Neste breve ensaio iremos expor e discutir sobre o PL 3.453/21. Ele intenta alterar tanto a lei 8.038/90 (art. 41-A, caput e parágrafo único) quanto o Código de Processo Penal (art. 615, §1º). Houve aprovação na Câmara dos Deputados de determinada redação (relator deputado Elmar Nascimento), mas ao chegar no Senado Federal fora aprovada uma emenda, a qual foi proposta pelo senador Sergio Moro (e outros). Contudo, tal emenda restou rechaçada pela Câmara dos Deputados, indo para sanção do Presidente da República a redação original aprovada inicialmente por esta casa.
Nos limitaremos nos dispositivos que expressam questões sobre empate de julgamento em órgãos colegiados. No entanto, antes faremos uma exposição sobre a não culpabilidade (ou presunção de inocência) e seus corolários (art. 5º, LVII, da CR/88).
A presunção de inocência (ou não culpabilidade), como pode ser visto acima, está expressa na CR/88. Esse postulado dirige-se sobretudo ao Estado quando da condução da persecução penal, isto é, trata-se de garantias a serem tuteladas e garantidas pelo Estado ao suspeito, investigado, denunciado ou acusado. A Convenção Americana de Direitos Humanos também tem previsão de tal postulado (art. 8.2). Cabe observar que nossa CR/88 proclama um algo a mais em relação ao que prevê a Convenção Americana, uma vez que fala em trânsito em julgado. Significa que, para uma pessoa ser declarada culpada, deve haver uma decisão na qual não cabe mais recurso, ou seja, esgotou-se o procedimento judicial.
O postulado em análise se desdobra em regra probatória (ou de juízo) e regra de tratamento. Na primeira, cabe ao órgão acusador, exclusivamente, comprovar a culpabilidade do acusado, jamais a este provar sua inocência. Portanto, a acusação deve apresentar elementos investigativos suficientes para promover a ação penal, de modo que o processo possa ser aceito pelo órgão julgador. Ato contínuo, deve provar tais elementos sobre o crivo do contraditório e ampla (justo processo), afastando qualquer dúvida razoável que recaia sobre fato relevante do acertamento do caso. Aqui tem morada o in dubio pro reo, recaindo diretamente ao julgador efetivá-lo, pois que a dúvida deve ser sopesada a favor do acusado. Se o Estado, com todo o seu aparato institucional, material e humano não logrou êxito em afastar a dúvida, resta evidente que a única medida a ser tomada, justa e razoável, é a absolvição. Paulo Carvalho Ribeiro, ao dissertar sobre o in dubio pro reo, nos ensina que:
O in dubio pro reo não é, portanto, uma simples regra de apreciação das provas. Na verdade, deve ser utilizado no momento da sua valoração: na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, pois este não tem a obrigação de provar que não praticou o delito. Antes, cabe à parte acusadora afastar a presunção de inocência que recai sobre o imputado, provando além de uma dúvida razoável que praticou a conduta delituosa que lhe é atribuída.
A regra de tratamento impõe ao Estado e a sociedade ter trato condizente com o status de suspeito, indiciado, investigado ou acusado, qual seja, de inocente, presumível inocente. Então, jamais deve ser tratado como se culpado fosse qualquer indivíduo que se encontre em uma das situações mencionadas. Isso inibe decretação de prisão abusiva e autoritária, como forma de antecipação da pena, ou outro direito fundamental, bem como a preservação das garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade, rechaçando-se exploração midiática do fato e do processo penal, conforme nos ensina o mestre Aury Lopes Jr.
Retornando ao PL 3.453/21, que visa alterar a lei que estabelece as normas procedimentais perante o STF e o STJ (lei 8.038/90) e o CPP. Primeiro, as decisões dos Tribunais continuam sendo tomadas por maioria de votos. Segundo, e aqui está a inovação, em caso de empate, tanto em matéria penal quanto processual penal, se beneficiará o acusado imediatamente, ou seja, prevalecerá a decisão mais favorável ao imputado, ainda que haja vaga aberta a ser preenchida, ou impedimento, ou suspeição. Portanto, o julgamento tenha se realizado sem a totalidade dos membros do órgão colegiado. Clara observância da regra do in dubio pro reo. Até o momento (o PL em apreço ainda não se tornou efetivamente lei) somente os julgamentos em habeas corpus e recurso em habeas corpus, nas leis e nos regimentos internos (lei, 8.038/90, art. 41, parágrafo único; CPP, art. 615, §1º; e 664, parágrafo único, ainda falam em aguardar o voto do presidente do colegiado, caso não tenha proferido, no contrário prevalece a decisão mais favorável ao acuado; RISTF, art. 146, parágrafo único; RISTJ, art. 181, §4º) são proclamadas a decisão mais favorável ao acusado. O PL em destaque estende tal regra para todos os processos criminais.
O Senado Federal aprovou uma emenda, segundo a qual na ausência de algum integrante do órgão colegiado, em havendo empate, suspender-se-à o julgamento para a oportuna tomada do voto de desempate, de modo que se aplique inclusive para os casos de impedimento ou suspeição. Mantendo-se a lacuna para além de três meses, convocar-se-à o substituto legal, nos termos do regimento interno competente, para a lei 8.038/90. Já para o CPP, havendo empate no julgamento, deve ser colhido o voto do presidente do colegiado, caso ainda não tenha tomada parte na votação. Se sim, convoca-se outro magistrado para proferir voto desempate, nos termos do regimento interno do respectivo tribunal.
Como dito alhures, felizmente a emenda do Senado Federal foi rejeitada pela Câmara dos Deputados. Interessante é a justificativa dos Senadores, tendo o senhor Moro como protagonista, de que ações penais não são matérias urgentes, cabendo o reconhecimento de pronto do in dubio pro reo nos casos de habeas corpus e recurso em habeas corpus, de maneira excepcional. Como bem enfatizou o advogado Kakay e o professor Lenio Streck, na sessão perante a CCJ do Senado Federal, todo processo penal é urgente, de observância obrigatória a razoável duração do processo (CR/88, art. 5º, LXXVIII). Destacaram também que a dúvida, a partir do empate, deve favorecer o imputado por uma questão de civilidade.
O dr. Eugênio Aragão (ex-membro do Ministério Federal, ex-ministro da justiça, atualmente advogado) foi brilhante em sua explanação. Ressaltou a falácia da paridade de armas no processo penal. O Estado, se com todo seu aparato, não foi capaz de superar a presunção de inocência, devido um empate em órgão colegiado, faltante algum membro, deve ser proclamada a absolvição com fundamento no in dubio pro reo.
A sessão na CCJ do Senado Federal foi uma verdadeira aula, posições contrárias bem fundamentadas (recomendo que assistam). Para instigá-los, cito a explanação do professor Américo Bedê Jr., para quem a dúvida recai sobre os fatos, não sobre as questões de direito. O Jurisdicionado não pode ficar sem resposta sobre matéria jurídica.
O PL 3.453/21, como aprovado pela Câmara dos Deputados, fortalece a presunção de inocência, mais notadamente na sua regra probatória, bem como a segurança jurídica, inibindo de os Tribunais procederem diferentes. Pacifica a matéria, reconhece que o Estado não logrou êxito de provar a culpabilidade do acusado, prestigia o caráter democrático e civilizatório dos julgamentos quando em órgãos colegiados.
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RIBEIRO, Paulo Carvalho. Princípio da presunção de inocência e sua conformidade constitucional. 1 Ed./Natal – RN. Motres. 2019. pag. 183-187.
LOPES Jr., Aury, Direito processual penal- 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 94-97.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2301683
Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/156587
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xvMZ4dhTOQA