1. Considerações iniciais
Com a intensificação das revoluções tecnológicas, em especial durante a Terceira Revolução Industrial, os meios técnico-científicos-informacionais alçaram-se à condição de protagonistas das sociedades modernas.
Findada a segunda Guerra Mundial, as duas potências que emergiram à época promoveram uma incessante competição no aprimoramento das tecnologias de comunicação e informação, tendo em vista que o sucesso nessa área representaria ganho de poder político e de possibilidade de expansão das áreas de influência. Diante desse cenário, em 1969, é inventada a Internet, que desde então tem intensificado seu processo de popularização.
O processo de evolução tecnológica, aliado à democratização do acesso às tecnologias informacionais, tornou-se berço esplêndido para a veiculação de discursos antidemocráticos e a disseminação das chamadas fake news, sobretudo nos períodos antecedentes às eleições.
Embora a Internet tenha democratizado o exercício da liberdade de expressão e, com isso, facilitado a propagação de movimentos contrários a regimes totalitários, a exemplo do ocorrido durante a Primavera Árabe, possibilitado a participação política de grupos marginalizados socioeconomicamente e aperfeiçoado as relações econômicas diante do processo de globalização, de igual forma, sua popularização também facilitou sua utilização criminosa a pretexto do exercício da liberdade de expressão.
É evidente, portanto, a constante tensão que permeia o ambiente virtual. Inseridos num contexto de anonimato, confrontam-se o direito fundamental de liberdade de expressão e a necessidade de resguardo de princípios e valores democráticos, cujos reflexos incidem frontalmente sobre o processo eleitoral brasileiro, corolário do Estado de Direito, mesmo em momento anterior ao do lançamento das candidaturas.
No entanto, a despeito disso, fato é que a fiscalização e a responsabilização por tais condutas não tem sido eficiente e capaz de conter sua disseminação nos servidores virtuais.
A bem da verdade, referida tensão encontra-se pacificada há décadas, tendo em vista que a doutrina é uníssona em reconhecer a relatividade dos direitos fundamentais, nem sempre são absolutos, sobretudo quando se está diante de princípios basilares do Estado Democrático de Direito e da própria ordem e estrutura políticas fundadas pela Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, Konrad Hesse1, brilhante jurista alemão do século passado, é sintético em afirmar que “a limitação dos direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada a produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é tutelada”1, entendimento que encontrou guarida pelo STF2, e que deve ser aplicada à necessidade de preservação das instituições e do processo eleitoral democráticos.
A consolidação da Internet na contemporaneidade, em última instância, desafia as próprias bases sobre as quais se assentou o Direito Eleitoral, tendo em vista que passou a ser diretamente confrontado pela possibilidade de cometimento de ilícitos eleitorais em localidades desconhecidas e pela utilização de perfis anônimos, mas que produzem efeitos muito mais nocivos do que as tradicionais formas de disseminação de ideias políticos no curso do período antecedente às eleições.
Diante da difusão dos meios de comunicação, as formas de interação entre os candidatos e seus eleitores tornou-se mais presente e, no mesmo sentido, também surgiram novas possibilidades de aliciamento e de bombardeamento de informações falsas e enviesadas para públicos-alvo passíveis de serem convencidos, sobretudo quando a tentativa é feita mediante o método de disseminação de fake news.
Neste ano de 2024, serão realizadas ao redor de todo o país as eleições para prefeitos e vereadores. Os dias que antecedem as eleições, para grande parte da população brasileira, representam a quase totalidade dos esforços empregados por candidatos e seus apoiadores.
Contudo, é necessário observar que, para a Justiça Eleitoral, os meses que antecedem a eleição são objeto de estudo e de estratégias prévias ao próprio período de campanha eleitoral, tendo em vista que busca-se antever práticas ilícitas e negativas à lisura do sistema.
- Confira aqui a íntegra do artigo.
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1 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 256. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998.
2 "Os direitos e as garantias individuais não têm caráter absoluto”. RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20.