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A necessidade de combate contra as fake news divulgadas pelo INSS ao longo do julgamento da revisão da vida toda

Julgamento da "revisão da vida toda" pelo STF gera expectativa, mas maioria dos aposentados não se beneficiaria significativamente.

18/3/2024

O título deste artigo é sugestivo, porém acertado. No dia 20/3/24, teremos mais um capítulo do julgamento da revisão da vida toda, que foi chamada, pelo próprio INSS, de “a revisão que vai quebrar o INSS”. Essa foi a primeira das mentiras contadas pelo INSS e não podemos deixar que uma mentira, contada várias vezes, se torne uma verdade. 

Milhares de aposentados seguem confiantes de que o Supremo Tribunal Federal manterá o mérito da decisão do RE 1.276.977 e continuará reconhecendo o direito dos segurados a incluir os salários de contribuição anteriores a julho/94 no cálculo de seus benefícios previdenciários. Contudo, esses aposentados são uma exceção, uma minoria, não constituindo número suficiente para quebrar qualquer cofre, como alega o INSS. 

A inclusão das contribuições no cálculo do benefício somente acontecerá caso o resultado do novo cálculo seja mais vantajoso ao aposentado e resulte no aumento de sua aposentadoria. Fato é que, na maior parte das vezes, isso não ocorre, haja visto que a revisão da vida toda é uma ação de exceção, na qual apenas uma pequena parte dos segurados do INSS realmente seria beneficiada. 

Além disso, não basta ter direito à revisão, o segurado também precisa se atentar ao prazo decadencial, que estabelece o limite de dez anos para a propositura de pedidos revisionais, contados a partir da data de início da aposentadoria. Passados os dez anos, o segurado que, em tese, teria o direito, não poderá pleiteá-lo judicialmente.

O voto de autoria do ministro Nunes Marques reafirma o fato de que estamos tratando de uma revisão de exceção. Vejamos:

"excepcionalmente, aqui e ali, haverá um trabalhador que teve altos salários e depois caiu no fim da carreira. Mas isso é raro. O normal é que o trabalhador tenha maiores remunerações quando está mais velho e com mais tempo de serviço".

No mesmo sentido do voto do Ministro, foram juntados no processo estudos técnicos formulados por instituições sérias e coerentes, tais como Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP e Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários - IEPREV, que demonstram de forma exemplar que o impacto é de fato muito menor do que aquele apontado pelo INSS em suas notas técnicas, que, vale ressaltar, nem sequer foram juntadas aos autos.

Há muitos anos, os romanos já afirmavam que “Quod non est in actis non est in mundo”, o que traduzindo para o juridiquês quer dizer que  “o que não está nos autos não existe”. Esse lema tem orientado, há séculos, os sistemas judiciais das democracias, nas quais impera o Estado de Direito. Portanto, somente os fatos discutidos e provas fundamentadas podem servir de base para a aplicação da lei e a condução do devido processo legal.

Se o que não está nos autos não existe e o que não existe não pode influenciar a aplicação da norma, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: Por que o INSS não junta, nos autos do Tema 1.102 do STF, suas notas técnicas, comprovando que a revisão da vida toda de fato quebraria os cofres públicos?

A título de curiosidade, além da revisão da vida toda temos outro tema que tem exigido muito esforço do STF e, também, do Governo Federal. Recentemente, muito se falou sobre o combate às fake news, conceituadas como histórias falsas, travestidas de notícias jornalísticas, transmitidas pela internet ou outros veículos de comunicação, com intuito de influenciar posições políticas. Obviamente, essa disseminação de conteúdos falsos ocorre com o intuito de obter algum tipo de vantagem, seja financeira, política ou eleitoral.

Nessa esteira, o próprio STF elaborou acertadamente o chamado “programa de combate à desinformação” (PCD – STF), pelo qual pretende combater a desinformação e fenômenos a ela associados, como discursos de ódio e assédio às instituições. Ainda, o próprio Congresso Nacional e Câmara dos Deputados  cumprem seus papéis na luta contra a desinformação e, muito em breve, deverão deliberar sobre a PL 2.630, chamada de lei das fake news.

No entanto, mesmo com todos os esforços dos mais altos órgãos da esfera judicial e legislativa, o INSS insiste em divulgar, de forma inconsequente e sem qualquer comprovação técnica, a falsa notícia de que a revisão terá o custo de R$ 46,4 bilhões aos cofres públicos. Para piorar a situação, a grande mídia, que ao lado das instituições tem papel fundamental no combate às fake news, tem estampado esse número falacioso na capa de seus jornais e sites. 

Ora, para que tanto esforço para preservar a qualidade de informações que são ofertadas à sociedade brasileira, sendo que o próprio INSS – órgão autárquico da administração pública, age de forma contraditória promovendo terror financeiro, assediando instituições e manipulando a opinião pública?

Claro que governo nenhum quer ser o responsável pelas violações à legislação e imprudências financeiras cometidas por seus órgãos gerenciais. Contudo, se eximir dessa responsabilidade a qualquer custo não é a resposta para o problema. Evidentemente, não vale a pena, para eles, sacrificar a credibilidade das instituições e demonstrar para a sociedade de forma escancarada a impunibilidade do INSS.

Não podemos esquecer que o STF tem punido de forma exemplar os propagadores de fake news, deixando claro que manterá a ordem na Casa e que não há tolerância para a disseminação de informações falsas e atos que atentem contra as instituições democráticas.

Essa mesma postura acertada também deveria se aplicar no caso das fake news que rodeiam o julgamento do tema 1102, que, por sua vez, são propagadas pelo INSS com objetivo de ludibriar os julgadores e influenciar nos resultados que serão obtidos na próxima semana.

A estratégia adotada pela AGU é desprovida de qualquer tipo de moralidade, viola os princípios básicos do processo civil e deixa claro que o Governo Federal e suas instituições têm apreço pela mentira. Mas claro que apenas quando ela é contada em seu favor.

De um lado, temos toda a máquina pública que se aproveita de suas vantagens desleais e, aparentemente, da sua impunibilidade para criar uma cortina de fumaça e desviar a atenção dos ministros do Supremo para números falsos disseminados. Do outro lado, temos os aposentados que clamam por justiça social, pela justa reparação dos prejuízos financeiros que lhes foram causados e pelo fim dessa novela de uma vez por todas.

Há um desequilíbrio muito grande entre os envolvidos, portanto, cabe ao STF equilibrar a balança da justiça, combatendo efetivamente as desinformações  disseminadas pelo INSS e reconhecer, mais uma vez, o direito dos aposentados à revisão de suas aposentadorias.

Vale sempre lembrar que, toda a população acompanha atentamente os episódios finais dessa novela que tem data para acabar e, confiantes, esperam que o STF se mantenha intolerante aos falsos discursos e aos assédios que tem sofrido por parte do INSS e confirme os avanços sociais que já reconheceu quando reconheceu o direito dos aposentados à revisão da vida toda. 

Gabriel Oliveira Almeida
Advogado, especializado em direito previdenciário, sócio do escritório Marcos André Advocacia Previdenciária.

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