Através da lei 6.374/89, o Estado de São Paulo instituiu seu próprio fator de correção monetária de negócios jurídicos, denominado “UFESP – Unidade Fiscal do estado de São Paulo”, aplicável sobremaneira aos seus créditos de natureza fiscal/tributária. Ou seja, os créditos fiscais estaduais, inscritos ou não em Dívida Ativa, passaram a ser corrigidos por seus próprios critérios.
A UFESP passou a englobar os valores referentes ao principal da dívida, juros e multa (aqui vamos suprimir a discussão de juros sobre multa), aparentemente facilitando apuração de cálculo dos créditos tributários em favor do Estado de São Paulo, porque a UFESP passou a ter um valor diário.
Acontece que o “demônio solto” provoca seus estragos; o excesso legislativo, a pretexto de “facilitar”, rotineiramente descambou em abuso. Literalmente: gerando enriquecimento ilícito em favor do Estado.
Bastou que o legislador outorgasse ao Executivo a possibilidade de correção diária de seus créditos tributários para que o índice aplicado superasse em muito o termo legal: as correções tributárias no Estado de São Paulo passaram a ser muito superiores à Taxa SELIC aplicada pela União Federal.
Em 14 de abril de 2010, o STF, por unanimidade, julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade 442 para “conferir interpretação conforme ao artigo 113 da lei 6.374/89 do Estado de São Paulo, de modo que o valor da UFESP não exceda o valor do índice de correção dos tributos federais”.
Da mesma forma, o TJ/SP, em 27 de fevereiro de 2013, ao julgar a arguição de inconstitucionalidade 0170909-61.2012.8.26.0000, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 85 e 96 da lei estadual 6.374/89, com a redação dada pela lei estadual 13.918/09.
Ou seja, tanto o STF, quanto o TJ/SP, entenderam pela inconstitucionalidade da aplicação dos juros de mora estaduais em patamar superior aos federais.
No entanto, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, ignorou a decisão da Suprema Corte e continuou aplicando índices de correção e juros acima do permitido na ADIn 442; aplicou esse índice sobre os parcelamentos de seus créditos e, principalmente, confirmou a aplicação desse fator abusivo nas Execuções Fiscais em andamento e nos lançamentos tributários efetuados após o julgamento da mencionada ADIn.
Fez muito mais: em desacato a uma determinação judicial, sempre que o contribuinte suscitava a questão, fosse em Embargos à Execução ou em sede de Exceção de pré-executividade, o ente federado apresentava defesa contra a aplicação da ADIn 442; após decisão em primeiro grau, opunha recurso ao TJSP e seguia suas demandas até o STJ e STF, sempre no sentido de buscar enriquecimento ilícito, desrespeitando de forma nada tímida as decisões das Cortes Superiores, responsáveis pela uniformização da jurisprudência.
O artigo 102, § 2º da Constituição Federal nos dá conta de que os julgamentos em ADIn “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal”, de modo que o Estado de São Paulo, desde a data de publicação da ADIn, em 28 de maio de 2010, tinha o dever de aplicar os juros com a limitação imposta pela Suprema Corte. Contudo, não foi assim que procedeu o fisco estadual que, imbuído de sua vontade arrecadatória, permaneceu na condição de auferir vantagem ilícita no lançamento de seus créditos tributários.
CONSEQUÊNCIAS DA ILICITUDE
Sempre que o ente federado faz lançamento tributário para eventual cobrança de imposto, é necessário seguir o princípio da legalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal. No caso em tela, o Estado de São Paulo promove, generalizadamente lançamento tributário indicando valores de juros e correção monetária superiores ao determinado na ADIn 442 do STF, em evidente violação à legalidade que deveria respeitar.
Observa-se que é dever do Estado cumprir a lei e somente a Ele compete modificar o lançamento do imposto já inscrito em dívida ativa, notadamente quando o vício legal é deliberado; não é acaso ou mero erro de lançamento, porque, mesmo alertado pelo julgamento da ADIn 442 e contestado em milhares de Embargos à Execução ou Exceção de pré-executividade, o ente Federado em discussão optou, sempre, pela contestação aos ditames do decisório que era obrigado a cumprir, abarrotando a máquina do judiciário com uma matéria declarada inconstitucional há mais de uma década.
Em outras palavras, quando um contribuinte é autuado ou cobrado com fatores de correção monetária e juros estabelecidos no lançamento tributário em desacato à norma vinculante (ADIn 442), a inscrição da dívida tem parâmetro ilegal. Não pode ser considerado como “mero erro de fator de correção”, sendo, na realidade, cobrança ilegal intencional.
Por óbvio, todo lançamento tributário inscrito em afronta ao princípio legal estatuído, precisa ser modificada unilateralmente pela Fazenda Pública no prazo decadencial de 5 anos previsto no artigo 173 do CTN. E compete unicamente ao Ente Público essa modificação, decorrendo de atribuição exclusiva e vinculante: somente a autoridade pode promove-la.
A utilização da UFESP como fator de juros e correção maior do que a SELIC foi deliberadamente uma tentativa caracterizada como enriquecimento ilícito. Jamais foi encarada como erro, tanto é que não se tem conhecimento de qualquer valor devolvido pelo Estado de São Paulo aos contribuintes que pagaram os parcelamentos e suas dívidas por um valor ilegalmente cobrado a maior.
Vale consignar que o TJ/SP e STJ, de forma genérica, tem assegurado que alteração do simples fator de correção das CDAs não representa ou não pode representar extinção dessas CDAs, o que não faz parte da discussão neste artigo. Na tese em referência compete a análise: i) de que se trata de uma tentativa deliberada de cobrança ilegal e é sob este prisma que analisamos a matéria; ii) a tese aventada não discute a existência ou nulidade das CDAs flagradas em inconstitucionalidade; iii) a tese indica que o lançamento tributário que originou as CDAs é que está viciado e necessita de reparo para ser adequado aos limites estatuídos na ADIn 442 do STF; iv) mesmo em se tratando de erro material ou formal (o que não é o caso), comportaria modificação do lançamento tributário conforme o artigo 149 do CTN.
Em resumo, após a publicação da ADIn 442 (STF), cujo efeito é absolutamente vinculante às entidades federadas, sempre que uma delas (notadamente o Estado de São Paulo, listado no polo passivo da ADIn) faz um lançamento tributário cujo fator de correção e juros (EX: UFESP) suplanta a SELIC, o Ente Federado não está simplesmente cometendo erro, e sim tentando auferir vantagem ilícita contra seus contribuintes e este reconhecimento de vantagem ilícita não depende de decisão judicial para se afirmar. Isto já foi feito pelo STF na ação direta de inconstitucionalidade 442.
Vale ressaltar que a permissão dos deliberados lançamentos tributários em desacordo com a ADIn 442 (STF) significaria o benefício da própria torpeza aos entes federados que promovem enriquecimento ilícito.
Sendo possível concluir que:
- Após o a publicação da ADI 442 julgada pelo STF em 14 de abril de 2010, todo lançamento tributário efetuado por Estados ou municípios com juros e correção maiores do que a taxa SELIC são inconstitucionais (ilegais);
- Estados e municípios estão vinculados obrigatoriamente às decisões da ADI 442 pelo que preceitua o artigo 102 da Constituição Federal:
- Estados e Municípios flagrados em desacordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal, tem obrigação/dever de modificar o ilegal lançamento tributário;
- O fisco é súdito do principio da estrita legalidade do tributo;
- A correção da ilegalidade no lançamento é ato privativo do fisco;
- O prazo decadencial para modificação do lançamento tributário segue o rito do artigo 149 do CTN.