Migalhas de Peso

Anatel: Os esforços da agência no combate à pirataria de IPTV

Governo combate pirataria em parceria com agências como a Anatel, que em 2023 adotou postura exemplar, restringindo produtos não homologados.

26/2/2024

No Brasil, a pirataria de produtos e serviços audiovisuais, como filmes, música, software e jogos, é um problema recorrente, e os números não mentem. Em 2022, o Brasil perdeu cerca de R$12 bilhões com a pirataria de TV por assinatura, este setor ocupou a 7ª posição entre todos os setores da economia que mais perderam dinheiro em razão da pirataria, de acordo com o Anuário da Associação Brasileira de Combate à Falsificação.

Uma vez que o cenário atual é sensível, as metas diretivas do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos Contra a Propriedade Intelectual - CNCP, em contraponto ao mercado paralelo e à pirataria no território brasileiro, estabeleceu-se, através do art. 3º, o inciso IV do decreto 9.875/19, competência para que os órgãos da administração pública possam incentivar e auxiliar o planejamento de operações especiais e investigativas de prevenção e repressão à pirataria e aos delitos contra a propriedade intelectual.

Neste tocante, nos últimos anos, uma prática clandestina passou a ganhar força no território nacional: a comercialização de TV Boxes sem homologação, bem como a disponibilização de assinaturas de aplicativos clandestinos que emulam e replicam a transmissão de TV a cabo e canais abertos, as famosas IPTV, sigla para "Internet Protocol Television" (Televisão por Protocolo de Internet) — tecnologia que utiliza redes de internet para transmitir sinais de televisão e conteúdo de vídeo on-demand. Exemplos dessa tecnologia são as TV Box homologadas, como Fire TV, MI TV, ou os provedores de aplicações focados em de transmissão de sinal de televisão, como o Direct Go, o Pluto TV e o mais famoso entre os citados, o Globoplay.

E é no combate aos produtos de IPTV não homologados que a brilhante atuação da Anatel encontra-se guarida, uma vez que a agência passou a atuar de forma combativa.

Uma das primeiras medidas adotadas foi a condução de um sólido estudo de engenharia reversa dos aparelhos de TV Box ilegais. Esses estudos de engenharia reversa realizados pela Agência identificaram a ocorrência de uma série de malwares, software malicioso que permite que criminosos assumam o controle da TV Box para o roubo de dados e informações dos usuários.

O conselheiro Moisés Moreira explicou que “Além da presença de malwares, foram identificadas falhas de segurança no processo de atualização dos aplicativos, permitindo que toda a informação trocada seja capturada e modificada por um atacante mal-intencionado e possibilitando, assim, a instalação de aplicativos maliciosos nos dispositivos”.

O superintendente de Fiscalização da Anatel, Hermano Tercius, acrescentou que “como resultado, equipamentos conectados na mesma rede do TV box foram invadidos e neles foi realizada a execução remota de aplicativos, ações de captura de tela estática (screenshot), visualização e gravação em tempo real da tela do usuário (screenshare), tudo isso sem que o usuário pudesse perceber.”

É claro e inequívoco o risco que os usuários de IPTV não homologadas estão sujeitos. Assim, a agência, em atuação ativa, passou a bloquear os sinais das TV boxes ilegais durante os finais de semana e nas transmissões de grandes eventos, bem como tirou do ar centenas de aplicativos e 1,2 mil sites de streaming ilegais na transmissão da última rodada da Série A do Brasileirão.

Outrossim, no ano passado foram realizadas 52 operações com participação de força policial, resultando na retenção e remoção do mercado cerca de 3,9 mil aparelhos clandestinos de TV boxes, que representa um valor de mercado acima de R$400 milhões.

Além de estudos técnicos, interrupções de sinal, efetiva remoção dos aparelhos de IPTV do mercado paralelo, a atuação da Anatel segue brilhante, também, nas decisões e sanções administrativas impostas, em total consonância com as métricas do CNCP.

Isso porque, em uma decisão histórica, a Anatel decidiu aplicar, pela primeira vez, sanção de multa no valor de R$7.680 a pessoa física pela comercialização de TV boxes não homologados.

A medida representa uma estratégia que "busca prevenir e reprimir a circulação de produtos não homologados pela agência", destacou o relator Alexandre Freire.

O enquadramento da infração encontrou-se fundamentada no art. 4º, c/c art. 55, IV, alínea "c", do Regulamento para Certificação e Homologação de Produtos para Telecomunicações, aprovado pela resolução 242, de 30 de novembro de 2000 – vigente à época da fiscalização. Neste parecer jurídico inicial, foi indicado, também, caracteristicas de infração administrativa de natureza continuada, pois a loja virtual investigada, domínio de titulariadade de pessoa física, que comercializava, única e exclusivamente, receptores não passíveis de homologação por permitir o acesso fraudulento a conteúdo protegido por direito autoral, permaneceu comercializando os produtos não homologados de forma continuada. 

Em resposta à violação constatada, o Autuado destacou que, após o protocolo de defesa prévia, removeu o site do ar e todo o seu conteúdo, pugnando para que o cumprimento da decisão liminar fosse considerado como atenuante para eventual condenação.

Contudo, o despacho decisório – ato processual equivalente à sentença no processo judicial – condenou o Autuado pessoa física a sanção de multa no valor de R$ 22.464,00.

Em face desse despacho decisório, foi interposto recurso administrativo pelo titular do domínio, que em decisão de admissibilidade do recurso, foi concedido efeito suspensivo pela agência, que, em ato contínuo, entendeu que os argumentos não foram suficientes para afastar a responsabilidade do Autuado ou demonstrar o direito pretendido.

Desta forma, a Agência fundamentou em sua decisão que a remoção do website e a interrupção dos produtos clandestinos originaram-se de uma medida cautelar, o que não se traduz na regularização dos fatos. Tal situação também não se configura na atenuante prevista no artigo 20, inciso I, do Regulamento Administrativo de Sanções da Anatel - RASA, aprovado pela resolução 589 de 7 de maio de 2012. A regularização prevista no referido dispositivo seria concretizada se o recorrente houvesse obtido a certificação dos produtos antes da fiscalização desta agência, o que não ocorreu.

Não obstante, a antítese aos argumentos para a conversão da multa em advertência, a disposição do RASA entende que infrações de natureza grave não são passíveis de advertência. Logo, a sanção primitiva cabível é a aplicação de multa, considerando a impossibilidade de aplicação das demais espécies previstas no artigo 173 da LGT.

Assim, em sua decisão final, os membros do Conselho Diretor da Anatel, por unanimidade, nos termos da análise 67/23/AF (SEI 10596405), votaram por conhecer o recurso administrativo (SEI 9293589) para, no mérito, negar-lhe provimento, apenas reduzindo o valor da sanção de multa de R$ 22.464,00 para R$ 7.680,00.

Ao comentar a decisão, Alexandre Freire, conselheiro relator, destacou que “Isso faz com que esses temas ganhem um tom estratégico que vai além do ordenamento constitucional pátrio. Busca-se não apenas fornecer soluções que melhorem o bem-estar das pessoas, mas também outras que auxiliem as instituições a chegarem a essas soluções de forma eficiente”.

Em verdade, o que se constata é que a Anatel e o Estado Brasileiro estão em uma verdadeira cruzada contra a pirataria de TV por assinatura no Brasil. 

Alexandre Freire, afirmou que “Os resultados obtidos até o momento têm se mostrado relevantes para a sociedade brasileira, com um enforcement que compreende tanto as plataformas de marketplace quanto os fornecedores pessoas físicas. De forma mediata, essas ações se traduzem em melhor proteção à saúde e à segurança do consumidor e num aprimoramento do respeito à propriedade intelectual”. 

As metricas estabelecidas pelo CNPC, reverberam na atuação brilhante da ANATEL. Contudo, o Plano de Ação de Combate à Pirataria de 2022 tem desenvolvido ações conjuntas com outros órgãos da administração pública, como os Ministérios da Justiça e da Economia, a Receita Federal, as Polícias Federal e Rodoviária Federal e, mais recentemente, a Ancine. Esta última passou a ter competência para combater a pirataria no audiovisual como um todo, conforme lei 14.815/24. 

O cenário brasileiro no combate ao mercado paralelo é promissor. Os esforços da ANATEL para interromper a comercialização de produtos não homologados, alinhados às metas do CNPC até 2025, bem como a Ancine entrando no jogo, demonstram que o Estado Brasileiro está munindo suas agências para combater a pirataria de forma efetiva e essas ações visam proteger a economia, coibir a sonegação fiscal e enfraquecer fontes de financiamento do crime organizado, buscando salvaguardar os consumidores contra crimes virtuais.

------------------------------

G1. Exclusivo: Brasil perdeu R$ 345 bilhões em 2022 por causa da pirataria. 3 abr. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2023/04/03/exclusivo-brasil-perdeu-r-345-bilhoes-em-2022-por-causa-da-pirataria.ghtml. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Anatel derruba 3,9 mil servidores de TV Boxes ilegais em 2023. 14 jan. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/assuntos/noticias/anatel-derruba-3-9-mil-servidores-de-tv-boxes-ilegais-em-2023. Acesso em: 1 fev. 2024.

PRONATEC. TV Pirata foram bloqueados pela Anatel. 2023. Disponível em: https://pronatec.pro.br/tv-pirata-foram-bloqueados-pela-anatel/. Acesso em: 1 fev. 2024.

ABTA. Dados do setor. 2023. Disponível em: https://www.abta.org.br/dados_do_setor.asp. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. TV por Assinatura. 2023. Disponível em: https://informacoes.anatel.gov.br/paineis/acessos/tv-por-assinatura. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Pela primeira vez Anatel multa pessoa física por venda de produtos não homologados. 23 dez. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/assuntos/noticias/pela-primeira-vez-anatel-multa-pessoa-fisica-por-venda-de-produtos-nao-homologados. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Estrutura organizacional. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/composicao/estrutura-organizacional. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Relatório de Gestão 2023. Brasília: Anatel, 2023. Disponível em: https://sei.anatel.gov.br/sei/publicacoes/controlador_publicacoes.php?acao=publicacao_visualizar&id_documento=12215302&id_orgao_publicacao=0. Acesso em: 1 fev. 2024.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Combate à Pirataria. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/combate-a-pirataria. Acesso em: 1 fev. 2024.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. “Combate à pirataria é ferramenta para asfixiar o crime organizado”, afirma Sergio Moro. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/collective-nitf-content-1559760036.29. Acesso em: 1 fev. 2024.

G1. Pirataria digital de filmes e séries causa prejuízo de mais de R$ 15 bilhões por ano ao Brasil. 23 mai. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/05/23/pirataria-digital-de-filmes-e-series-causa-prejuizo-de-mais-de-r-15-bilhoes-por-ano-ao-brasil.ghtml. Acesso em: 1 fev. 2024.

G1. Ministério da Justiça faz operação contra pirataria digital em dez estados. 21 jun. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/06/21/ministerio-da-justica-faz-operacao-contra-pirataria-digital-em-dez-estados.ghtml. Acesso em: 1 fev. 2024.

BRASIL. Decreto nº 9.875, de 27 de junho de 2019. Dispõe sobre a política nacional de telecomunicações. Diário Oficial da União, Brasília, 28 jun. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9875.htm. Acesso em: 1 fev. 2024.

PED BRASIL. Ações da Anatel no combate à pirataria. 2023. Disponível em: https://pedbrasil.org.br/acoes-da-anatel-no-combate-a-pirataria/. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Combate à pirataria. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/regulado/fiscalizacao/combate-a-pirataria. Acesso em: 1 fev. 2024.

CORREIO DO BRASIL. Anatel lacra 112 mil produtos em centro de distribuição com multi-irregularidades. 14 jan. 2024. Disponível em: https://e.correiodobrasil.com.br/a/anatel-lacra-112-mil-produtos-centro-distribuicao-multi-irregularidades. Acesso em: 1 fev. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, 17 jul. 1997. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=9472&ano=1997&ato=d9fo3aU90MJpWTbfa. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Anatel constata novas vulnerabilidades em TV Box não homologados. 29 jan. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/assuntos/noticias/anatel-constata-novas-vulnerabilidades-em-tv-box-nao-homologados. Acesso em: 1 fev. 2024.

ANATEL. Relatório Técnico de 2022 dos Estudos de engenharia reversa em TV boxes. Brasília: Anatel, 2022. Disponível em: https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?8-74Kn1tDR89f1Q7RjX8EYU46IzCFD26Q9Xx5QNDbqbGHzc2pUgPteuRLZ6SDuwZoTzuakE9xm340u-SmUAwHzdKU2tIv4WgKQmypi8cvl3ntyOGfLQji7o_Cb0uH4U-. Acesso em: 1 fev. 2024.

Rafael Lacaz Amaral
Advogado e Sócio de Kasznar Leonardos Advogados. Especializado em Contencioso Judicial em Propriedade Intelectual. Coordenador da equipe de Antipirataria Digital e License Compliance.

Raquel Barros
Advogada, pós-graduada em Propriedade Intelectual e Novos Negócios, Direito Penal e Processo Penal. Coordenadora da equipe de Antipirataria & Brand Protection do escritório Kasznar Leonardos.

Leonardo Severiano Ribeiro
Advogado, pós-graduando em Direito Digital, Gestão da Inovação e Propriedade Intelectual pela PUC-MG. Advogado na equipe Antipirataria & Brand Protection do escritório Kasznar Leonardos.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

A política de concessão de veículos a funcionários e a tributação previdenciária

19/12/2024

Julgamento do Tema repetitivo 1.101/STJ: Responsabilidade dos bancos na indicação do termo final dos juros remuneratórios

19/12/2024