgiões organizados como sociedades empresariais, que desempenham atividade com a utilização da estrutura de terceiros, fazem jus aos percentuais reduzidos de IRPJ e de CSLL no lucro presumido em razão da prestação de serviços hospitalares, inclusive, a depender do caso, pela via judicial, o direito à devolução dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos para a Receita Federal.