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Background Checks e Due Diligences: Um balanço entre gestão de riscos e proteção de dados

Diligências prévias na contratação de força de trabalho são legais e necessárias, mas devem respeitar a LGPD e evitar discriminação.

28/2/2024

Na realidade empresarial é presente e crescente o debate sobre diligências prévias na contratação de força de trabalho. Se utiliza a expressão força de trabalho, pois atualmente a “organização da produção” vem ganhando contornos de liberdade conforme julgamentos proferidos pelo STF (vide: Rcl 61.115, Rcl 64.018, Rcl 60.347 e a já citada Rcl 59.795 dentre os diversos exemplos) em que se reconhece a possibilidade de terceirização, “pejotização” e outras formas de vínculo jurídico entre empresas e suas forças de trabalho, por isto esta expressão.

Até mesmo para que as empresas possam de fato decidir por qual via irão organizar a sua produção, é necessário entender os riscos envolvidos em cada forma de contratação e isto inclui, também, a preocupação com quem sejam estas pessoas (físicas ou jurídicas) a serem contratadas.

Diversas são as disposições legais que atraem a responsabilidade das pessoas contratadas para a pessoa contratante em diferentes esferas. Pelo código civil (e com reflexos na área trabalhista) temos o artigo 932, inciso III (e súmula 341 do STF) que estabelece os contornos da conhecida culpa in vigilando. Ao seu turno, a lei 12.846/13 também estabelece determinadas responsabilidades da pessoa jurídica por atos lesivos à administração pública praticados em seu interesse ou benefício o que também denota uma responsabilização (civil e administrativa) da empresa por atos de seus contratados. Atos relacionados ao meio ambiente, responsabilidade civil e até mesmo questões de governança corporativa integram a lista de responsabilidades do contratante.

A lista acima não é meramente exemplificativa sendo certo que há um enorme leque de possibilidades para se responsabilizar a empresa contratante de uma força de trabalho. O ponto chave, portanto, é demonstrar que para a consecução da atividade empresarial, saber quem é a sua parte contratada, em qualquer modelo que seja, é de suma importância para ter uma gestão de riscos adequada.

É sob este contexto que se inserem as diligências prévias de contratação, mais conhecidas pelos termos em inglês “background checks” e “due diligences”. Há uma necessidade intrínseca e quase presumida por parte das empresas em saber detalhes das suas partes contratadas sob pena de atrair uma responsabilidade para si de um ato de uma terceira pessoa. Diz-se necessidade intrínseca da empresa pois seria um contrassenso a legislação prever uma série de responsabilidades sem dar a oportunidade para a empresa fazer sua gestão adequada de riscos.

Com isto, a primeira mensagem é dizer que background checks e due diligences são plenamente possíveis e legais no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que haja respeitáveis vozes dizendo o contrário sob a fundamentação de direitos à intimidade, privacidade e até mesmo de proteção de dados pessoais (todos inclusive com envergadura constitucional), não se pode admitir que o ordenamento jurídico proíba alguém de ser diligente no exercício de suas atividades.

Porém, afirmar que as diligências são possíveis não significa dizer que ela não tenha limitações ou um balizamento para sua realização, afinal nenhum direito tem caráter absoluto, nem mesmo os direitos fundamentais.¹ Sendo assim, as diligências devem servir para os seus devidos propósitos e não ultrapassar barreiras outras que possam gerar discriminações ou ofensas outras de qualquer espécie.

Este é o entendimento, inclusive, do Tribunal Superior do Trabalho que no Tema número 1 dos Incidentes de Recursos Repetitivos firmou a tese pela legitimidade da requisição de antecedentes criminais a candidato de emprego quando amparada por expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido pelo empregado. Por outro lado, ensejará em indenização caso o pedido de antecedentes criminais for feito para efeitos discriminatórios, ficando para este fim vedado.

Em linhas gerais de Direito costuma-se dizer que “quem pode o mais, pode o menos, exceto se proibido por lei” – e sendo assim, se é possível exigir antecedentes criminais, tanto quanto também é possível exigir informações outras, desde que sem caráter discriminatório e em consonância com os riscos que se pretende mitigar. E dentro desta mesma máxima é possível notar que não importa o tipo de vínculo jurídico estabelecido (se “pejota”, terceirizado, empregado ou outro), a possibilidade de uma diligência prévia se aplica a qualquer enquadramento.

Para além da vedação à discriminação, é preciso também destacar que a Lei Geral de Proteção de Dados é também uma baliza importante na forma de se conduzir tais diligências. Isto porque, nestes procedimentos, invariavelmente serão tratados dados pessoais (ainda que somente o nome do representante das empresas) e, para tanto, precisam ter o tratamento adequado.

Sob o ponto de vista da LGPD, contudo, um primeiro esclarecimento se faz necessário: não há qualquer disposição da lei (nem mesmo em sua intenção) que vise garantir o anonimato das pessoas. A proteção de dados pessoais, embora em certos casos possa requerer a “anonimização” de dados, este trâmite não visa garantir anonimato. Confundir anonimização dos dados, requeridos em determinadas questões da lei, com garantia de anonimato é um erro crasso na interpretação da LGPD e pode, inclusive, levar a interpretações perigosas não só dos limites deste direito, mas também em uma ineficiência da gestão de risco empresarial e de governança corporativa como um todo.

Se um tratamento de dado pessoal é feito sob a égide de um consentimento de seu titular, sob um legítimo interesse e conectado exclusivamente a uma finalidade específica, não há qualquer ilicitude no procedimento. Dado isto, não há qualquer impedimento pela LGPD para a realização das diligências prévias (em qualquer dos modelos), exceto se o titular dos dados não quiser consentir ou não concordar com as finalidades.

Pragmaticamente, se um titular de dados nega o consentimento de tratamento de seus dados em uma fase pré-negocial ou ainda discorda da finalidade estabelecida ou o legítimo interesse que suporta a relação, ela sequer se desenvolve e nenhuma das partes terá qualquer tipo de próximo passo a seguir. Aqui não se advoga um pensamento no sentido de “forçar o consentimento” (que precisa inclusive ser livre e informado), ao contrário, é dizer que se não há o consentimento, sequer há a relação possível para uma contratação, ou como seria contratar com alguém que discorda até mesmo da finalidade e intenções da outra parte? Uma contratação no “escuro” pode trazer efeito deletérios a uma gestão de risco adequada, a depender do objeto da empresa no caso concreto.

Em conclusão é possível afirmar pela plena possibilidade e direito das empresas em realizarem seus procedimentos de background checks e due diligences, observado, contudo, que tais procedimentos não podem caracterizar qualquer tipo de discriminação. Além disto, devem contar com os requisitos trazidos pela LGPD, porém com um conceito muito bem estabelecido – a LGPD não traz qualquer direito ao anonimato, mas sim o correto tratamento dos dados pessoais.

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1. Digno de registro apenas que há teorias jurídicas que tratam sobre determinadas categorias de direitos que seriam absolutos, tal como o direito de não ser torturado conforme disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Paulo Henrique Gomiero
Mestre e Doutorando em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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