O artigo 133 da Constituição Federal dispõe que o advogado é, nos limites da lei, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Isso quer dizer, em linhas gerais, quando não há má-fé ou conluio em suas opiniões profissionais, as suas expressões gozam da garantia constitucional de inviolabilidade.
Sendo assim, quando o advogado emite um ponto de vista técnico e racional, fundamentado em documentos entregues pelo próprio contratante, não poderá ser responsabilizado pelos efeitos reflexos de sua opinião profissional, uma vez que, em regra, o parecer do advogado não deve vincular o destinatário, mas servir de ponto de vista sobre determinado assunto.
Portanto, a simples emissão de parecer jurídico é incomunicável com os eventuais atos dolosos praticados pelo destinatário final da opinião, pois, conforme afirmado, as expressões legais do advogado gozam da garantia constitucional da inviolabilidade, e só podem ser rechaçadas quando comprovado que o parecerista atuou em conluio e contribuiu para a prática delitiva.
Essa interpretação foi concretizada na análise do HC 464.498/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 17/9/19, DJe de 23/9/19, onde foi constatado que a mera emissão de opinião legal não é crime, sendo, portanto, conduta atípica. Confira trechos do voto exarado pelo eminente relator do caso, que, com precisão, concedeu ordem de habeas corpus para o trancamento da ação penal:
“In casu, ao meu sentir, a conduta imputada é flagrantemente atípica.
A única imputação à paciente, advogada, procuradora do município de Ibiúna/SP, diz respeito à emissão de parecer jurídico opinativo pela dispensa de licitação para contratação de serviço especializado de advocacia.
A exordial se limita a indicar que a paciente, em 20/5/11, dolosamente, ofereceu parecer jurídico genérico, não fazendo análise alguma do processo de inexigibilidade de licitação e da escolha direta do escritório Castellucci. Essa descrição não contemplou a exigência jurisprudencial de individualizar uma preordenação prévia, um desvio de finalidade. A mera emissão de parecer, sem qualquer abordagem ao caso concreto, não indica colaboração na empreitada criminosa, mas apenas, no máximo, uma desídia profissional.”
Em outro caso analisado pelo STJ, em que se julgou habeas corpus impetrado contra a deflagração de ação penal instaurada em desfavor de advogado contratado para a emissão de opinião legal em procedimento licitatório, sem qualquer participação com os eventuais deslizes praticados por terceiros contra a Administração Pública, foi aplicado o artigo 133 da Constituição Federal para determinar o trancamento da ação penal proposta contra o parecerista, nos termos do voto da eminente relatora do caso, Ministra Laurita Vaz:
“No caso, apesar de a exordial descrever a existência de um crime contra a administração pública, constata-se, de plano, a atipicidade da conduta da Paciente, uma vez que não foi acusada da prática do ato tido por ilícito – contratação direta da empresa, em tese, indevida –, tampouco lhe foi atribuída eventual condição de partícipe do delito.
De fato, foi denunciada apenas pela simples emissão de pareceres jurídicos, sendo que essa atuação circunscreve-se à imunidade inerente ao exercício da profissão de advogado, a teor do disposto no art. 133 da Constituição Federal, in verbis: (HC n. 461.468/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 9/10/18, DJe de 30/10/18.)
Essas interpretações do STJ convergem com o entendimento do STF onde a atuação técnica do advogado é resguardada pela ordem constitucional, de modo que a eventual responsabilização penal do parecerista dependerá da indicação concreta de circunstâncias que o vincule à prática delitiva.
De acordo com o eminente Ministro Gilmar Mendes, relator do HC 171576, Segunda Turma, julgado em 17-9-19, no processo licitatório, a função do parecerista é zelar pela lisura sob o aspecto formal do processo, não lhe competindo opinar sobre o acerto da decisão tomada pelo chefe do executivo local, verbis:
“Do teor da denúncia, vê-se que o Ministério Público pretende exigir do assessor jurídico conhecimento técnico de todas as áreas e não apenas de temas relacionados ao Direito.
É que, no processo licitatório, não compete ao assessor jurídico averiguar se está presente a causa de emergencialidade, mas apenas se há, nos autos, decreto que a reconheça. Sua função é zelar pela lisura sob o aspecto formal do processo, de maneira a atuar como verdadeiro fiscal de formalidades.
Conforme asseverei em sede de liminar, no processo licitatório, o assessor jurídico está restrito a atestar a presença, ou não, do decreto, quando o Ministério Público exige que ele investigue a presença, ou não, da emergência.”
Com efeito, quando o parecerista transborda a imunidade profissional prevista no artigo 133 da Constituição Federal, para agir em conluio na prática de infração penal, não há impedimentos técnicos para que o mesmo seja responsabilizado criminalmente na forma da lei. Foi justamente o que ocorreu na análise do AgRg no RHC 122.936/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/2/21, DJe de 1/3/21, onde o advogado foi acusado de se unir a outros agentes públicos para a prática de crime licitatório:
“Do que se extrai, constata-se que a denúncia imputou ao ora recorrente a conduta típica de fraudar a licitação não só pelo fato de ter emitido parecer jurídico no sentido de inexigibilidade da licitação, mas por ter agido com unidade de desígnios com o Prefeito Municipal e outros agentes para consumar o crime.
(...)
Em suma, verifica-se que denúncia não imputa ao paciente a conduta delituosa em decorrência da emissão de parecer jurídico, mas, afirma que existiu conluio entre o advogado e os demais corréus, com o intuito de fraudar a licitação. Desta forma, resta ausente, portanto, qualquer constrangimento que justifique a reforma do acórdão impugnado.”
Sendo assim, considerando que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, a mitigação do artigo 133 da Constituição Federal só poderá ocorrer quando a acusação comprovar que a emissão do ponto de vista profissional foi apenas uma etapa para a consumação do crime.
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
HC n. 464.498/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 17/9/2019, DJe de 23/9/2019.
HC n. 461.468/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 9/10/2018, DJe de 30/10/2018.
HC 171576, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 17-09-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 04-08-2020 PUBLIC 05-08-2020.
AgRg no RHC n. 122.936/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 1/3/2021.