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A prescrição da pretensão ressarcitória nos tribunais de contas segundo o STF

O impacto da decisão do STF no Tema 899 sobre a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário, destacando as normas aplicáveis nos processos de responsabilização perante o TCU.

31/3/2024

A jurisprudência qualificada do STF acerca da prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória nos Tribunais de contas

A tese estabelecida pelo STF no julgamento do tema 899 da repercussão geral – que entendeu ser prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas – possui relevante impacto nos processos de responsabilização de gestores públicos no âmbito do Tribunal de Contas da União. 

Dois importantes aspectos podem ser extraídos do referido julgamento. Obviamente, em primeiro lugar, definiu-se que as ações de ressarcimento ao erário, fundadas em decisões de Tribunais de Contas, devem se curvar à regra geral de prescritibilidade existente no Direito brasileiro, em virtude da aplicação dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, bem como em decorrência da aplicação de uma visão garantista do direito administrativo sancionar e limitadora do poder persecutório do Estado.

Em segundo, importa ressaltar que o caso concreto analisado na referida repercussão geral versava sobre processo de execução de débito imputado pelo Tribunal de Contas da União ao respectivo responsável. Como, de acordo com o art. 24, da lei 8.443/92, a decisão do Tribunal, da qual resulte imputação de débito ou cominação de multa, torna a dívida líquida e certa e tem eficácia de título executivo, o STF entendeu que a prescrição da pretensão punitiva de ressarcimento ao erário, em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas, no bojo de um processo de execução, deveria se dar na forma da lei 6.830/80 (lei de Execução Fiscal).

Esse entendimento foi reafirmado no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 636.889/AL, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que sublinha que a decisão do TCU formalizada em acórdão terá eficácia de título executivo e será executada conforme o rito previsto na lei de Execução Fiscal (lei 6.830/80).

Contudo, a prescrição da pretensão punitiva durante o processo administrativo de responsabilidade no âmbito da Corte de Contas – processo de conhecimento – não é regulada pelo referido diploma legal (LEF).

Na verdade, o entendimento das duas Turmas do STF consagra que a prescrição da pretensão punitiva no Tribunal de Contas da União deve ser regulada integralmente pela lei 9.873/1999, nos termos do Mandado de Segurança 32.201/DF, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, que afirma, categoricamente, que “a prescrição da pretensão punitiva no TCU é regulada integralmente pela lei 9.873/99, seja em razão da interpretação correta e da aplicação direta desta lei, seja por analogia” (MS 32.201/DF, Primeira Turma, Relator Ministro Roberto Barroso, 21/3/17).

No mesmo sentido, encontram-se os seguintes julgados: MS 37.373 AgR, relator Ministro Ricardo Lewandowski, segunda turma, julgado em 31/05/21; MS 36.780, relator Ministro Marco Aurélio, relator para o acórdão Ministro Roberto Barroso, primeira turma, julgado em 19/10/21.

Portanto, pode-se afirmar que existem dois momentos nos processos de responsabilização perante os Tribunais de Contas sobre os quais incidem distintas normas que regulamentam a prescrição da pretensão punitiva.

Nos termos dos precedentes do STF, durante o processo de conhecimento, o diploma que regulamenta a prescrição no âmbito do Tribunal de Contas da União é a lei 9.873/99, conforme a literalidade dos precedentes indicados (MS 32.201/DF, MS 36.780/DF e MS 37.373/DF).

Por outro, após a decisão da Corte de Contas, da qual resulte imputação de débito ou cominação de multa, transitar em julgado e passar a ter eficácia de título executivo, a prescrição da pretensão punitiva passa a ser disciplinada pela lei 6.830/80, que regula o processo de execução fiscal, nos termos estabelecidos no julgamento do RE 636.889/AL (Tema 899 RG) e dos respectivos embargos de declaração.

Nessa linha, considerando-se o poder regulamentar conferido pelo art. 3º da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (lei 8.443/92), que autoriza a expedição de atos e instruções normativas sobre matéria de sua atribuição e organização dos processos que lhe devam ser submetidos, bem como a necessidade de estabelecer critérios e procedimentos para exame da prescrição e de regulamentar seus efeitos no processo de controle externo, a Corte de Contas editou a Resolução TCU 344/22, com o objetivo de regulamentar a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento.

Destarte, no âmbito dos processos de responsabilização perante o Tribunal de Contas da União, devem-se observar os critérios estabelecidos pelo referido diploma normativo, especialmente em relação aos termos iniciais e aos marcos interruptivos estabelecidos pela Resolução TCU 344/22, em face das necessárias adaptações hermenêuticas aplicáveis ao exercício do controle externo, tendo em vista que a incidência da lei 9.873/99 deriva da aplicação por analogia como forma de integração da ordem jurídica.

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BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 25 de março de 2024.

Presidência da República. Lei 9.873, de 16 de março de 1999. Estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9873.htm. Acesso em 25 de março de 2024.

Presidência da República. Lei 8.443, de 16 de julho de 1992 – Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (LOTCU). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8443.htm. Acesso em 25 de março de 2024

Presidência da República. Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980 – Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em 25 de março de 2024.

STF. Supremo Tribunal Federal. Tema 899 da Repercussão Geral. Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas. Disponível em https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=899. Acesso em 26 de março de 2024.

Supremo Tribunal Federal. RE 363.886/AL. Relator Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4046531. Acesso em 26 de março de 2024.

Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração no RE 363.886/AL. Relator Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4046531. Acesso em 26 de março de 2024.

Supremo Tribunal Federal. MS 32.201/DF. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4435867. Acesso em 26 de março de 2024.

Supremo Tribunal Federal. MS 37.373 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 31/05/2021. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5999081. Acesso em 26 de março de 2024.

Supremo Tribunal Federal. MS 36.780, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator para o acórdão Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 19/10/2021. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5803461. Acesso em 26 de março de 2024.

UNIÃO, Tribunal de Contas. Resolução TCU n° 344/2022. Regulamenta, no âmbito do Tribunal de Contas da União, a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento. Disponível em https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/norma/NORMA-21624. Acesso em 26 de março de 2024.

Thiago da Cunha Brito
Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Advogado. Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento(IDP). LLM Direito Penal Econômico (IDP). Graduado em Direito (IDP).

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