O Ministério Público não tem poderes investigativos; o legislador constituinte não lhe conferiu esses poderes.
O que acontece é que havia uma vontade institucional do Ministério Público de investigar, ainda que carente de amparo na legislação e também em dados que justificassem, no entanto, à revelia de tudo isso, o Ministério Público passou a investigar e a matéria naturalmente chegou ao STF (RE 593.727, Minas Gerais), tendo sido julgada em 2015, num contexto de acalorada discussão institucional no país – se é que se pode dizer assim.
O art. 129 da Constituição Federal estabelece quais são as funções do Ministério Público e não prevê a atribuição de investigar; por outro lado, o art. 144 do Constituição Federal, que trata da segurança pública e das funções institucionais de investigar e do policiamento ostensivo, sequer menciona o Ministério Público.
Foi partindo, então, da teoria dos poderes implícitos e, também de uma vontade institucional de conceder esse poder ao Parquet, que o Supremo conferiu, de forma originária, referido poder ao Ministério Público.
À exceção do min. Marco Aurélio - quem, acertadamente, não via poder investigativo ministerial na nossa Carta Magna -, os demais ministros indicavam um caráter subsidiário dessa atribuição, o que decorreu do primeiro voto – muito sábio - proferido pelo min. Cezar Peluso, enquanto relator, muito mais restrito do que os demais votos subsequentes.
No entanto, referida subsidiariedade subitamente não foi para o resultado do julgamento, o que se explica pela grande dificuldade na sua proclamação, que atribuímos a certa hesitação, dada a manifesta desconformidade, formal e material, do resultado com a ordem jurídica, tendo a árdua tarefa de consolidar o resultado ficado a cargo do min. Celso de Mello, cuja proposta foi acolhida pelos demais integrantes e pelo então presidente do tribunal, o min. Ricardo Lewandowski.
O STF conferiu esse poder ao Ministério Público e o desenrolar não poderia ser outro senão disfuncionalidade, com efeito, muito embora seja órgão imprescindível à administração da justiça, com funções próprias, entre elas, a de promover, privativamente, a ação penal pública e a de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, I e VII, CF/88), o Ministério Público não tem aptidão institucional para investigar, não se inserindo, referida atividade, dentro daquela desenhada pelo legislador de 1941, desenho institucional esse que perdura até hoje, como bem resgatado pelo min. Cezar Peluso.
Ao proferir o seu voto em relação ao tema, o min. Cezar Peluso resgatou a exposição de motivos do CPP/41, de onde se depreende que o nosso sistema foi concebido para que a autoridade policial tenha a competência investigativa e por uma razão: para evitar-se “apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas” (Exposição de motivos do CPP/41).
O nosso desenho institucional contempla especialidades de órgãos e agentes e divisão de tarefas: a atribuição de investigar e o policiamento ostensivo não são do Ministério Público (ainda que ambas as funções estejam inseridas naquilo que classificamos como atividades de persecução penal); referidas atribuições são, respectivamente, das polícias federal e civil (art. 144, I e IV, § 1º, I, II e I e § 4º, CF/88) e da polícia militar (art. 144, V, § 5º, CF/88), e essa divisão de tarefas faz bem ao aprimoramento das respectivas funções, ou seja, faz bem à eficiência da administração pública (princípio com previsão expressa no artigo 37, caput, da nossa Carta Marga); a especialização é uma realidade do nosso modelo social e econômico e não poderia ser diferente com o poder público.
Em outras palavras. Existem órgãos e pessoas especializadas em suas respectivas áreas de conhecimento tanto na iniciativa privada como na pública, por que deveria ser diferente com o Ministério Público?
O que se percebe, quase uma década depois do precedente que conferiu poderes investigativos ao Ministério Público, é que a sobreposição de atribuições entre polícia judiciária e Ministério Público veio em prejuízo da funcionalidade do Direito e da própria especialidade de cada órgão de persecução penal, o que nos leva a fazer coro aos pedidos para que a Suprema Corte reveja referido precedente.