Com a promulgação da CF/88, houve a priorização do federalismo liberal e o estado democrático de direito, pautados na segurança jurídica e na dignidade da pessoa humana. Nessa linha, essa lei maior deveria positivar para a sociedade brasileira direitos sociais, políticos, orçamentários, dentre outros, condizentes com a proposta previa da Assembleia Nacional Constituinte. Isto é, era necessário compatibilizar a simetria constitucional entre as normas de cunho federal, estadual e municipal para arrefecer incompatibilidades de competência entre si. Nas palavras de Sarlet (2005, p. 6):
“Considerando que também a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como sua realização, desde logo é perceptível o quanto a ideia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana”.
Em decorrência desta tratativa do federalismo e da autonomia dos entes políticos, fez-se necessário preestabelecer os limites de auto-organização dos Estados e municípios no tocante ao controle de constitucionalidade previsto na Lei Suprema. Nessa toada, sabe-se que o Brasil compactua com o sistema misto de constitucionalidade no qual há a prevalência do controle concentrado (austríaco), em detrimento do controle difuso (anglo-saxão). Destarte, especificamente em relação ao controle abstrato, é cediço que, tanto o TJs, quanto o STF podem julgar ADI - Ações Diretas de Inconstitucionalidades e ADC - Ações Diretas Constitucionalidades. Ou seja, faz-se mister a descortinação deste assunto, quando ocorrem simultaneidade de proposições e indagações sobre a possível competência para julgamentos (simultaneus processus).
Nessa linha de pensamento, com a deliberação positivada do federalismo, foi outorgado aos Estados brasileiros a auto-organização, com autonomia financeira, administrativa, normativa e política. Todavia, havia limites à simetria em xeque, uma vez que a CRFB/88 instituiu a exigibilidade de normas de extensão para com as Constituições Estaduais, arrefecendo a liberdade normativa. Trazendo para a problemática do controle concentrado ou abstrato estadual supramencionado, observou-se que poderia haver coexistências de ADIs, diante de leis estaduais idênticas tanto no TJ, quanto no STF, ocasionando uma crise constitucional de competência.
Diante de toda a contextualização constitucional, chega-se à seguinte conclusão: se houver uma dupla fiscalização de leis estaduais idênticas entre o TJ e STF e houver constatação da inconstitucionalidade por ADI pelo STF, a ADI estadual perde o objeto. Por outro lado, se a lei estadual for julgada constitucional pelo STF, ainda assim, o TJ poderá prosseguir com a ADI em relação a Constituição Estadual, com fundamentação diversa, desde que não seja norma de reprodução obrigatória.
Ademais, foi estabelecido pelo então ministro relator do STF Edson Fachin que, segundo a ADPF 190 de 29/9/16, “A coexistência de jurisdições constitucionais estaduais e federal, com propositura simultânea de ADI contra lei estadual perante o STF e o TJ, geram a suspensão do processo no âmbito da justiça estadual, até' a deliberação definitiva desta Corte”. Explicando melhor, em uma situação pontual de tramitações paralelas entre leis idênticas inconstitucionais no TJ e STF, devido a hierarquia e vinculação dos julgamentos do STF, a eficácia de inconstitucionalidade tem a abrangência erga omnes e ex tunc. Desse modo, há o resguardo da segurança jurídica, descrita na CRFB/88, além da vinculação aos precedentes do common law no controle concentrado, descritos no art. 927º do NCPC1.
Diante do exposto, é cediço que a supremacia de CRFB/88 traz à tona a necessidade de um controle concentrado pautado no federalismo distributivo e na compatibilização de competência entre os entes políticos. Todavia, em uma situação de “simultaneus process”, deve-se considerar a suspensão dos processos de ADI instituídos nos TJs estaduais, prevalecendo os julgamentos em ADI do STF (guardião da Constituição).
--------------------------
1 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
--------------------------
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo; os fundamentos constitucionais e a Constituição do novo modelo. São Paulo: Saraiva. 2010.
BARROSO, L. R. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro:exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6.ed. rev. e atual. –São Paulo: Saraiva, 2012.
BONAVIDES, P. Teoria Constitucional da democracia participativa. 2. ed. -São Paulo: Malheiros, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Coexistência de ADI no TJ e ADI no STF, sendo a ADI estadual julgada primeiro. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/fc1f073fe91403f0 0d2219185fdea79b. Acesso em: 11 maio 2023.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, 2023.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 22ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Código de Processo Civil Comentado –4.Ed. rev. atual. e ampl.-São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
MENDES, G.F.; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade. 3. ed. -São Paulo:Editora Saraiva, 2009
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
RIBEIRO SOBRINHO, Paulo Sérgio. Controle de constitucionalidade, questões estruturais e legitimidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI: 2820. Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 26/04/2006, Data de Publicação: DJ 03/05/2006 PP-00006.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2418/DF. Legitimidade das normas estabelecendo prazo de trinta dias para embargos à execução contra fazenda pública, (art. 1º-b da lei 9.494/97) e prazo prescricional de cinco anos para ações de indenização contra pessoas de direito público e prestadoras de serviços públicos (art. 1º-c da lei 9.494/97). Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12036655 . Acesso em: 14 mai.2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 650898/RS. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. Parâmetro de controle. Regime de subsídio. verba de representação, 13º salário e terço constitucional de férias. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13413775. Acesso em: 21 mai. 2019. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2021, vol. 13, n. 24, p. 100-124, jan.-jul.,2021. 123 A SEGURANÇA JURÍDICA NA SIMULTANEIDADE DE AÇÕES DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Petição nº 2.701 AgR/SP. Aplicabilidade da Lei nº 8.437/92, dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público. Controle concentrado de inconstitucionalidade. ADI contrária a Lei estadual perante o STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=369821. Acesso em: 21 mai. 2019. ZAVASCKI, T.A. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 4ª ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Data da submissão: 30/04/2020