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Como as sanções da UE são aplicadas à Rússia?

A UE implementou uma série progressiva de sanções contra a Rússia em resposta à invasão da Ucrânia. Apesar do impacto econômico significativo dessas sanções sobre a Rússia, a eficácia em induzir mudanças de comportamento no Kremlin é debatida, refletindo a complexidade da situação.

25/2/2024

Introdução

A implementação de sanções pela UE contra a Federação Russa, em resposta à invasão da Ucrânia, representa um momento crítico na evolução das relações diplomáticas e econômicas entre o bloco europeu e Moscou. Desde o início do conflito, a UE tem progressivamente ampliado o escopo e a severidade das sanções contra a Rússia, empregando uma estratégia para isolar economicamente e diplomaticamente o país.

A escalada das medidas restritivas iniciou-se com o primeiro pacote de sanções, que visava principalmente indivíduos e entidades diretamente envolvidos na desestabilização da Ucrânia. Todavia, à medida que o conflito se intensificava, a UE expandiu as sanções para incluir restrições mais amplas sobre o comércio, finanças, e a transferência de tecnologias sensíveis, visando limitar a capacidade da Rússia de financiar e sustentar suas operações militares.

O histórico dos pacotes de sanções revela uma abordagem cada vez mais rigorosa por parte da UE. Por exemplo, o sexto pacote de sanções marcou um momento significativo, introduzindo a proibição de importações de petróleo bruto e produtos petrolíferos, um golpe substancial para a economia russa, fortemente dependente das exportações de energia. Subsequentemente, medidas adicionais foram adotadas para restringir o acesso da Rússia a tecnologias avançadas, serviços financeiros e mercados de capitais da UE, bem como a proibição de importações de bens de luxo, carvão, e outros produtos estratégicos.

A adoção do 13º pacote de sanções, destacando-se pela inclusão de restrições a mais de 200 indivíduos, empresas e organizações, reflete a determinação da UE em manter a pressão sobre o Kremlin. Este pacote, como os anteriores, visa não apenas enfraquecer a capacidade militar e tecnológica da Rússia, mas também sinaliza a coesão e a resolução do bloco europeu em responder às violações do direito internacional pela Rússia.

A aplicação das sanções dentro do ambiente político da UE envolve um processo complexo e meticuloso, que reflete tanto a diversidade de interesses entre os Estados-membros quanto a necessidade de uma ação unificada frente a desafios externos. A decisão de impor um novo pacote de sanções, tal como o 13º contra a Rússia, é o resultado de negociações intensas, onde a coesão política entre os Estados-membros são essenciais para alcançar um consenso.

Fundamentos jurídicos das sanções da UE

A capacidade da UE de impor sanções internacionais encontra-se firmemente ancorada no seu quadro jurídico e institucional. Este quadro permite que a UE responda de forma coesa e eficaz a desafios e ameaças internacionais à paz e segurança, aos direitos humanos, e à ordem jurídica internacional. As sanções, também conhecidas como medidas restritivas, servem como ferramentas de política externa, destinadas a alcançar objetivos específicos alinhados com os valores e interesses da UE.

O principal fundamento jurídico para a imposição de sanções pela UE encontra-se no Tratado da União Europeia - TUE e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE. Mais especificamente, o artigo 21 do TUE estabelece os princípios orientadores da ação externa da UE, incluindo o respeito pela legalidade internacional e a promoção da paz, segurança e progresso global. O artigo 215 do TFUE, por sua vez, proporciona a base legal para a adoção de medidas restritivas contra países terceiros, entidades ou indivíduos, permitindo a implementação de decisões tomadas no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum - PESC, conforme definido no Artigo 29 do TUE.

Estes tratados conferem à UE a autoridade para adotar uma ampla gama de sanções, incluindo embargos comerciais, congelamento de ativos, proibições de viagem e restrições em setores econômicos específicos. As sanções são concebidas para serem direcionadas, focando-se em entidades ou indivíduos específicos, com o objetivo de minimizar o impacto sobre a população civil.

Processo de decisão para a adoção de sanções

O processo de decisão para a adoção de sanções pela UE é caracterizado por um procedimento coletivo e consensual entre os Estados-Membros, ocorrendo nos seguintes moldes1:

  1. Proposta: O processo geralmente começa com a proposta de sanções por um Estado-Membro ou pela Alta Representante da União para Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, baseando-se numa avaliação da situação internacional e dos objetivos políticos da UE.
  2. Deliberação no Conselho: A proposta é então discutida no Conselho da UE, particularmente no Conselho dos Assuntos Externos, onde os ministros dos Estados-Membros debatem a necessidade, a natureza e o escopo das medidas propostas. Para a adoção de sanções, é necessária a unanimidade entre os Estados-Membros, garantindo que todas as medidas reflitam um consenso amplo.
  3. Adoção e implementação: Uma vez alcançado o consenso, as sanções são formalizadas através de decisões do Conselho, baseadas no artigo 29 do TUE, e regulamentos do Conselho, baseados no artigo 215 do TFUE. Os regulamentos têm aplicação direta nos Estados-Membros, garantindo uma implementação uniforme das sanções em toda a UE.
  4. Publicação e notificação: Após a adoção, as medidas são publicadas no Jornal Oficial da UE, tornando-se vinculativas e aplicáveis imediatamente. Os países terceiros, entidades e indivíduos afetados são notificados, conforme aplicável.

Este processo assegura que a imposição de sanções pela UE segue uma metodologia rigorosa, envolvendo todas as etapas desde a proposta até a implementação, garantindo que as decisões sejam tomadas com base em um consenso entre os Estados-Membros.

Análise das sanções

A UE implementou um pacote abrangente e sem precedentes de sanções contra a Rússia em resposta à guerra de agressão deste país contra a Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro de 2022, e à anexação ilegal das regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson. Essas sanções se baseiam em medidas impostas desde 2014, após a anexação da Crimeia e a não implementação dos acordos de Minsk2.

As sanções incluem medidas restritivas direcionadas (sanções individuais), sanções econômicas e medidas de visto, com o objetivo de impor consequências severas à Rússia por suas ações e efetivamente impedir sua capacidade de continuar sua agressão. As sanções individuais visam aqueles responsáveis por apoiar, financiar ou implementar ações que minam a integridade territorial, soberania e independência da Ucrânia, ou aqueles que se beneficiam de tais ações. Notavelmente, as sanções resultaram no congelamento de €21,5 bilhões de ativos dentro da UE e no bloqueio de €300 bilhões de ativos do Banco Central da Rússia na UE e nos países do G73. Todavia, a eficácia das sanções, particularmente no contexto do conflito ucraniano e mais recentemente com a adoção do 13º pacote de sanções, é um tema de intensa discussão e análise crítica.

Desde o início da aplicação das sanções pela UE, observou-se um impacto significativo na economia russa, incluindo a depreciação do rublo, o aumento da inflação e a diminuição do investimento estrangeiro direto. Apesar disso, a Rússia demonstrou uma resiliência notável, ajustando-se às condições impostas pelas sanções. A diversificação das suas rotas de exportação de petróleo e gás para países como China e Índia é um exemplo claro de como a Rússia tem buscado mitigar o impacto econômico das sanções4. Além disso, certos produtos russos, como o urânio, continuam a ser comercializados devido à dependência de países da UE e dos EUA, ilustrando as limitações das sanções enquanto ferramenta isolada de política externa5.

Por esse motivo, a UE entendeu que exisita a necessidade de aplicar medidas restritivas a essas empresas as quais contribuiam para a economia russa. Desse modo, a União Europeia concordou com um novo pacote de sanções, marcando a primeira vez que empresas chinesas e indianas foram sancionadas. O 13º pacote de sanções, que visa cerca de 200 indivíduos e entidades, destina-se a debilitar a capacidade de guerra de Putin e manter a pressão sobre o Kremlin, focando especificamente no acesso da Rússia a drones. Cabe destacar ainda que as sanções abrangem empresas localizadas não só na China e na Índia, mas também em Sri Lanka, Turquia, Tailândia, Sérvia e Cazaquistão, e são direcionadas a entidades que fornecem equipamentos, especialmente eletrônicos e microchips, usados pela Rússia na fabricação de armas e outros equipamentos militares6.

Conclusão

A implementação de sanções pela UE contra a Rússia em resposta à sua agressão contra a Ucrânia é uma demonstração da capacidade do bloco de agir diante de violações do direito internacional. O aprofundamento e a expansão das sanções ao longo do tempo refletem não apenas a gravidade da situação, mas também a determinação da UE em apoiar a Ucrânia e preservar a ordem baseada em regras internacionais.

Além disso, o processo de decisão e implementação das sanções revela a natureza complexa da política externa da UE, que exige unanimidade entre os Estados-membros. Este processo, embora desafiador, demonstra a capacidade de coesão e ação unificada do bloco, apesar das diversas perspectivas e interesses econômicos dentro da União.

No entanto, a eficácia das sanções em alcançar uma mudança de comportamento por parte da Rússia permanece um assunto de debate. Enquanto as sanções indubitavelmente impuseram custos econômicos significativos à Rússia e demonstraram o isolamento internacional do país, a capacidade de Moscou de mitigar alguns desses impactos e a complexidade de induzir mudanças em regimes autoritários colocam questões sobre a eficácia das sanções como ferramenta isolada de política externa.

Assim sendo, a inclusão de sanções a empresas de nações como China e Índia marca um novo capítulo na diplomacia europeia, evidenciando um compromisso em adaptar e intensificar as medidas restritivas conforme necessário para proteger a estabilidade e a paz global. A UE deve, portanto, continuar a explorar todas as vias diplomáticas e políticas, em coordenação com parceiros internacionais, para buscar uma solução duradoura para a crise. A combinação de pressão econômica, isolamento diplomático e engajamento político contínuo será crucial para influenciar o curso dos eventos e apoiar uma resolução pacífica do conflito na Ucrânia.

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1 Guidelines on implementation and evaluation of restrictive measures (sanctions)

2 Timeline - EU restrictive measures against Russia over Ukraine - Consilium (europa.eu)

3 EU sanctions against Russia explained - Consilium (europa.eu)

4 Russia exports almost all its oil to China and India - Novak | Reuters

5 Putin Profits Off US, European Reliance on Russian Nuclear Fuel (voanews.com)

6 EU agrees first sanctions on Chinese and Indian companies for Russia war links (ft.com)

Pedro Vitor Serodio de Abreu
LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

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