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Da breve classificação do negócio jurídico

Fatos podem ser jurídicos ou irrelevantes. Fabio Ulhoa Coelho destaca que o fato jurídico, como descrito em norma, é a base para consequências legais. Alguns eventos, como caminhar na praia, são juridicamente irrelevantes.

8/3/2024

Os fatos, em verdade, são a base motivadora de eventos que podem ser jurígenos, isto é, com relevância ao direito, ou não, quer dizer, irrelevantes juridicamente. 

Fabio Ulhoa Coelho, com o seu viés empresarial no Direto Civil, auxilia no que seria fato jurídico, eis que:

“O fato descrito em norma jurídica como pressuposto da consequência por ela imputada é chamado de fato jurídico. Matar alguém, praticar negócio jurídico com dolo, o possuidor de boa-fé introduzir benfeitorias úteis na coisa e a violação culposa de direitos são exemplos de fatos jurídicos. Note-se que nem todos os fatos têm relevância para o direito. Os eventos são inócuos, sob o ponto de vista jurídico, quando não desencadeiam nenhuma consequência. Se alguém caminha pela praia numa bela manhã de sol, isto é um fato que, em princípio, nada tem de jurídico.” 1

Assim, sem maiores delongas, é perfeitamente possível classificar o fato da seguinte forma:

Por óbvio, os fatos naturais (aqueles de origem não humana) têm relevo ao direito, seja na passagem de um dia (lapso necessário a que o agente adquira a maioridade ou, quiçá, o último dia de um prazo judicial), seja em eventos não previsíveis (tempestade e/ou nevasca que causa atraso em voo, maxidesvalorização cambial, entre outros exemplos). 

Os fatos que são originários de ação humana são denominados atos jurídicos, sendo subdivididos em ilícitos e lícitos. Vale o registro, importante principalmente ao estudante de graduação, que, no Direito Civil, ato ilícito não é aquele tipificado no código penal, mas sim todo e qualquer descumprimento à norma e ao pactuado. Assim, um descumprimento contratual é um ilícito, da mesma forma que é apropriar-se de bem móvel que tenha proprietário (definido ou não).

Mais uma vez, Fabio Ulhoa Coelho presta os necessários esclarecimentos:

“Os fatos podem ser condutas humanas, ou não. O caminhar de namorados pela praia e chover são eventos verificados na realidade, mas só o primeiro é ação de seres humanos. De modo algo similar, os fatos jurídicos também podem ser condutas de sujeitos de direito, ou não. Celebrar contrato (isto é, emitir declarações de vontade convergentes) é fato jurídico que representa necessariamente uma ação de pessoas. Completar 18 anos, ao contrário, é fato jurídico que impede de qualquer conduta imputável a um sujeito de direito. Basta o planeta Terra percorrer sua trajetória em torno do sol dezoito vezes depois do nascimento de alguém para que essa pessoa passe a ser considerada capaz pelo direito. Esse fato jurídico caracteriza-se sem que qualquer sujeito – incluindo o aniversariante – tenha de fazer ou deixar de fazer qualquer coisa.”2

Insta ainda demonstrar que os atos jurídicos, ou melhor, os fatos jurígenos causados pela ação humana lícita podem ser registrados como ato jurídico e negócio jurídico. Poder-se-ia utilizar todo o espaço do presente trabalho para efetuar a distinção entre os institutos, mas, para fins objetivos (e por característica do autor), convém diferenciá-los acerca de seus efeitos.

O ato jurídico tem, por força da norma, efeitos cogentes obrigatórios. Logo, ao realizar o ato, se há a previsão da consequência, sem qualquer ingerência ou modulação pelo agente, trata-se de um ato jurídico. Em oposição, se é possível controlar os efeitos da ação, verifica-se um negócio jurídico3.

Assim, a renúncia à propriedade ou o reconhecimento de um filho são atos jurídicos em sentido estrito, eis que o efeitos estão claramente previstos na norma (no primeiro caso, o bem se tornará res nullius; enquanto que no segundo, não há como reconhecer a paternidade e impedir a utilização do nome ou se excluir de pagar alimentos). 

Sobre os negócios jurídicos, cujos efeitos jurídicos podem ser mitigados e controlados, sempre haverá a suscitação de vontade, com ao menos um declarante expressando o seu querer4 motivador do pacto. Logo, convém apresentar a principal classificação dos negócios jurídicos, relativa ao número de manifestações de vontade expressadas:

 

Há, ainda, outra relevante classificação de negócios jurídicos acerca do cunho retributivo, isto é:

Vê-se, assim, que a despeito do número de manifestações de vontades, os negócios jurídicos também podem ser classificados a partir da existência, ou não, de contraprestação. Tem-se, dessa forma, gratuidade quando houver um agir do contratante, sem qualquer tipo de contrapartida, o que pode se verificar no negócio bilateral simples e no unilateral (receptício ou não-receptício).

Já no negócio oneroso, não se exige eventual proporção nas parcelas, mas sim é imperioso que exista o sinalagma, ou melhor, a presença de reciprocidade de condutas, com prestação de uma parte e contraprestação de outra.

Divide-se, portanto, a onerosidade em duas, criando critérios sobre a previsibilidade da contraprestação: se há certeza quanto o que será pago em retribuição, a figura é da comutatividade; se há variabilidade envolvida na contraprestação, existirá aleatoriedade.

Convém, ainda, o registro de que os negócios jurídicos podem ser neutros ou bifrontes. No primeiro caso (neutro), é irrelevante o viés contraprestacional para caracterizar o negócio, como se pode depreender, de forma exemplificativa, do casamento e da instituição de cláusula de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.

No caso do bifronte, a presença, ou não, de onerosidade deve ser dirimida e analisada no caso concreto, por ser possível que um negócio jurídico, seja ou oneroso ou gratuito, tal como o mandato e o depósito, por exemplo.

Pois bem, é fato que a manifestação de vontade pode ser aduzida pela parte, pessoalmente, ou pode ser, por vezes, suscitada através de um representante (legal, orgânico5 ou voluntário). Assim, graficamente, tem-se um negócio jurídico de A (representado), devidamente representado por b (representante), celebrado com C (declaratário da manifestação de vontade de A), demonstrado da seguinte forma:

A presunção relativa existente na normatização, fundamental para a juridicidade das modalidades de representação, considera que a manifestação de vontade, necessária aos negócios jurídicos (sejam os unilaterais ou bilaterais) e aduzida, materialmente, pelo representante, demonstra o próprio desejo do representado, nos limites dos poderes outorgados.

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1 COELHO, Fabio Ulhoa – Curso de Direito Civil Parte Geral – Vol. 1. 8a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pag. 286.

2 COELHO, Fabio Ulhoa – Curso de Direito Civil Parte Geral – Vol. 1. 8a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pag. 287.

3 Há, ainda, a figura do ato-fato jurídico que, em suma, analisa a consequência do ato, não o agente que o realizou. Ainda que não haja ensejo para maiores debates, convém destacar a lição de Carlos Roberto Gonçalves: “Essas ações são denominadas pela doutrina atos-fatos jurídicos, expressão divulgada no Brasil por Pontes de Miranda. No ato-fato jurídico ressalta-se a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a vontade de praticá-lo. Assim, por exemplo, não se considera nula a compra de um doce ou sorvete feita por criança de sete ou oito anos de idade, malgrado não tenha ela capacidade para emitir a vontade qualificada que se exige nos contratos de compra e venda. Em se tratando de ato dotado de ampla aceitação social, deve ser enquadrado na noção de ato-fato jurídico.”GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil. Brasileiro vol. 1 – Parte Geral. 6a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, pag. 305 

4 Aquele que manifesta a sua vontade é denominado declarante; em contrapartida, aquele que a recebe, é tido como declaratário.

5 É curioso que na a legislação portuguesa, como se depreende dos artigos 38 e 39, do Código Civil Português, optou por distinguir a representação voluntária, decorrente de negócio jurídico prévio, celebrado entre representante e representado, da representação orgânica, que é aquela que define que haverá um órgão com atribuição de representar uma pessoa colectiva. No Brasil, infelizmente, não há a referida distinção, sendo que a normatização trata todos os fenômenos de igual forma. Pontes de Miranda, já em 1973, criticava a opção legislativa da não distinção, assinalando que a representação (voluntária ou legal) seria distinta da presentação, figura similar à representação orgânica lusitana. Segue o ensinamento do nobre doutrinador alagoano:

“Órgão e Presentação – Conforme temos sempre frisado, chamando atenção para as graves confusões que aparecem em leis e em livros, indiferentes à terminologia indispensável à expressão das leis e às exposições do direito, onde há órgão não há representação, nem procuração, nem mandato, nem qualquer outra outorga de poderes. o órgão é parte do ser, como acontece às entidades jurídicas, ao próprio homem e as animais. Coração é órgão, fígado é órgão, olhos são órgãos; o Presidente da República é órgão; o Governador de Estado-membro e o Prefeito são órgãos. Quando uma entidade social, que se constitui, diz qual pessoa que por ela figura nos negócios jurídicos e nas atividades com a Justiça, aponta-a como o seu órgão, que pode presentá-la (isto é, estar presente para dar presença à entidade de que é órgão) e, conforme a lei ou os estatutos, outorgar poderes a outrem, que então representa a entidade.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti – Comentários ao Código de Processo Civil – Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1973, pags. 318/319.

Pedro Linhares Della Nina
Advogado e Professor da Universidade Candido Mendes/RJ, mestre em Ciências Jurídicas pelo UAL-Lisboa, pós-graduado em Direito Empresarial e em Litigation, ambos pela FGV-Rio de Janeiro.

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