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Carga tributária ampliada - TUSD e TUST na base de cálculo do ICMS

A decisão do STJ, ao interpretar que as tarifas em questão devem compor a base de cálculo para o imposto, levanta questionamentos críticos sobre a aderência ao princípio da legalidade.

2/4/2024

Na esfera da tributação sobre energia elétrica no Brasil, a complexidade se apresenta não apenas nos mecanismos de cobrança e incidência, mas também nas múltiplas camadas de entendimento jurídico e suas constantes evoluções. A energia elétrica, vital para a sociedade moderna, encontra-se no centro de uma complexa rede tributária, onde as tarifas TUSD - Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição e TUST - Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão representam elementos significativos na composição dos custos finais para o consumidor.

Historicamente, a tributação do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sobre a energia elétrica tem sido uma fonte de intensos debates jurídicos e econômicos. O ICMS, sendo um dos principais tributos brasileiros, incide sobre a circulação de mercadorias e a prestação de determinados serviços, incluindo o fornecimento de energia elétrica. A inclusão das tarifas TUSD e TUST na base de cálculo do ICMS reflete diretamente no montante final a ser recolhido, impactando não apenas os consumidores finais, mas toda a cadeia produtiva e de distribuição energética.

O papel das tarifas TUSD e TUST, essenciais para a manutenção e operação do sistema elétrico nacional, revela-se ainda mais crítico ao considerar-se a estrutura do setor elétrico brasileiro. Esse setor é caracterizado pela interdependência entre geração, transmissão e distribuição de energia, onde cada etapa é fundamental para a entrega final ao consumidor. As tarifas em questão são cobradas para cobrir os custos associados à utilização das redes de transmissão e distribuição, infraestruturas que permitem que a energia, produzida em diversas fontes e localizações, chegue aos pontos de consumo espalhados pelo território nacional.

A compreensão da complexidade da tributação no setor elétrico e do papel das tarifas TUSD e TUST passa, portanto, por um entendimento não apenas da estrutura física e operacional do sistema de energia, mas também das nuances legais e tributárias que envolvem a definição da base de cálculo do ICMS neste contexto.

Por um lado, a inclusão destas tarifas na base de cálculo do ICMS é defendida sob o argumento de que a energia elétrica, como um todo, é um bem essencial sujeito à tributação desde sua geração até o consumo final. Dessa forma, as tarifas em questão seriam componentes inseparáveis desse processo, justificando sua inclusão como parte do valor tributável. Por outro lado, críticas surgem com base no princípio de que o ICMS deveria incidir apenas sobre a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, questionando-se a legitimidade de tributar etapas intermediárias que, por si só, não configurariam uma operação de circulação de mercadoria.

A controvérsia se intensifica ao se considerar que a inclusão destas tarifas amplia substancialmente o valor sobre o qual incide o ICMS, elevando o custo final para os consumidores e impactando diretamente a competitividade das empresas, especialmente aquelas de grande porte, cujo consumo de energia representa uma parcela significativa de seus custos operacionais. Além disso, essa prática tem reflexos no preço final dos produtos e serviços, podendo influenciar a inflação e o desenvolvimento econômico.

A questão se aprofunda quando consideramos o impacto econômico dessa inclusão. Para os consumidores, isso significa uma elevação no custo final da energia, uma vez que o valor do ICMS a ser recolhido sobre a fatura de energia se amplia significativamente. Para as empresas, especialmente aquelas de grande porte e com consumo energético elevado, o aumento da carga tributária pode representar um encarecimento de suas operações, reduzindo sua competitividade no mercado.

Do ponto de vista dos Estados, a arrecadação proveniente do ICMS sobre energia elétrica é fundamental para o financiamento de políticas públicas e serviços essenciais. Nesse sentido, a ampliação da base de cálculo desse tributo, incluindo as tarifas TUSD e TUST, é defendida como uma medida necessária para manter a capacidade de investimento dos governos estaduais. Essa perspectiva, contudo, esbarra nos princípios da capacidade contributiva e da justiça fiscal, levantando questionamentos sobre o equilíbrio entre a necessidade de arrecadação e o ônus imposto aos contribuintes.

Evolução da jurisprudência sobre ICMS, TUSD e TUST

Inicialmente, a orientação predominante nos tribunais brasileiros era de que as tarifas TUSD e TUST, por não se confundirem diretamente com a mercadoria "energia elétrica" propriamente dita, mas com os serviços de transmissão e distribuição, não deveriam compor a base de cálculo do ICMS. Essa compreensão estava alinhada à ideia de que o fato gerador do ICMS sobre energia elétrica ocorreria apenas no momento do consumo efetivo pelo usuário final, excluindo-se, portanto, os serviços antecedentes à entrega da energia.

Porém, essa perspectiva começou a mudar com decisões pontuais dos tribunais superiores, culminando em um reexame mais profundo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O entendimento que começava a se formar era o de que a cadeia de fornecimento de energia elétrica, dada sua complexidade e interdependência, deveria ser vista de maneira holística. Assim, as etapas de transmissão e distribuição, longe de serem meros preâmbulos, constituíam etapas indissociáveis do fornecimento de energia, justificando, portanto, a inclusão das respectivas tarifas na base de cálculo do imposto.

Essa mudança de rota jurisprudencial não somente chocou contribuintes que, até então, se valiam da exclusão dessas tarifas para minorar a carga tributária, mas também instigou um amplo debate sobre os limites da tributação e o papel do STJ na interpretação da legislação tributária. A definição de que TUSD e TUST integram a base de cálculo do ICMS alinhou-se à visão de que toda a cadeia de fornecimento de energia elétrica, desde a geração até o consumo final, está sujeita à incidência do imposto, refletindo uma interpretação extensiva do conceito de circulação de mercadorias.

Gilmara Nagurnhak
Pós Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil Pós Graduanda em Direito Tributário Uma advogada apaixonada pelo mundo empresarial!

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