Ter a seu favor uma coisa julgada, uma garantia fundamental protegida por cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inciso IV da CF), não mais significa certeza do seu direito.
Ela pode ser revertida, a qualquer tempo, por decisão da Corte Suprema e com efeito retroativo, agravando a situação da pessoa dispensada, por exemplo, do pagamento de determinado tributo.
Tanto o STF, como STJ contribuem para a incerteza do passado e imprevisibilidade do futuro, porque as decisões nem sempre são pautadas de conformidade com a ordem legal e constitucional vigente.
Examinaremos essa questão no âmbito de cada Tribunal.
a) No STF
Nos idos de 1990 o STF declarou a inconstitucionalidade da cobrança da CSLL prevista na lei 7.698/88.
Só que em 2007 o mesmo STF no julgamento da ADI 15 reputou constitucional aquela CSLL declarando a inconstitucionalidade apenas dos arts 8º e 9º da lei 7.698/88, resguardando a cobrança da CSLL.
O V. Acórdão nada adiantou a cerca dos detentores da coisa julgada em sentido contrário.
É certo, porém, que a declaração de constitucionalidade surte efeito ex tunc ensejando a cobrança retroativa do tributo, ressalvado, contudo, os detentores da coisa julgada em sentido contrário. Pelo menos é assim que todos entendiam. Só uma rescisória poderia invalidar o efeito da coisa julgada!
Porém, o STF nos julgamentos dos RREE 949.297 e 955.227, sob a égide de repercussão geral, para o grande espanto de todos, decidiu que a decisão contrária proferida no RE sob a égide de repercussão geral e nas ações de controle concentrado reverte automaticamente a coisa julgada em sentido contrário, descabendo a cogitação de efeito modulatório.
O ministro Roberto Barroso acrescentou que quando a Corte julgou constitucional a CSLL nos idos de 2007 o detentor da coisa julgada que exonerava o encargo da CSLL deveria ter feito o seu pagamento incontinente. Não tendo feito esse pagamento, sustentou o ilustre Ministro, aumentando o nosso espanto, que o contribuinte até então exonerado da obrigação tributária teria feito uma aposta, como no cassino, e perdeu a aposta pelo que deve arcar com as consequências da opção que ele fez. Só que até hoje ninguém ousou comparar o Excelso Pretório Nacional a um cassino.
Ora, a coisa julgada é uma garantia constitucional. Se for para desrespeitá-la o STF deveria ter dito em 2007 que aquela coisa julgada obtida em 1990 ficava revertida, e não afirmar isso depois de passados mais de 16 anos da decisão de constitucionalidade da CSLL.
Outra decisão, mais recente, que impacta a decisão plenária da Corte Suprema diz respeito à proclamação do direito à “revisão da vida toda”.
Como se sabe, depois de 25 anos de discussão o STF decidiu favoravelmente ao aposentado, assegurando os benefícios previdenciários sem o fator previdenciário que achata o valor do benefício (RE 1.176.977). Isso aconteceu no final de 2022.
Contudo, o governo alertou que essa decisão irá causar um rombo de R$ 480 bilhões aos cofres da Previdência. Segundo os cálculos do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário o impacto financeiro seria de apenas R$ 1,5 bilhão.
Logo, o STF retirou de pauta o julgamento de Embargos Declaratórios interpostos pelo INSS no RE 1.176.977 que ocorreria no dia 21-3-24, e em seu lugar pautou duas ADIs a de 2.110 e a de 2.111 que questionam o fator previdenciário e que estavam engavetados.
Por maioria de votos, o STF decidiu que o art. 3º da lei 9.876/99, que insistiu o fator previdenciário, é de aplicação cogente, e não conforme o entendimento manifestado no julgamento do RE 1.176.977.
O ministro Zanin, que teve a idéia de colocar em pauta as duas ADIs, invocou o § 1º, do art. 201 da CF para vetar a adoção de critérios diversos na concessão do benefício previdenciário.
O ministro Alexandre de Moraes divergiu da maioria entendendo que o art. 3º da lei 9.876/99 possibilita a escolha do critério mais benéfico para o segurado. Seu voto foi seguido pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Mas, por 7 votos contra 4 o STF, por vias oblíquas, reverteu a tese da revisão da vida toda. Pergunta-se, por que cargas d’águas não procedeu julgamento conjunto do RE e das ADIs desde o começo? Para usar as ADIs como instrumento de sabotagem do que for decidido no Recurso Extraordinário, conforme a direção dos ventos que sopram no cenário econômico?
Com isso, pensamos que o julgamento dos Embargos Declaratórios restaram prejudicados.
Como é possível que a mesma norma, o art. 3º da lei 9.876/99, deva sofrer interpretação divergente conforme seja ele apreciado no Recurso Extraordinário e no bojo de uma ação de controle concentrado?
Enfim, decisões da espécie geram muita insegurança jurídica e frustram a justa expectativa dos jurisdicionados.
b) No STJ
O STJ vinha julgando indevido o ICMS incidente sobre a TUST e a TUSD pelas duas Turmas de Direito Público, porque em tais hipóteses não há ocorrência do fato gerador, à luz do que dispõe a sua súmula 166, conforme ementas abaixo:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. OMISSÃO INEXISTENTE. LEGITIMIDADE ATIVA. ICMS SOBRE "TUSD" E "TUST". NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ.
- Não há a alegada violação do art. 535 do CPC, ante a efetiva abordagem das questões suscitadas no processo, quais sejam, ilegitimidade passiva e ativa ad causam, bem como a matéria de mérito atinente à incidência de ICMS.
- Entendimento contrário ao interesse da parte e omissão no julgado são conceitos que não se confundem.
- O STJ reconhece ao consumidor, contribuinte de fato, legitimidade para propor ação fundada na inexigibilidade de tributo que entenda indevido.
- "(...) o STJ possui entendimento no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica - TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica - TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS" (AgRg nos EDcl no REsp 1.267.162/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª turma, julgado em 16/8/12, DJe 24/8/12).
Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 845.353/SC, rel. ministro Humberto Martins, 2ª turma, julgado em 5/4/16, DJe 13/4/16).
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ICMS SOBRE "TUST" E "TUSD".NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO JURÍDICA DAMERCADORIA. PRECEDENTES.
- Recurso especial em que se discute a incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sobre a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
- Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido.
- Esta Corte firmou orientação, sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.299.303-SC, DJe 14/8/2012), de que o consumidor final de energia elétrica tem legitimidade ativa para propor ação declaratória cumulada com repetição de indébito que tenha por escopo afastar a incidência de ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada de energia elétrica.
- É pacífico o entendimento de que "a Súmula 166/STJ reconhece que 'não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte'.
Assim, por evidente, não fazem parte da base de cálculo do ICMS a TUST - Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica e a TUSD - Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica".
Nesse sentido: AgRg no REsp 1.359.399/MG, rel. ministro HUMBERTO MARTINS, 2ª turma, julgado em 11/6/13, DJe 19/6/13; AgRg no REsp 1.075.223/MG, rel. ministra ELIANA CALMON, 2ª turma, julgado em 4/6/13, DJe 11/6/13; AgRg no REsp 1.278.024/MG, rel.ministro BENEDITO GONÇALVES, 1ª turma, julgado em 7/2/13, DJe 14/2/13.
Agravo regimental improvido.”(AgRg no REsp 1.408.485/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª turma, julgado em 12/5/15, DJe 19/5/15).
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.LEGITIMIDADE ATIVA DO CONTRIBUINTE DE FATO. UTILIZAÇÃO DE LINHA DE TRANSMISSÃO E DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. ICMS SOBRE TARIFA DE USO DOS SISTEMA DEDISTRIBUIÇÃO (TUSD).IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL.
- O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da mercadoria, e não do serviço de transporte de transmissão e distribuição de energia elétrica, incidindo, in casu, a súmula 166/STJ. Dentre os precedentes mais recentes: AgRg nos EDcl no REsp 1.267.162/MG, rel. ministro Herman Benjamin, 2ª turma, DJe 24/8/12.
- A Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.299.303/SC, rel. min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 14.8.12, na sistemática prevista no art. 543-C do CPC, pacificou entendimento no sentido de que o usuário do serviço de energia elétrica (consumidor em operação interna), na condição de contribuinte de fato, é parte legítima para discutir a incidência do ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica ou para pleitear a repetição do tributo mencionado, não sendo aplicável à hipótese a orientação firmada no julgamento do REsp 903.394/AL (1ª Seção, rel. min. Luiz Fux, DJe de 26.4.2010 – recurso submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC).
- No ponto, não há falar em ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal), tampouco em infringência da súmula vinculante 10, considerando que o STJ, ao apreciar o REsp 1.299.303/SC, interpretou a legislação ordinária (art. 4º da LC 87/96).
- Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1.278.024/MG, rel. ministro Benedito Gonçalves, 1ª turma, julgado em 7/2/13, DJe 14/2/13).
Em recente julgamento a Primeira Seção do STJ reverteu aquela jurisprudência escorreita, mediante invocação de uma série de argumentos relativos a processos de produção e comercialização de energia, que começa com a geração seguida de transmissão e distribuição até chegar ao consumidor final, invocando a lei 9.074/95 que veio segmentar o setor de energia elétrica.
A segmentação desse setor nada tem a ver com o fato gerador do ICMS que implica necessariamente uma circulação jurídica da mercadoria (compra e venda) segundo pacífica jurisprudência do STF que levou exatos 23 anos para afastar a tese da mera circulação física, desprovida de troca de propriedade ou de posse.
Tanto assim é que o § 5º do art. 4º da lei 9.074/95 veda ao concessionário de distribuição de energia elétrica de desenvolver:
- atividade de geração de energia; e
- atividade de transmissão de energia
Demonstra que são empresas concessionárias diferentes para cada tipo de concessão: geração, transmissão e distribuição.
A transmissora não promove venda de energia, nem a geradora, salvo quando vende diretamente a grandes consumidores de energia, como permitido pela Lei nº 9.074/95.
Se o ato de geração, de transmissão e distribuição, por si só, não constitui fato gerador do ICMS a conclusão que se impõe é que os valores correspondentes a essas operações não podem compor a base de cálculo do ICMS.
Por muito menos o STF determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, porque não sendo o ICMS uma mercadoria não poderia compor a base de cálculo das aludidas contribuições sociais que têm como fato gerador exatamente o faturamento, e o ICMS não é faturamento (RE 574.706 DJe de 17-3-17).
Lamentavelmente, por maioria de votos, a Primeira Seção do STJ alterou a sua jurisprudência solidificada pelas duas Turmas de Direito Público para determinar a tributação da TUSD – Taxa de Uso de Distribuição de Energia Elétrica, sem que tivesse havido qualquer modificação legislativa.
Dessa forma, ambos os tribunais superiores – o STF e o STJ – não mais inspiram a confiança dos jurisdicionados porque mudam de posição segundo as circunstâncias do momento, como decorrência de sua excessiva politização.
Não é missão do Judiciário preocupar-se com a saúde financeira do Estado, nem de fazer justiça segundo o seu conceito, mas de conformidade com o conceito de justiça formulado pelo legislador, ainda que o dos juízes seja o melhor, para que todos possam viver em paz e em harmoniza com a plena previsibilidade que decorre das leis perenes.