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Planejamento para o desenvolvimento empresarial e enfrentamento de crises no Agro

A importância do agronegócio no Brasil reflete-se no PIB, porém, a falta de planejamento sucessório e empresarial pode levar ao fechamento de 40% dos negócios até 2030. Essencial preparar sucessores e implementar estratégias para garantir a continuidade das atividades.

23/3/2024

O agronegócio é uma das atividades mais importantes da economia brasileira, representando aproximadamente 24,4% do PIB, conforme divulgado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA1. Contudo, de acordo com dados fornecidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, até o ano de 2030, cerca de 40% dos produtores rurais encerrarão suas atividades2. A estatística nos faz refletir os motivos pelos quais esse fenômeno ocorreria em pouco mais de 5 anos, considerando que vivemos em um país no qual a produção agropecuária é de grande relevância – tanto interna, quanto externamente.

Um dos fatores determinantes para essa preocupante estatística pode ser a ausência de planejamento patrimonial e sucessório das famílias do agronegócio, atividade tipicamente familiar, e a falta algumas das vezes de um controle empresarial efetivo. Sendo assim, os produtores rurais que desejam que seu negócio se perpetue ao longo de gerações devem atentar-se aos benefícios do planejamento, não apenas preparando seus sucessores para a vida no campo, mas também para a gestão dos negócios que podem envolver diversas e complexas estruturas econômicas, financeiras e jurídicas para obtenção de recursos/financiamentos, para regulação das relações contratuais entre os diversos atores do setor, para o escoamento da produção e até para a estruturação dos negócios em veículos jurídicos, como sociedades, fundos e assim por diante.

Portanto, para além da profissionalização voltada ao desenvolvimento dos cultivos e/ou criação de animais, também é necessário que exista uma difusão da cultura de gestão negocial, de modo a aprimorar internamente os conceitos básicos para a perpetuação do patrimônio. Nesse cenário, o planejamento patrimonial e sucessório e uma assessoria jurídica full service atenta às novidades legislativas, regulatórias e jurisprudenciais podem ser algumas das soluções para o desenvolvimento saudável e perpetuação do negócio.

Nesse sentido, estruturar a atividade rural por pessoa física com registro na Junta Comercial ou por meio de pessoas jurídicas podem ser importantes ferramentas para administração dos negócios familiares. A pessoa jurídica, ou holding,  é  um importante instrumento de gestão e sucessão do patrimônio  familiar, permitindo a implementação de regras da governança corporativa e familiar, cujos objetivos, dentre outros, são: a profissionalização  dos atos gerenciais; trazer clareza e transparência sobre os papéis de cada membro da família nos negócios; dissociar propriedade de gestão; diferenciar interesses pessoais e particulares dos interesses da empresa; segregar patrimônio, familiar e do patrimônio empresarial; definir instâncias de tomada de decisões; criar mecanismos de solução de impasses; mitigar possibilidade de conflitos familiares e assim por diante.

A assessoria jurídica em todos os ramos do direito e ter uma visão global de como atuar no agronegócio são necessárias, especialmente dadas as recentes novidades como a lei do agro, o Marco Legal das Garantias, a lei 14.112/20 que veio a alterar a Lei de Recuperação e Falência - LRF e as novas regras tributárias emanadas.

Diante de todos os desafios que a atividade no agronegócio impõe ainda que estejamos falando de empresas/empresários rurais devidamente estruturados, que possuem um sólido planejamento sucessório e, especialmente, atuam em grande escala nas exportações de commodities, há que se considerar o risco decorrente de operar em um ramo que é diretamente impactado por variações mercantis, socioeconômicas e, especialmente, climáticas.

Sendo assim, também é de extrema importância que, como todo empresário, além de uma estruturação financeira e sucessória para a sua operação, o operador da atividade rural também esteja preparado para as adversidades que a atividade impõe, as quais podem culminar na necessidade de restruturação de dívida com os principais credores, na obtenção de crédito no mercado pelos mais variados meios, na venda de ativos para geração de liquidez ou até mesmo em pedidos de recuperação judicial ou recuperação extrajudicial.

A forma como melhor endereçar a crise deve ser muito bem avaliada, não podendo o empresário em dificuldade econômico-financeira imaginar que utilizar da mudança trazida pela lei 14.122/20, por meio da inserção dos §§ 2º a 5º ao art. 48 na LRF, que, entre outros pontos, veio a permitir a utilização da recuperação judicial pelo produtor rural pessoa natural com registro na junta comercial é a única e melhor saída.

De fato, o produtor rural tem que ter em mente que, as alterações legislativas, em sua grande maioria, criaram hipóteses específicas de créditos não sujeitos à recuperação judicial (chamados também de créditos extraconcursais), no contexto do agronegócio, como: (i) créditos que não tenham decorram exclusivamente da atividade rural (art. 49, §6º, da LRF); (ii) crédito rural objeto de renegociação prévia (art. 49, §§ 7º e 8º, da LRF); (iii) créditos oriundos da aquisição de propriedades rurais nos 3 anos anteriores ao ajuizamento da recuperação judicial (art. 49, §9º, da LRF); (iv) créditos e garantias decorrentes de cédula de produto rural - CPR física com antecipação do preço ou representativas de operações de barter, (art. 11 da lei 8.929/94, conforme redação dada pela lei 14.112/20); (v) o patrimônio rural em afetação - PRA (art. 10, §4º, I, da lei do agro); e (vi) créditos decorrentes de atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados3 (art. 6º, §13, da LRF).

Ademais, na jurisprudência, começa a se desenvolver o entendimento de que nos créditos que não devem se submeter à recuperação judicial do produtor rural estão também as garantias por ele outorgadas em obrigações de terceiros. As garantias prestadas pelo produtor rural não se enquadram em obrigações que “decorram exclusivamente da atividade rural”, na forma exigida pelo §6º do art. 49 da LRF. Ainda que o produtor rural seja sócio de pessoa jurídica ruralista, a garantia que ele venha a prestar a esta não decorre de sua atuação como produtor rural, mas a partir de sua condição de pessoa natural sócio de empresa, atribuição essa que não possui relação com sua atividade rural. A não sujeição do crédito decorrente de fiança e aval prestados por produtor rural vem sendo confirmada pelo TJ/SP em recentes decisões, a saber: Agravo de Instrumento - AI 2239230-02.2021.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Privado, des. rel. Elói Estevão Troly, j. 21/4/22; AI 2128769-26.2022.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, des. rel. Álvaro Torres Júnior, j. 7/8/23; Embargos de Declaração Cível 2239188-50.2021.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, des. rel. Virgilio de Oliveira Junior, j. 9/2/22; AI 2234394-83.2021.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Helio Nogueira, j. 1/12/21.

Diante deste cenário legal e jurisprudencial, o recente expressivo aumento das recuperações judiciais no contexto do agronegócio, reportado pelo Serasa Experian, que atestou que o número de recuperações judiciais de produtores rurais pessoas naturais aumentou 300% em 2023 se comparado com os números do ano anterior4, deve ser visto com muita cautela, pois optar imediatamente pela recuperação judicial sem estudar as outras medidas disponíveis pode ser, em determinados casos, a pior decisão do empresário rural em crise. 

Como se vê das considerações acima, à medida que se impõe é a organização prévia da atividade empresarial familiar com os devidos aconselhamentos jurídicos e financeiros e com o devido planejamento sucessório, ainda enquanto se opera de maneira saudável, e, em caso de crise econômico-financeira, é relevantíssimo que se analise se efetivamente é o caso de se recorrer do instituto da recuperação judicial ou se a crise pode ser endereçada de outra forma mais efetiva.

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1 Disponível em: https://exame.com/agro/pib-do-agronegocio-avanca-no-trimestre-e-deve-ultrapassar-r-26-trilhoes-em-2023/

2 EMBRAPA. Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira. Brasília, DF: Embrapa, 2018. Disponível em: https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira. Acesso em: 28 set. 2021.

3 Muito embora essa não seja uma previsão específica para recuperações judiciais envolvendo o agronegócio, sua menção é relevante diante da importância das cooperativas agropecuárias para o setor. Sobre a importância das cooperativas para o agronegócio: PELLENZ, Fernando. A crise financeira da sociedade cooperativa e o instituto da liquidação extrajudicial previsto na Lei n. 5.764/71. In Direito do Agronegócio: teoria e prática. Rafael Molinari Rodrigues e Lucas Monteiro de Souza (coord). São Paulo: LTr, 2019. p. 61

4 Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/agronegocios/produtores-rurais-que-atuam-como-pessoas-fisicas-acumularam-80-pedidos-de-recuperacao-judicial-ate-o-3o-trimestre-de-2023-mostra-serasa-experian/, acessado em 12/02/2024.

Renata Oliveira
Sócia de Machado Meyer Advogados e especialista em reestruturação e recuperação de créditos e empresas, na prevenção e resolução de conflitos perante o Poder Judiciário, órgãos públicos e Centros de Arbitragem nacionais e internacionais.

André Ericsson
Especialista em disputas envolvendo direito civil, comercial, falimentar e bancário. Atua em demandas judiciais e acompanha ações de grande repercussão econômica ou empresarial. Advogado no Machado Meyer Advogados.

Flávia Gottardi Morelli
Advogada da área de Contencioso Cível do Machado Meyer Advogados.

Rafael Stuppiello
Advogado da área de Private Wealth do Machado Meyer Advogados.

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