No dia 8 de fevereiro de 2023, o STF retomou o julgamento do tema 1022 de repercussão geral, cujo escopo era decidir se empregado público de estatal poderia ser demitido sem motivação.
Na sessão do dia 8 formou-se maioria no sentido de que, sim, a dispensa de empregado público de empresa pública ou de sociedade de economia mista, seja a empresa prestadora ou não de serviço público, precisa ser motivada.
Entretanto, mesmo assim, o recurso extraordinário interposto pelo empregado do Banco do Brasil foi improvido, de modo a que a tese de repercussão geral, cuja redação ainda está pendente, só teria aplicação aos casos futuros.
Abaixo vamos tratar do histórico das decisões sobre o tema tanto no TST como no STF nos últimos anos, para averiguar se, de fato, a decisão foi uma guinada inesperada ou se ela confirma uma tendência anterior.
A súmula 390 do TST
Em abril de 2005, com base em seguidas decisões que proferira em casos semelhantes, o TST, solidificando o que já sedimentara nas OJs 229 e 265 da Subseção I de Dissídios Individuais, editou a súmula 390, em cujos itens explicitava que
- O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/88.
- Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/88. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.6.01)
Portanto, para o TST, os empregados públicos, isto é, servidores contratados sob o regime celetista pela administração pública direta, autárquica e fundacional, gozam da estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição Federal.
Os empregados de empresas públicas ou de sociedades de economia mista, entretanto, mesmo quando contratados mediante concurso público, não teriam tal prerrogativa.
A lógica que regia tal entendimento é da natureza jurídica predominante em tais entes da administração pública. A administração direta, autárquica e fundacional, tem sua natureza jurídica e regramentos totalmente disciplinados pelo direito público. A excepcionalidade de contratar servidores pelo regime celetista não teria o condão de inquinar sua natureza pública.
As empresas estatais, sejam empresas públicas ou sociedades de economia mista, conquanto integrantes da administração indireta, nos termos do art. 173, § 2º da Constituição, têm natureza jurídica de direito privado, como veremos mais adiante.
Como ficará evidente, entretanto, o STF e o próprio TST passaram a criar novas camadas, a distinguir entre as estatais prestadoras de serviço público das que atuavam em concorrência no mercado.
Decisões do STF sobre os Correios
A súmula 390 do TST em sua singeleza não abordou aspecto relevante sobre o maior e menor grau de incidência de normas de direito público e privado em determinadas estatais, conforme sua atuação no mercado em sentido estrito ou prestação de serviço público constitucionalmente assegurado.
Um exemplo relevante sobre o tema é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Embora seja uma empresa pública - fato que lhe enquadraria como uma entidade regida, majoritariamente, pelo direito privado - a legislação lhe estendeu prerrogativas tipicamente da administração pública direta, autárquica e fundacional, o que colidiria com a proibição do art. 173, § 2º da Constituição Federal.
Chamado a tratar desses privilégios disciplinados pelo art. 12 do decreto-lei no 509/69, no RE 220.906, em decisão publicada no Diário de Justiça de 14/11/22, o STF decidiu que a ECT é equiparada à Fazenda Pública, aplicando-se-lhe o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, afastando, portanto, as previsões do art. 173, § 1º da Constituição Federal.1
O raciocínio delineado pelo STF no caso em apreço levou parte da doutrina e da jurisprudência a concluir que se a ECT goza de todos os privilégios tributários e processuais da fazenda pública, também deveriam seus empregados ter direito à estabilidade do art. 41 da Constituição.
É neste sentido, inclusive, o vaticínio de Celso Antônio Bandeira de MELLO, de que “não sendo ‘livre a admissão de pessoal nas entidades de Direito Privado pertencentes à Administração indireta, também não é irrestritamente livre o desligamento de seus servidores”2.
Em 2013, debruçando-se sobre o RE 589.998, a decisão do STF, no entanto, foi menos estrita. Em ementa, fica claro que os empregados da ECT não gozariam da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição, salvo aqueles admitidos antes da EC 19/98.
A decisão ficou num meio termo, aduzindo que, com fulcro nos princípios da impessoalidade e isonomia – isto é, de que o administrador público gestor da empresa não se utilize de suas funções para perseguir inimigos e favorecer aliados – a dispensa de empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços público deveria ser motivada.
A mesma ratio decidendi já inspirara o TST a modificar, em 2007, a Orientação Jurisprudencial 247 da SDI-13, acrescentando-lhe um item II, em cuja redação passou a constar a excepcionalidade da exigência de motivação na dispensa dos empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Restava saber, no entanto, se a obrigação de motivação se aplicaria também às empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividades econômicas em sentido estrito, isto é, que não prestem serviços públicos.
Em que pese a estrita redação que o STF conferiu à redação do acórdão final do RE 589.998, os votos de alguns ministros deram a entender que havia uma tendência ampliativa, isto é, de que a obrigatoriedade de motivação se aplicasse à dispensa dos empregados de todas as estatais. Essa impressão, no entanto, se esvaiu quando do julgamento dos embargos de declaração, cujo acórdão foi publicado em 5 de dezembro de 2018, deixando claro que a tese jurídica ali dizia respeito tão somente à ECT4.
A resposta definitiva sobre a questão da necessidade ou não de motivação dos empregados das estatais que desempenham atividade econômica em sentido estrito só será proferida quando do julgamento do RE 688.267, interposto por trabalhadores dispensados imotivadamente pelo Banco do Brasil, em ação que ajuizaram contra a sociedade de economia mista.
Do histórico do RE 688.267
A confusa tramitação do referido recurso extraordinário teve início em 16 de setembro de 2013, quando o saudoso ministro Teori Zavascki proferira decisão monocrática em que dava provimento ao recurso dos trabalhadores, afastando o entendimento do TST de que não haveria obrigação legal de estatal atuante no mercado de motivar a dispensa, fundamentando sua decisão no acórdão que o STF proferira no já referido RE 589.998, que tinha sido publicado a 12 de setembro daquele mesmo ano.
À decisão monocrática, o Banco interpôs agravo, cuja relatoria coube ao ministro Alexandre de Morais, após a morte do eminente ministro Teori. Em lugar de levar a relevante questão para julgamento, de modo a pacificar a celeuma jurídica tão relevante, o ministro resolveu proferir nova decisão monocrática, caçando a anterior, ao fundamento de que o acórdão prolatado ao RE 589.998, a que fizera menção o ministro Teori Zavasck em sua decisão, aplicava-se tão somente à ECT, “empresa pública que desenvolve serviço público e em regime de monopólio”
A decisão tomada no RE 688.267
Após inúmeras remarcações, o recurso extraordinário foi, finalmente, levado a julgamento na sessão do dia 8 de fevereiro, quando decidiu-se, seguindo a divergência do ministro Luís Roberto Barroso, que o empregado admitido por concurso e demitido sem justa causa tem o direito de saber o motivo do desligamento, isto é, para ter validade o ato de dispensa deveria ser motivado, como qualquer ato administrativo. A motivação, no entanto, não precisa ser uma justa causa, podendo ser outra como baixo desempenho, corte de orçamento.
De outro lado, o relator, ministro Alexandre de Moraes, cujo voto foi vencido, arguiu que as empresas estatais precisam reger-se pelo direito privado, não se lhe aplicando privilégios nem ônus inerentes à administração pública. Desta forma, na visão do ministro, a dispensa depender de motivação seria uma desvantagem das estatais em relação aos demais empregadores.
Apesar do voto vencedor acolher a tese da necessidade de motivação da demissão do empregado de empresa pública e de sociedade de economia mista, a maioria dos ministros não proveu o recurso do empregado do Banco do Brasil, de modo a modular os efeitos da decisão com repercussão geral de forma prospectiva, isto é, aplicando-se às situações posteriores ao julgamento.
Ao fim e ao cabo, a tese de repercussão geral ainda não foi fixada. É somente quando ela vier a público é que saberemos os contornos exatos da decisão, inclusive a partir de quando.
O que se pode dizer, com certeza, é que a tendência demonstrada em 2013, depois de um período de mudança brusca liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, voltou à Corte Suprema. Pena que a mudança se deu prospectivamente, deixando tantos trabalhadores injustamente demitidos de lado.
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1 STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RExt 220.906 DF. Relator Min. Maurício Corrêa, DJ. 14/11/2002.
2 MELLO, op. cit., p. 53.
3 OJ. N. 247. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE (alterada – Res. nº 143/2007) - DJ 13.11.2007
I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.
4 Embargos de declaração providos em parte para fixar a seguinte tese de julgamento: A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados, DJ. 05/12/2018