O atual marco regulatório do contrato de arrendamento portuário foi instituído pela lei 12.815/13, que revogou a lei 8.630/93, e o define como a cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado. Por outro lado, ao definir concessão, a referida lei a conceitua como a cessão onerosa do porto organizado, com vistas à administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determinado1.
Percebe-se que a diferença entre os institutos é sutil e, por isso, o tema passou a ser objeto de debate na doutrina acerca da natureza jurídica do contrato de arrendamento portuário bem como suas semelhanças e diferenças entre com o contrato de concessão clássico, a partir deste intenso debate surgiram diferentes correntes na tentativa de encontrar uma definição mais precisa.
A primeira corrente defende que se trata de concessão de serviço público, enquanto uma segunda corrente afirma que, na realidade, consiste em concessão de uso de bem público ou de obra pública e, por último, uma terceira corrente, denominada “privatista”, entende que se trata do arrendamento, relacionado ao instituto do direito civil – art. 679 do CC – aplicado à Administração Pública, sob o regime do decreto lei 9.760/46.
A corrente privatista defende que o contrato de arrendamento portuário é expressamente previsto na legislação para a contratação pela Administração Pública. São os chamados contratos privados que podem ser firmados pela Administração sobre os bens de sua propriedade aplicando-se o regime de direito privado. Sustenta, ainda, que a característica principal da gestão privada no contrato de arrendamento decorre da análise dos direitos que são transferidos em tal operação, uma vez que se transferiria apenas o uso e o gozo da coisa, recebendo o arrendatário um consentimento para ocupar e explorar a coisa pública.
Nessa visão, o contrato de arrendamento se difere do contrato de concessão, no qual o concessionário atua como delegatária do Estado, pois recebeu poderes públicos para tal. Dessa forma pode-se constatar a diferença entre o contrato de arrendamento de instalações portuárias e a concessão de um porto organizado. O primeiro, possui um escopo mais restrito, limitando-se à exploração de determinada instalação portuária, enquanto a administração do porto organizado como um todo, incluindo a gestão dos contratos de arrendamento, fica a cargo da empresa concessionária.
Já a segunda corrente que caracteriza o contrato de arrendamento como uma concessão de serviço público, de forma diversa, entende que o fato de o contrato ser chamado “arrendamento” não o faz, automaticamente, se submeter ao regime do arrendamento previsto no CC. Tal corrente, representada por autores como Caio Tácito2 e Carlos Augusto3, entende que não possui relevância o nome do negócio jurídico, mas sim as relações jurídicas por ele estabelecidas. Ainda, argumentam que ao arrendar terminais portuários, é facultado ao arrendatário tornar-se operador portuário e executar funções típicas desses operadores, inclusive para terceiros, desde que não prejudiquem a prestação dos serviços regulares.
Uma terceira corrente, representada por Hely Lopes Meirelles, sustenta que o contrato de arrendamento de instalações portuárias possui natureza jurídica de contrato de concessão de uso de bem público, tendo em vista a impossibilidade da locação ou arrendamento no caso de bens públicos. Considera inadmissível que a Administração renuncie poderes irrenunciáveis que lhe são inerentes, colocando-se em igualdade com o particular, transferindo o uso e o gozo do bem ao particular, tal como se faz no regime privado de contratação.
Assim, também sustenta que o fato da lei referir-se à arrendamento não é o bastante para aplicar o instituto no Direito Público, pois em sua essência, nada mais é do que a concessão remunerada de uso dos bens do domínio público patrimonial, instituto, esse, perfeitamente conhecido e praticado pela Administração Pública.4
Ocorre que, com a nova lei dos portos, lei 12.815/13, e com o aumento da importância do particular na atividade por ele desempenhada, devido à maior complexidade dos serviços prestados nos portos, o contrato de arrendamento sofreu mutações. De fato, a nova lei dos portos não somente obriga investimentos mínimos na construção das instalações portuárias, mas também o alcance de metas de qualidade na execução da atividade e no atendimento aos usuários.
Além disso, de acordo com o seu art. 4º5, tanto a concessão quanto o arrendamento de bem público destinado à atividade portuária, só podem ser realizados mediante a celebração de contrato, precedido de licitação.
Dessa forma, autores como Alice Gonzales Borges6, defendem que o contrato de arrendamento, por ter se tornado mais complexo, passou a conjugar aspectos da concessão de uso de bem público e da concessão de serviço público. Nesse raciocínio, argumenta-se que o contrato de arrendamento assumiu uma nova forma contratual, atípica, híbrida e mista, diferenciado do que até então se praticava, encontrando-se dentro da sua estrutura, características de concessão remunerada de uso de bem público imóvel, concessão de serviço público e concessão de obra pública.
O contrato de arrendamento passa a ser caracterizado com um novo regime, uma subconcessão sui generis de serviço público, guardando traços da concessão de uso de bem público que estaria em sua origem. De acordo com este entendimento, caso o contrato de arrendamento fosse contrato regido pelo Direito Civil ou concessão de uso do bem público, a exploração dos serviços e a percepção dos seus frutos não seriam obrigação do particular e sim mera faculdade, o que não se aplica no contrato de arrendamento.
De fato, as exigências previstas em lei e nos contratos de arrendamento, de quantidades mínimas de movimentação de cargas na área arrendada e qualidade do serviço desempenhado pelo particular, extrapolam o mero zelo e uso eficiente do bem. Sem dúvida, no contrato existe efetiva preocupação e regulação da atividade a ser prestada pelo particular, o exercício da atividade portuária, portanto, não se constitui como mera liberalidade.
Nota-se, portanto, a dificuldade de limitar o contrato de arrendamento às regras da concessão de uso ou simples arrendamento, previsto no Direito Civil. Tendo em vista suas características específicas, não seria acertada uma definição de natureza jurídica que restringisse a sua própria essência.
Passadas as diferenças de entendimento doutrinário, é certo que o contrato de arrendamento portuário tem natureza administrativa e, portanto, é imprescindível que seja respeitado o seu prazo7, de modo a não perpetuar a relação jurídica da Administração Pública apenas com a empresa privada.
Como exemplo, o arrendamento de instalação portuária localizada dentro dos limites da área do porto organizado e destinada a uso público requer licitação prévia, podendo ser solicitada a abertura do processo à Administração do Porto, por qualquer interessado na construção e exploração da referida instalação. Dessa forma, o contrato de arrendamento correspondente será celebrado com o vencedor do processo licitatório.
Apesar da Administração do Porto ser responsável pela celebração do contrato de arrendamento portuário, a ANTAQ - Agência Nacional de Transporte Aquaviário, instituída pela lei 10.233/01, tem competência para participar nas concessões e arrendamentos do setor portuário.
É incumbência da referida Agência iniciar os processos de licitação e firmar os contratos em nome da União, além de gerenciá-los durante sua vigência. No que tange aos arrendamentos, a ANTAQ participa apenas na edição de normas sobre a matéria e na aprovação de programas gerais, enquanto a responsabilidade direta pela licitação e pelo contrato caberá à autoridade portuária, seja ela uma entidade administrativa ou uma concessionária privada.
Ademais, de acordo com o art. 51-A da lei 10.233/01, a Agência também tem competência expressa para supervisionar e fiscalizar as atividades “desenvolvidas pelas Administrações Portuárias nos Portos organizados”, isto é, tem o dever de acompanhar os atos da empresa concessionária e suas atividades que envolvem os arrendamentos realizados.
Além da função fiscalizatória da ANTAQ, o TCU também fiscaliza as etapas do contrato de arrendamento, pois possui competência constitucional e legal para tanto. A Corte de Contas analisa os respectivos estudos de viabilidade, o edital e a minuta de contrato até a sua execução.
A título de exemplo, um caso recente de atuação da Corte de Contas nas etapas de contratação no setor portuário, pode ser vislumbrado no Porto de Paranaguá, no Estado do Paraná. O TCU, após análise, aprovou dois arrendamentos no referido Porto, os quais envolvem investimentos estimados em milhões de reais e geração de novas vagas de emprego8.
Conclui-se, portanto, que o contrato de arrendamento é um contrato administrativo complexo, com diversas particularidades, não podendo ter a sua natureza jurídica limitada às regras de um contrato diverso. Deve-se, portanto, analisar tal instrumento à luz da sua finalidade, que tem como maior objetivo trazer mais eficiência na prestação dos serviços portuários.
Justamente por esse motivo, justifica-se a atividade fiscalizatória da ANTAQ e da Corte de Contas em suas etapas. De fato, por envolver empreendimentos complexos, com alto investimento, tanto para o particular como para a Administração, o controle e a transparência são fundamentais para o alcance de suas metas.
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1 Art. 2º, IX e XI, da Lei 12.815 de 2013.
2 Tácito, Caio. Direito Administrativo. Saraiva, São Paulo, 1975.
3 “Os Terminais Portuários Privativos na Lei nº 8.630/93”, in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, abril a junho de 2000, nº 220.
4 Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, 27 ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2002.
5 Lei nº 12.815/13, art. 4º A concessão de bem público destinado à exploração do porto organizado será realizada mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto nesta Lei e no seu regulamento.
6 Alice Gonzalez Borges. “Instalações Portuárias – Contrato de Arrendamento”, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Editora Renovar, outubro a dezembro de 1997, volume 210, pág. 337.
7 Decreto nº 8.033 de 2013. Art. 19. Os contratos de concessão e de arrendamento terão prazo determinado, prorrogável por sucessivas vezes, a critério do poder concedente, observados os seguintes limites: I - no caso de concessão de porto organizado, os contratos terão prazo de vigência de até setenta anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorrogações; e II - no caso de arrendamento de instalação portuária, os contratos terão prazo de vigência de até trinta e cinco anos, e poderão ser prorrogados até o máximo de setenta anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorrogações.
8 TCU autoriza o arrendamento de dois novos terminais portuários no Porto de Paranaguá — Ministério dos Transportes (www.gov.br). Acesso em 06.03.24