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A inadequada alteração do artigo 1.247, caput, do Código Civil, conforme proposta pela Subcomissão de Direito das Coisas

A proposta de alteração do art. 1.247 do Código Civil deve ser acatada quanto ao aprimoramento da proteção ao terceiro de boa-fé, mas rejeitada quanto à pretensão de supressão do caput do dispositivo.

22/2/2024

I. Introdução

No dia 24 de agosto de 2023, o presidente do Senado Federal instituiu uma equipe de especialistas com o objetivo de balizar o processo legislativo de modernização e alteração do Código Civil Brasileiro. A Comissão de Juristas é liderada por Luis Felipe Salomão, que ocupa o cargo de Presidente, e Marco Aurélio Bellizze, que atua como vice-presidente, ambos membros do STJ. A Relatoria Geral está sob a responsabilidade dos professores Rosa Maria Andrade Nery e Flávio Tartuce.

Para concretizar o seu objetivo, a Comissão foi dividida em nove grupos de trabalho, correspondentes aos livros do Código Civil, considerando-se a pretensão de inclusão de um novo, que versaria sobre o direito digital.

Veio a público, recentemente, o “Parecer da Subcomissão de Direito das Coisas”, disponível no sítio eletrônico do Senado Federal.1 

Conforme o texto apresentado pela referida Subcomissão, a redação do atual art. 1.247 do Código Civil sofreria sensível alteração, a abranger a completa supressão do seu caput. 

A proposta resultaria na extirpação de uma regra expressa do âmbito do Código Civil e, ainda, prejudicaria a compreensão de outra, embutida no texto excluído. Conquanto se possa sustentar a manutenção dessas regras no sistema da lei 6.015/73 (e.g., art. 212, caput e p. único), ponto que o Parecer não considerou, de toda forma a modificação se apresentaria inconveniente e prejudicial.

As pretensões do reformador, sobretudo para adaptar o Código Civil aos avanços da lei 13.097/15 (art. 54), podem ser concretizadas sem prejuízo da manutenção do atual texto do art. 1.247, caput, do mesmo diploma. De igual modo, a manutenção da redação do caput não representa qualquer antinomia perante os textos que se pretende enxertar no dispositivo.

É o que se passa a demonstrar por meio dessa sintética avaliação.

II. As alterações textuais

Para início de análise, destaque-se a comparação entre o texto atual e as sugestões de alterações contidas no Parecer, conforme segue:

III. Objetivos das alterações propostas

Pelo simples cotejo entre o texto em vigor e as alterações pretendidas, percebe-se que a preocupação da reforma consiste em adaptar o disposto no art. 1.247 do Código Civil à situação do terceiro de boa-fé. Principalmente para a harmonização do texto aos avanços estabelecidos pelas regras heterotópicas previstas no art. 54 da lei 13.097/15:

“Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

  1. registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
  2. averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos no art. 828 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC);
  3. averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
  4. averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do caput do art. 792 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC).”

§ 1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

§ 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas: (Incluído pela lei 14.382/22)

  1. a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da lei 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e  
  2. a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.”

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1 Disponível em:  https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/2ac3d136-b090-4029-a52e-cda01968f316

Marco Paulo Denucci Di Spirito
Defensor público em Minas Gerais, graduado em Direito pela UFMG e membro da Associação Brasileira de Direito Processual - ABDPro, com especial interesse em Direito Privado e Processo Civil.

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