Com o desenvolvimento da aviação civil e a natural diferença de tratamento jurídico para o setor em cada país, surgiu a necessidade de se criar um amparo legal, a ser aplicado internacionalmente, para dirimir eventuais problemas decorrentes dessa atividade. Dessa forma, em 1929 foi elaborada a Convenção de Varsóvia, ratificada no Brasil pelo decreto 20.704, de 24 de novembro de 1931. Esta Convenção tem o escopo de unificar algumas regras relativas ao transporte aéreo internacional. Nessa esteira, a Convenção de Montreal, celebrada em 28 de maio de 1999 e ratificada no Brasil por meio do decreto 5.910, regulamenta a responsabilidade das companhias aéreas em casos de danos a passageiros no transporte aéreo internacional.
No Brasil, podemos apontar as seguintes legislações que podem ser aplicadas às atividades aeronáuticas: (I) A lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica); (ii) lei 10.409, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); (iii) lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC); (iv) lei 11.182, de 27 de setembro de 2005 (Agência Nacional de Aviação Civil), além das convenções anteriormente mencionadas, quais sejam, Convenções de Varsóvia e Montreal.
Diante desse cenário, indaga-se: qual a responsabilidade das companhias aéreas pelo extravio de bagagens dos passageiros? Para responder a essa questão, primeiro, aponta-se que existe uma diferença na obrigação de indenizar, conforme o voo tenha sido realizado em território nacional ou internacional.
No Brasil, os contratos de transportes aéreos são abarcados pelo Código Civil, mais especificamente em seu artigo 730. Ainda, a compra e venda de passagens aéreas se enquadra também nos moldes de uma relação de consumo, pois se trata de um negócio jurídico bilateral, consensual e oneroso, em que a companhia se obriga habitualmente a transportar pessoas ou mercadorias. De acordo com o CDC, os danos causados aos consumidores devem ser integralmente reparados pelo fornecedor. Diante disso, o extravio de bagagens em voos nacionais deve ser reparado em conformidade com a extensão do dano moral e/ou material sofrido.
Por outro lado, para voos internacionais, a princípio, aplica-se a Convenção de Montreal, a qual estabelece que, nos casos em que houver prejuízo ao passageiro em decorrência de destruição, perda ou extravio de mercadoria e/ou bagagens, ou até mesmo o atraso, haverá a obrigação da empresa aérea de reparar o dano. Contudo, existem limitações pré-estabelecidas quanto ao montante dessa indenização.
Não obstante, mesmo para o caso de voos internacionais, os tribunais brasileiros fazem uma segunda distinção importante. As normas que devem prevalecer para resolver os danos decorrentes de extravio de bagagens em voos internacionais variam conforme a natureza desse dano: material ou moral.
Em 2017, o STF, em julgamentos conjunto do RE 636.331 e ARE 766.618, decidiu que questões ligadas à indenização em transporte aéreo internacional e ao respectivo prazo prescricional para ajuizar a ação deverão ser solucionados à luz da Convenção de Varsóvia, em prejuízo do CDC. Em ambos os casos ficou evidenciada uma controvérsia, que se resume sobre qual norma deverá ser aplicada nos casos de conflitos oriundos da relação de consumo no transporte aéreo internacional. Nos dois casos solucionados pelo STF e citados acima, ficou decidido que, nos moldes do artigo 178 da Constituição Federal de 1988, deverão ser obedecidos os acordos internacionais que versam sobre transporte aéreo. Isto é, em um conflito entre a proteção do consumidor elencada no artigo 5º, XXXII e o artigo 178 da Constituição Federal, o segundo prevalecerá.
No RE 636.331, ajuizado por uma companhia aérea francesa, ocorreu uma redução sobre o valor de indenização pedido anteriormente pela parte autora, aplicando-se o artigo 22 da Convenção de Varsóvia. Essa mesma norma foi aplicada no ARE 766.618, decorrente de ação que fora ajuizada contra outra companhia aérea do Canadá, em que a parte autora pleiteou danos morais decorrentes de atraso de 12 horas em voo internacional. Nesse caso, foi determinado que o prazo prescricional aplicável seria de 2 anos, conforme previsto na Convenção internacional, decisão esta que deu origem ao Tema 210 da Suprema Corte.
Desta forma, destaca-se que o STF nestes casos tratou sobre os limites de indenização acerca dos danos materiais causados pelas empresas e dos prazos prescricionais para propositura de ações indenizatórias. Ocorre que em 2022 houve uma importante atualização sobre o Tema 210. No RE 1.394.401, uma companhia de transporte aéreo alemã recorreu contra um acórdão que aplicou o CDC, e não a Convenção de Varsóvia, para condená-la ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude de atraso do voo e extravio de bagagem de uma passageira. O Pleno, por unanimidade, entendeu que os danos morais pretendidos pela autora não se submeteriam ao teto indenizatório presente na Convenção Internacional, devendo ser aplicado ao presente caso, o CDC. Por meio desse julgado, firmou-se a tese do Tema de repercussão geral 1.240, que afasta a aplicação das convenções internacionais quando a lide versa sobre danos morais, dizendo: "Não se aplicam as Convenções de Varsóvia e Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional."
Imperioso destacar que a abordagem explanada no presente artigo visa demonstrar a diferença entre indenizações de cunho patrimonial e moral em relação ao extravio de bagagem e/ou atrasos em voos internacionais ou nacionais. O entendimento da reparação integral sob a égide do CDC permanece válido e se aplica integralmente aos danos materiais e morais ocorridos em voos nacionais, não se sujeitando a nenhuma das distinções acima tratadas, que são pertinentes apenas para os voos internacionais. Por outro lado, nas ações que versem sobre danos materiais em âmbito internacional serão aplicadas as Convenções de Varsóvia e Montreal. Já as ações que visam a reparação de danos morais decorrentes de voos internacionais, conforme atual entendimento do STF, não estarão submetidas à limitação prevista nessas Convenções, devendo ser observada, em regra, a reparação integral do consumidor, além de ser respeitado o prazo prescricional de cinco anos, nos moldes dos artigos 14 e 27 do CDC.