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CNPC aprova inscrição automática para planos de previdência complementar

CNPC aprovou resolução 60/24 para inscrição automática em planos de previdência complementar, visando ampliar proteção social. Baseada em estudos de economia comportamental, a medida busca superar inércia e procrastinação, maximizando o bem-estar dos participantes.

1/3/2024

O Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC aprovou, em 7 de fevereiro de 2024, a resolução CNPC 60/24, que autoriza a inscrição (adesão) automática de participantes nos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar.

O objetivo da resolução é a ampliação da proteção social e do bem-estar dos colaboradores e familiares de empresas que oferecem planos de previdência complementar. A nova regra também abrange a obrigatória previdência complementar oferecida pelos entes federados aos seus servidores ocupantes de cargo efetivo na forma da nova redação dada ao art. 40, §16, da Constituição Federal.

A inscrição automática deriva de estudos empreendidos pela denominada economia comportamental, que aponta que nem sempre o indivíduo faz a melhor escolha para si. O professor doutor Luis Felipe Lopes Martins teve a oportunidade de tratar do tema na Revista de Previdência 131. Segundo o autor, “a economia comportamental busca compreender as estratégias e os vieses dos indivíduos em suas decisões, visando identificar os comportamentos mais comuns que conduzem à não maximização do bem-estar”. O professor conclui que a inscrição automática em planos de previdência complementar é importante mecanismo para tal maximização, uma vez que “as pessoas têm forte tendência à inércia e à procrastinação, de forma a permanecer na opção default mesmo quando essa não for a decisão que maximiza seu bem-estar”. 

Assim, a inscrição automática altera a opção padrão (default) de inscrição voluntária (option-in) para inscrição automática (option-out), trazendo melhor proveito econômico para o indivíduo, que ganha tempo para reflexão sobre o processo de tomada de decisão de se manter no plano de previdência e não o contrário.

Essa solução já é uma realidade no âmbito de algumas entidades patrocinadas por entes federativos. Por exemplo, a lei federal 13.183, de 04 de novembro de 2015 (que alterou a lei 12.618, de 30 de abril de 2012), autorizou a inscrição automática dos servidores públicos federais titulares de cargo efetivo na Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal-FUNPRESP.

Na experiência da FUNPRESP-Exe, o participante conta com o prazo de 90 dias para opção de desligamento após a inscrição automática, sendo possível o levantamento de suas contribuições pessoais.

Em 2016, logo após a implementação da adesão automática, a FUNPRESP experimentou aumento da taxa de adesão em 77%2. Conforme o relatório anual de informações de 2022, a taxa de permanência dos participantes aderidos automaticamente alcançou 96%. 

A Resolução CNPC 60/24 se alinha ainda aos parâmetros de boas práticas internacionais, se espelhando em experiências do Reino Unido, Estados Unidos e da Nova Zelândia, e com a recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE.

O Conselho da OCDE aprovou a recomendação OECD/LEGAL/0467 (Recommendation of the Council for the Good Design of Defined Contribution Pension Plans), adotada em 22 de fevereiro de 2022, que reforça a necessidade de criação de planos na modalidade de contribuição definida, recomendando a inscrição automática (automatic enrolment) como incentivo para ampliação do sistema, sendo permitido o desligamento dos participantes (option-out), como opção à adesão mandatória.

Nas palavras da Recomendação: “Where mandatory enrolment is not considered opportune, automatic enrolment, covering all employees and possibly the self-employed, can enhance participation while giving individuals the possibility to opt out. Financial incentives are also useful tools to promote savings for retirement. Using default options and offering a limited number of options for the contribution rate, the investment strategy and the pay-out can simplify decisions when members need to make them and encourage participation. (…)”.

A resolução CNPC 60/24 segue, portanto, os mais contemporâneos padrões de incentivo estatal (também, chamados nudge) para a proteção social por meio da inscrição automática ou, de forma ainda mais precisa, de adesão presumida. Pelo novo regramento, a adesão ao plano de benefícios passa a contar com duas modalidades de inscrição: convencional e automática, sendo está última possível apenas para planos patrocinados, conforme art. 2º da resolução CNPC 60/24.

Na modalidade de inscrição automática, os novos colaboradores da empresa patrocinadora são inscritos no plano de benefícios quando de sua contratação por “iniciativa do patrocinador” (art. 2º, inciso II), que remeterá seus dados para a entidade de previdência complementar. 

É importante apontar que a modalidade de inscrição automática não se aplica a todos os planos patrocinados. Essa modalidade deverá estar prevista de forma específica no regulamento do plano de benefícios, que conterá as condições, procedimentos, prazos e forma de desistência ou cancelamento.

A inscrição automática somente poderá ser implementada nos planos de benefícios patrocinados e cujas contribuições patronais alcancem pelo menos 20% do valor da contribuição do participante, ou, ainda, para os planos custeados integralmente pelo patrocinador. Em outras palavras, a nova modalidade não é uma forma de angariar recursos para os planos e entidades de previdência, mas de estabelecer um efetivo regime de proteção para os trabalhadores públicos e privados.

No caso de inscrição automática dos servidores públicos, a adesão pode ocorrer em momento posterior ao ingresso no serviço público ou quando o limite do regime próprio de previdência social (“teto” pago pelo INSS) for ultrapassado na forma do art. 40 da Constituição Federal. O servidor que tiver ingressado até a data da publicação do ato de instituição do respectivo regime de previdência complementar também poderá ingressar através da inscrição automática, quando exercida a opção prevista no §16 do art. 40 da Constituição Federal (i.e., quando o servidor decide “migrar” do regime público anterior exclusivo estatal para o regime de previdência complementar privada).

Quando da inscrição automática, a entidade fechada de previdência complementar deverá encaminhar certificado de inscrição, estatuto da entidade, regulamento do plano de benefícios e material explicativo em até 60 dias da adesão, informando sobre os descontos periódicos de contribuição e prazo de desistência.

Os colaboradores inscritos automaticamente têm o prazo de 120 dias para solicitação de desligamento, recebendo os recursos aportados (contribuições pessoais) em até 60 (sessenta) dias de sua opção. Os recursos do patrocinador também serão revertidos em até 60 dias da desistência do participante.

As entidades fechadas de previdência complementar criadas para atendimento do disposto no §14 do art. 40 da Constituição Federal (regime de previdência complementar do servidor público) poderão manter prazo diferenciado para o período de desistência (em geral, fixado em lei do ente federado) e envio de documentação informativa, desde que criadas antes da vigência da resolução CNPC 60/24. Os regulamentos dos planos de servidores públicos deverão, no prazo de até 2 anos, se adequar para atender às regras de transparência previstas no art. 3º da nova resolução.

O art. 8º da resolução 60/24 autoriza o procedimento de licenciamento automático para aprovação das alterações regulamentares, que tratarem exclusivamente da inscrição automática, promovendo maior celeridade para implantação dessa modalidade nos planos cujos patrocinadores se interessem por essa forma de adesão.

As tendências globais para previdência privada e a experiência da FUNPRESP antecipam o sucesso da decisão do CNPC no tratamento da inscrição automática pela resolução 60/24. Sabe-se que a previdência complementar serve ao indivíduo e sua família e proporciona a poupança de longo prazo, tão necessária em nosso país.

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1 MARTINS, Luis Felipe Lopes. A regulação da previdência complementar fechada sob a perspectiva da economia comportamental imprevista de Previdência, v. 13, Editora Gramma, Rio de Janeiro, 2016. P. 117/222.

2 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1736689-adesao-automatica-a-funpresp-uma-novafronteira-para-a-previdencia.shtml

Flávio Rodrigues
Sócio sênior de Bocater Advogados. Pós-graduado (MBA) em Fundos de Pensão pela UFRJ e em Reformas de Sistemas Previdenciários (Executive Retreat on Pension Reform) pela Harvard University; mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes - RJ.

Pedro Diniz da Silva Oliveira
Formado pela UFF. Especializado em Previdência Complementar pela UERJ. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UFF. Pós-Graduando em Direito do Trabalho pela PUC. Advogado de Bocater Advogados.

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