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Inclusão do sócio ao polo passivo fiscal

A ampliação do polo passivo da execução fiscal com a inclusão do sócio da pessoa jurídica devedora não pode ser feita de ofício pelo magistrado e depende de pedido específico da parte, sob pena de indevida ingerência do poder Judiciário em atribuição do Executivo.

25/3/2024

Primeiramente, há duas questões que merecem detalhamento. A primeira delas diz respeito à fundamental distinção conceitual entre os institutos do redirecionamento, de um lado, e da responsabilização pessoal, de outro.

Ao se falar em redirecionamento da execução fiscal, quer-se discutir, meramente, a legitimidade do sócio para responder pelas dívidas da pessoa jurídica, isto é, se ele pode ou não figurar no polo passivo da execução fiscal. Essa legitimidade passiva, no entanto, não confirma a existência de responsabilidade tributária, mas apenas estabelece uma presunção relativa (art. 204 do CTN).

Nessa esteira, a presunção relativa caracteriza-se como uma presunção legal relativa, condicional, disputável ou ‘iuris tantum’ que é aquela a qual a lei admite prova em contrário, ou seja, o fato é havido como verdadeiro até que se prove o contrário.

Por sua vez, a responsabilidade tributária ocorre quando a legislação redireciona o dever de recolhimento do tributo, transferindo-o do contribuinte, a pessoa que realizou o fato gerador, para uma terceira pessoa. O redirecionamento da responsabilização tributária aos sócios/gerentes será decidida pelas vias cognitivas próprias.

Portanto, ao se discutir a inclusão dos nomes dos sócios da pessoa jurídica no polo passivo da execução fiscal (seja por meio de redirecionamento, seja por meio do ajuizamento direto da execução contra eles), não há que se falar, propriamente, em responsabilidade do sócio, mas, antes, em legitimidade passiva do sócio para ulterior aferição de responsabilidade.

Partindo-se da premissa de que toda forma de redirecionamento configura espécie de desconsideração da personalidade jurídica, vislumbra-se a possibilidade de se requerer a responsabilização dos sócios/gerentes, no âmbito da própria execução, sendo oportunizada a dilação probatória, assegurando o contraditório e a ampla defesa, sem os quais o redirecionamento não será possível.

Ao enquadrar-se a discussão no espectro da legitimidade, surge o segundo aspecto a ser examinado: a necessária condição de sócio-gerente ou administrador, ou seja, de que sócio indicado na CDA ou no curso da execução fiscal tenha, efetivamente, poderes de gestão da pessoa jurídica. É certo que, na ausência desses poderes, o sócio jamais poderia figurar no polo passivo, pois a ele jamais poderia ser imputada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.

Daí uma vertente, sob a importância de que a qualificação do sócio como corresponsável (sócio-gerente ou administrador) venha expressamente indicada na CDA para que se autorize o redirecionamento ou o próprio prosseguimento da execução fiscal contra ele.

Contudo, o STJ em julgamento sob sistemática dos recursos repetitivos (Tema 444), firmou o entendimento de que é vedada a substituição da CDA para incluir os sócios da devedora no polo passivo, quando não há comprovação quanto ao excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto.

Por oportuno, vejamos o que preceitua a ementa do Tema 444 julgado em sede de recursos repetitivos pelo STJ: 

“Processual civil e tributário. Responsabilidade de sócio. Certidão de dívida ativa. Presunção de legitimidade. Exceção de pré-executividade. Exame. Inviabilidade. 1. A autoridade administrativa tem o dever de motivar devidamente o ato de inclusão de eventuais pessoas passíveis de responsabilização no ato administrativo de inscrição da dívida ativa, sendo certo, porém, não necessita constar expressamente na certidão de dívida ativa, uma vez que presumem-se legítimas e verídicas suas informações, o que permite seja ela utilizada como petição inicial da execução (§ 2º do art. 6º da lei n. 6.830/80). 2. De acordo com o entendimento firmado pela Egrégia primeira Seção do STJ no julgamento dos REsp 1.104.900/ES e 1.110.925/SP, ambos pela sistemática dos recursos repetitivos, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, não sendo possível a discussão deste tema em sede de exceção de pré-executividade. 3. Agravo interno desprovido.” (g.n)

Ademais, a jurisprudência do STJ é no sentido de que o inadimplemento de tributo não configura a hipótese de inclusão, e que, em caso de dissolução pela via da falência não há que se falar em dissolução irregular.

Dessa forma, tendo em vista que é vedada a substituição da CDA para incluir os sócios da devedora no polo passivo e que a autoridade administrativa tem o dever de motivar devidamente a inclusão de eventuais pessoas passíveis de responsabilização pelo crédito tributário, comprovando o excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto e a hipótese de dissolução irregular, seja essa última em momento anterior ou posterior à citação da devedora principal, elementos de convicção autorizadores da responsabilização e inclusão do sócio no polo passivo da execução.

Quanto ao redirecionamento de execução fiscal contra sócio feita de ofício por juiz, o STJ vetou tal ingerência. Nesta esteira, vejamos um trecho do voto do relator, o ministro Benedito Gonçalves no julgamento do REsp 2.036.722:

"A determinação de redirecionamento da execução fiscal de ofício, além de representar uma violação ao direito de ação do autor, uma vez que cabe ao autor decidir acerca de seu interesse e conveniência na ampliação subjetiva da lide, representa indevida usurpação pelo poder Judiciário de atribuição própria do poder Executivo, em evidente mácula ao princípio da separação de poderes".

Ou seja, a ampliação do polo passivo da execução fiscal com a inclusão do sócio da pessoa jurídica devedora não pode ser feita de ofício pelo magistrado e depende de pedido específico da parte, sob pena de indevida ingerência do poder Judiciário em atribuição do Executivo. 

Ressalta-se que o redirecionamento da execução fiscal altera a ação de cobrança inicialmente ajuizada, portanto, essa mudança diz respeito ao direito de ação assegurado ao credor, que pode ser exercido por ele no prazo prescricional legalmente estabelecido. Logo, não compete ao juiz da causa agir para evitar a prescrição.

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Autor desconhecido. “Inclusão de sócio-gerente no polo passivo de execução fiscal em caso de falência somente é possível quando há infração à lei ou excesso de poderes”. Disponível em: https://www.ibet.com.br/inclusao-de-socio-gerente-no-polo-passivo-de-execucao-fiscal-em-caso-de-falencia-somente-e-possivel-quando-ha-infracao-a-lei-ou-excesso-de-poderes/. Publicado em: 22/6/21.

VITAL, Danilo. “STJ veta redirecionamento de execução fiscal contra sócio feita de ofício por juiz”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-abr-05/stj-veta-redirecionamento-oficio-execucao-fiscal-socio/. Publicado em: 5/4/23.

PEROBA, Luiz Roberto; JORGE, Nayanni Enelly Vieira; e SANTOS, André Torres dos. “STJ inaugura debate sobre inclusão dos sócios no pólo passivo da execução”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-nov-12/opiniao-stj-debate-inclusao-socios-polo-passivo-execucao/#_ftn1. Publicado em: 12/11/17.

Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Larissa Vilela
Advogada.

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