1. Introdução
No cenário complexo das relações contratuais de locação de imóveis urbanos, a atuação das imobiliárias como intermediárias entre locadores e locatários desempenha um papel crucial na gestão e na execução dos contratos.
No entanto, é fundamental compreender a natureza dessa relação e os limites da responsabilidade das imobiliárias diante de eventuais litígios. Por essa razão, o presente artigo visa analisar a responsabilidade das imobiliárias no contexto do contrato de locação, explorando as nuances da relação de mandato estabelecida entre essas empresas e os proprietários dos imóveis, bem como os parâmetros legais e jurisprudenciais que delineiam sua responsabilidade civil.
Ao examinar os dispositivos legais pertinentes, como a lei 8.245/91 e os artigos do CC que regem o mandato, assim como decisões judiciais relevantes, será possível fornecer uma visão abrangente e esclarecedora sobre as obrigações e limitações das imobiliárias no âmbito das locações de imóveis urbanos.
2. A relação de mandato entre imobiliária e proprietário de imóveis
O vínculo existente entre a imobiliária, na condição de intermediadora do contrato de locação, e o proprietário do imóvel (locador) caracteriza-se como relação de mandato, regulamentada nos termos dos art. 653 a 681 do CC.
Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho1, mandato é um acordo no qual uma das partes (o mandatário ou outorgado) se compromete a realizar ações ou administrar os interesses da outra parte (o mandante ou outorgante). Este acordo é classificado como um contrato de serviço, pois o mandatário assume a obrigação de agir em nome do mandante, que se torna o credor das ações realizadas. Ao comprometer-se a executar ações específicas (conduta) ou gerenciar interesses (prestação de serviços), o mandatário está legalmente obrigado a cumprir essas tarefas. O documento que formaliza o mandato, seja oral ou escrito, é conhecido como procuração, e é por isso que o mandatário também é chamado de procurador.
O propósito do mandato é conectar o mandante a terceiros por meio das ações executadas pelo mandatário. Quando o procurador expressa a vontade do mandante, é o próprio mandante quem está de fato se manifestando. O procurador simplesmente age como seu porta-voz. Portanto, no negócio jurídico conduzido pelo mandatário, o mandante é quem contrai as obrigações e adquire os direitos como se tivesse, pessoalmente, tomado parte do negócio que o procurador realizou2.
Paralelamente, cabe esclarecer que a regra geral sobre a responsabilidade civil se encontra no art. 927 do CC, que assim dispõe:
Art. 927 — Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Resulta da leitura do artigo supracitado e, especialmente, da ressalva constante de seu parágrafo único, que o legislador pátrio optou pela teoria da responsabilidade subjetiva, o que significa que, em princípio, a responsabilização do agente decorre da demonstração da prática de ato ilícito, da culpa ou dolo do agente, e da existência de prejuízo para a vítima. Estando ausente qualquer um dos três elementos, não se caracterizará a responsabilidade do agente.
Mais especificamente, em relação ao mandato – relação estabelecida entre a imobiliária e o proprietário do imóvel, o art. 667, do CC, dispõe que “o mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente”.
Nota-se que segundo o artigo supra, a responsabilidade do mandatário e, portanto, da imobiliária, exige a comprovação da culpa. Vale dizer, é necessário demonstrar a administração do contrato com negligência ou imprudência.
Sobre o tema, já se manifestaram os Tribunais do Estado do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, a saber:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM QUE SE PRETENDE SANAR PREJUÍZOS DECORRENTES DE INFILTRAÇÕES. DEMANDA PROPOSTA EM FACE DO CONDOMÍNIO E DA IMOBILIÁRIA NA ADMINISTRAÇÃO DA LOCAÇÃO DO IMÓVEL. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO NO SENTIDO DE QUE A INFILTRAÇÃO FOI PROVENIENTE DA UNIDADE SUPERIOR E QUE TERIA CESSADO, RESTANDO APENAS O REPARO ESTÉTICO DO IMÓVEL DO AUTOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO AOS DEMANDADOS. INCONFORMISMO DO DEMANDANTE. DESCABIMENTO. 1- Com efeito, a responsabilidade civil baseada no art. 186 e 927 do CC pressupõe a demonstração dos requisitos legais: ação ou omissão voluntária ou culposa, ilicitude, nexo de causalidade e dano. 2- No caso, o laudo pericial é conclusivo no sentido de que a infiltração que atingiu o imóvel do autor (137) provinha da unidade 138. Logo, como o condomínio em nada contribuiu o resultado descrito na inicial, impõe-se a confirmação da improcedência do pedido. 1- Em relação à imobiliária, como bem pontuou a sentença, não há nenhum elemento de prova capaz de amparar a alegação de que dentre as obrigações assumidas por ela, além da administração da locação do imóvel, estava incluído o dever de manutenção ou conservação do imóvel. 2- Vale lembrar que, conforme dispõe o art. 116 do CC, "A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado". Dessa forma, os poderes de representação deveriam ser provados documentalmente, mas disso não se desincumbiu o autor (art. 373, I do CPC). 3- Fato é que os reparos foram feitos, certamente, pelo proprietário do imóvel, o qual não é parte nesta demanda. Logo, em face dele deverão ser cobrados eventuais danos materiais e morais derivados e remanescentes das infiltrações comprovadas nos autos, tendo em mira que não há nexo causal entre os prejuízos descritos pelo autor, ora apelante, e a conduta da administradora, muito menos em relação ao condomínio. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJ-RJ - APL: 00315938220188190205, relator: des(a). MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA, Data de Julgamento: 12/4/22, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/4/22)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. CONTRATO. LOCAÇÃO. RESPONSABILIDADE. IMOBILIÁRIA INTERMEDIADORA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO. RELAÇÃO DE MANDATO. RESPONSABILIDADE MEDIANTE PROVA DA NEGLIGÊNCIA OU IMPRUDÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Em vias gerais, o vínculo existente entre a imobiliária, enquanto terceira intermediadora do contrato de locação, e o proprietário do imóvel caracteriza-se como relação de mandato, regulamentada pelos art. 653 a 681 do CC. 2. Segundo o art. 667 do CC a responsabilidade da imobiliária exige a comprovação da culpa. Vale dizer, é necessário demonstrar a administração do contrato com negligência ou imprudência. 2.1 A responsabilidade solidária por qualquer dano ou dívida deixados pelo locatário pode ser acertada entre o proprietário do imóvel e a imobiliária por cláusula contratual. Entretanto, caso nada seja acordado nesse sentido, a imobiliária, na condição de mandatária, responde apenas pelos danos decorrentes da desídia em relação à diligência habitual na execução do contrato. 3. Não há responsabilidade da imobiliária pela depredação do imóvel, se no momento da assinatura do contrato de locação tomou todos os cuidados necessários para averiguar a idoneidade do locador e não existe qualquer indício de relação entre sua atuação e os prejuízos apontados. 4. Fica caracterizada a desídia da imobiliária se o proprietário expressou sua vontade de reaver a posse do bem e a empresa não traz provas da diligência em desocupar o imóvel. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença parcialmente reformada. (TJ/DF 07251125720208070001 DF 0725112-57.2020.8.07.0001, relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 15/04/2021, 8ª turma cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 28/4/21. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Portanto, não restando demonstrada a negligência ou imprudência do mandatário e/ou da imobiliária e, por consequência, um ato culposo, não há que se falar na sua responsabilidade civil.
Destaca-se, ainda, que a lei 8.245/91, que regula as locações de imóveis urbanos, não concede às empresas administradoras de imóveis o poder de substituir o locador como parte demandada em questões relacionadas ao contrato de aluguel. As administradoras de imóveis funcionam apenas como representantes dos locadores e não devem ser confundidas com os proprietários, uma vez que agem unicamente em nome de terceiros na relação contratual de locação. Como a administradora não detém a titularidade do direito discutido em juízo, mas atua apenas como gestora do imóvel, carece de legitimidade para ser incluída no polo passivo de uma demanda judicial envolvendo o locador e o locatário.
Sobre o tema, Nelson Nery Junior3 ensina que “a representação processual é a relação jurídica pela qual o representante age em nome e por conta do representado. Seus atos aproveitam apenas ao representado, beneficiando-o ou prejudicando-o. O representante não é parte no processo”.
Os julgados do E. TJ/DFT de maneira consolidada arrematam a matéria, quando dispõem:
PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ALUGUEL. RESCISÃO. ADMINISTRADORA. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ACOLHIMENTO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 485, VI, CPC. 1. A lei 8.245/91, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos, não confere às administradoras de imóveis legitimidade para substituir o locador no polo passivo das demandas que versem sobre o contrato de aluguel. 2. As administradoras de imóveis são meras mandatárias dos locadores, não podendo ser confundidas com os proprietários, uma vez que atuam na relação contratual locatícia apenas representando interesses alheios. 3. Uma vez que a administradora não é titular do direito material deduzido em juízo, pois atua apenas como mera gestora do imóvel, não possui pertinência subjetiva para figurar no polo passivo da lide. 4. Preliminar de ilegitimidade passiva acolhida. Sentença desconstituída. (TJ/DF 07039745120228070005 1678195, relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Data de Julgamento: 16/3/23, 3ª turma cível, Data de Publicação: 30/3/23)
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ADMINISTRADORA DO IMÓVEL. EXTINÇÃO DO FEITO. SENTENÇA MANTIDA. 1.O contrato de administração de imóveis tem lugar quando o proprietário, mediante mandato ou autorização, outorga a outrem a gestão de imóveis ou a direção de negócios relativos a seus interesses imobiliários, mediante contraprestação em dinheiro. 2.Considerando que a legislação civil estabelece que a imobiliária, ao celebrar contrato de locação, fazendo executar cláusulas contratuais, não age por vontade própria, mas em nome do locador, nos termos do art. 663 do CC, aquela é parte ilegítima para constar no polo passivo de ação de rescisão de contrato de aluguel. 3.A jurisprudência do colendo STJ firmou entendimento no sentido de que a "administradora de Imóveis, por ser mera mandatária do locador do imóvel, não possui legitimidade processual para figurar no polo passivo de eventual ação judicial que tenha por fundamento o contrato de locação. Isso porque não se pode confundir o proprietário do imóvel com quem o representa, ou seja, com seu mandatário, tendo em vista que este, ao celebrar o contrato de locação, não o fez em nome próprio, mas em nome de seu mandante, o locador" (REsp 664654/RJ. relator: ministro Arnaldo Esteves, DJ 9/10/06 p. 344) 4. Recurso conhecido e improvido. (TJ/DF 07003032320188070017 DF 0700303-23.2018.8.07.0017, relator: GISLENE PINHEIRO, Data de Julgamento: 12/06/2019, 7ª turma cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 14/6/19. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Assim, considerando a qualidade de mandatárias das empresas administradoras de imóveis, somente haverá responsabilidade civil nos casos em que for demonstrada a execução do contrato de mandato de forma negligente e imprudente, carecendo ainda de legitimidade para serem incluídas no polo passivo de uma demanda judicial envolvendo o locador e o locatário do imóvel administrado.
3. Conclusão
Em suma, a relação entre a imobiliária e o proprietário do imóvel se configura como um mandato, conforme estipulado pelos art. 653 a 681 do CC. Nesse contexto, a imobiliária atua em nome do proprietário na gestão do contrato de locação, sendo responsável por seus atos apenas mediante comprovação de negligência ou imprudência, conforme estabelecido pelo art. 667 do CC.
Os tribunais têm reiteradamente decidido que a imobiliária não pode ser responsabilizada sem a demonstração desses elementos de culpa, uma vez que age em representação do locador e não possui titularidade sobre os direitos discutidos em juízo. A lei 8.245/91 também não confere às administradoras de imóveis legitimidade para figurar no polo passivo das demandas relacionadas ao contrato de aluguel, uma vez que atuam como meras representantes dos locadores, sem poder de substituí-los.
Portanto, a responsabilidade civil da imobiliária está condicionada à comprovação de culpa em sua atuação, e sua inclusão como parte demandada em litígios sobre locação só é cabível se demonstrada a negligência ou imprudência na administração do contrato.
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1 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito civil [livro eletrônico]. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.p. RB-34.10.
2 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito civil [livro eletrônico]. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.p. RB-34.11.
3 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.003. p. 359.
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BRASIL. LEI No 8.245, DE 18 DE OUTUBRO DE 1991. Brasília, 1991.
BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Brasília, 2002.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação nº 00315938220188190205. Relator: Des(a). Myriam Medeiros Da Fonseca Costa. Data de Julgamento: 12/04/2022.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação nº 0725112-57.2020.8.07.0001. Relator: Eustáquio De Castro. Data de Julgamento: 15/04/2021.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação nº 07039745120228070005. Relator: Maria De Lourdes Abreu. Data de Julgamento: 16/03/2023.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação nº 0700303-23.2018.8.07.0017. Relator: Gislene Pinheiro. Data de Julgamento: 12/06/2019.
COELHO, Fábio Ulhoa. Direito civil [livro eletrônico]. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.003.