No dia primeiro de dezembro de 2022, o STF fez história reconhecendo, por seis votos a cinco, o direito dos aposentados a incluírem, no cálculo de seus benefícios, os salários de contribuição anteriores a julho de 1994, ação chamada de Revisão da Vida Toda - RVT.
De lá para cá, essa história, que seguia a passos largos para o final justo aos aposentados, tem tomado um rumo cada vez mais sombrio.
Primeiramente, porque apesar de todos os aposentados que tiveram seus benefícios concedidos até 2019 sofrerem da mesma injustiça, somente uma minoria bem reduzida será beneficiada com a revisão. Tal afirmativa é incontroversa nos autos, restando demonstrada com inúmeros pareceres técnicos formulados por especialistas e, inclusive, vai na mesma direção do voto divergente no julgamento do Tema 1102, proferido pelo ministro Nunes Marques. Vejamos a seguinte passagem:
"excepcionalmente, aqui e ali, haverá um trabalhador que teve altos salários e depois caiu no fim da carreira. Mas isso é raro. O normal é que o trabalhador tenha maiores remunerações quando está mais velho e com mais tempo de serviço".
O segundo motivo é que a palavra “justo” deriva diretamente da palavra justiça e, infelizmente, a justiça está cada vez mais distante do tema 1102. Essa afirmação tem fundamento e as adversidades enfrentadas pelos aposentados, bem como as manobras desleais utilizadas para evitar a derrota do INSS serão demonstradas à frente.
Voltemos um pouco no tempo. As desventuras dos segurados no STF começaram no dia 08 de março de 2022, exatamente quando o placar do julgamento era de 6x5 em favor dos aposentados e, faltando pouco mais de 10 minutos para a finalização do plenário virtual, o ministro Nunes Marques – que na época compunha a base pró-governo no STF, apresentou inusitadamente um pedido de destaque.
O pedido de destaque é permitido pelo regimento interno da Corte, entretanto, desde aquela época, o mecanismo já estava sendo utilizado de forma desvirtuada e, nesse momento, a estratégia para acabar com o final justo dos aposentados estava tomando forma.
No plenário físico, a injustiça se consolidaria na reversão do placar em desfavor dos aposentados, vez que o voto do ministro Marco Aurélio de Melo seria substituído pelo voto do novo ministro André Mendonça – que também compunha a base governante, mudando o resultado para 6x5 em favor do INSS.
Entretanto, em sessão realizada no dia 9/6/22, o Plenário do STF definiu que caso haja pedido de destaque em processos com julgamento iniciado no ambiente virtual, os votos lançados por ministro que, posteriormente, deixarem o exercício do cargo, serão válidos. A decisão foi tomada durante o julgamento da ADI 5.399 e reascendeu a chama de justiça para os inúmeros aposentados que já haviam imaginado a vitória do INSS como certa.
Como se sabe, no dia 1/12/22, o Plenário do STF julgou novamente o mérito da revisão da vida toda e reconheceu, por 6x5, o direito dos aposentados de revisar seus benefícios, recebendo, também, as parcelas atrasadas referentes aos últimos cinco anos de prejuízos causados pelo INSS.
Pois bem, a justiça de fato apareceu. Mas a vida do aposentado brasileiro não é fácil, e essa história ainda não teve o seu final decretado.
O INSS, insatisfeito em ser condenado a ressarcir os segurados prejudicados por sua irresponsabilidade fiscal e gerencial, apresentou, por meio de embargos de declaração, um pedido para modular os valores atrasados que seriam pagos aos aposentados e solicitou, também, o sobrestamento nacional de todos os processos que tratavam do tema.
Claro que o pedido foi atendido quase que de imediato pelo STF e, rapidamente, todas as ações que tinham por objetivo trazer justiça aos aposentados foram paralisadas, até que o tribunal se decida quanto ao marco temporal que definiria o início da prescrição das parcelas atrasadas.
A essa altura do campeonato e diante de tamanho imbróglio jurídico, o aposentado se sentia obviamente desnorteado e não sabia ao certo o que é que tinha ganhado. E se é que tinha ganhado alguma coisa.
Esse sentimento com pitadas de desconfiança tem nome: insegurança jurídica, e desde o início do julgamento do tema 1102, tem ganhado forças todas as vezes em que o STF cede à vontade de uma criança mimada de 33 anos, conhecida por Instituto Nacional de Seguro Social.
Essa mesma criança mimada utiliza-se, basicamente, do terror midiático e da chantagem financeira, esperneando números inverídicos e resultados inflados, para sensibilizar ou amedrontar os julgadores. Inclusive, mente de forma desvairada, em jornais e veículos de mídia, contabilizando as aposentadorias já atingidas pelo prazo decadencial como possíveis beneficiários da revisão da vida toda.
Nesse ponto, é importante observarmos que o STF é, originalmente, o órgão responsável por guardar a constituição. Porém, tem se tornando, também, o órgão responsável por guardar a porta dos cofres públicos, sempre adotando uma posição contrária às causas que gerem um impacto econômico.
Claro, essa postura é covardemente adotada, principalmente nas causas em que o resultado poderia diminuir as desigualdades sociais e garantir proteção previdenciária às partes mais vulneráveis da população.
Por outro lado, recentemente, o STF, que baseia suas decisões no valor da conta, escancarou a porta dos cofres públicos e manteve inúmeros penduricalhos ao funcionalismo público da esfera judicial, causando prejuízos calculados pelo TCU de quase 1 bilhão de reais.
Ao que tudo indica, a conta só é alta demais quando os beneficiados são os aposentados miseráveis que vão falecendo sem ver o final da história, vítimas da demora demasiada para a finalização desse julgamento.
A revisão da vida toda foi, então, pautada novamente para o dia 1/2/24, junto com a cerimônia anual que marca o início dos trabalhos do STF. Entretanto, o ministro presidente Roberto Barroso entendeu que os embargos eram de grande complexidade e que demandavam mais tempo para debate, remanejando o julgamento para o dia 28/2/24.
Toda a comunidade jurídica está cansada de saber que embargos de declaração não mudam o mérito do julgado, mas, aparentemente, existe um CPC diferente para as ações nas quais a AGU atua.
E aí, dentre todas as manobras vexatórias praticadas pelo INSS ao longo do julgamento do Tema 1102, está a mais escancarada, que vai contra os princípios básicos do processo civil e, evidentemente, é uma tentativa desesperada de impedir que os aposentados obtenham, de fato, a efetivação da justiça.
Vejamos, junto com a RVT também estão na pauta de julgamentos as ADI’s 2110 e 2111, que têm por objeto declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 3º da lei 9.876/99. Essas ADI’s estavam paradas no STF desde o ano 2000 e, a pedido do ministro Cristiano Zanin, seus julgamentos foram “coincidentemente” retomados.
A título de atualização, nessa Ação Direta de Inconstitucionalidade, o ministro relator Nunes Marques entendeu que o artigo 3º é constitucional, mas que não há prejudicialidade com o que foi definido no Tema 1.102. Nessa mesma linha de pensamento, estão os ministros Toffoli, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Carmen Lucia e Fux.
Por outro lado, os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin seguem, curiosamente, se posicionando em favor do INSS e entendem que o artigo 3º é constitucional e que sua conexão com a RVT é obrigatória. Ou seja, essa manobra jurídica favorece o INSS, pois altera o mérito do julgamento no Tema 1102, criando a possibilidade real de reversão do resultado na RVT.
É nítido que eventual mudança no que já foi decidido resultaria na criação de precedente maligno pelo STF, aumentando a insegurança jurídica e manchando a gloriosa história da mais alta corte jurisdicional do país.
Além disso, seria vergonhoso permitir que o INSS (por meio da AGU) faça do STF o seu parque de diversão, obtendo vantagens processuais através de suas manobras e mentiras desleais.
O dia do julgamento destes “embargos modificatórios” está chegando. Junto com ele, existe uma enorme possibilidade de que o STF novamente decida em favor dos aposentados, fazendo valer a constituição de 1988 e reforçando a solidez dos pilares da justiça e segurança jurídica, sobre os quais o Supremo se mantém.
Existe, também, a possibilidade de que o tribunal retroceda os avanços sociais que garantiu, contribuindo para o aumento das desigualdades e para o aumento da desconfiança institucional generalizada que assola esse país. Proceder desta forma seria uma injustiça descabida com os inúmeros aposentados lesados pelo INSS e que confiam na guarda de seus direitos pelo STF.
Portanto, torçamos para que a justiça seja feita e que a injustiça não prospere. Torçamos, também, para que os aposentados conquistem efetivamente o final digno que tanto merecem.