Migalhas de Peso

Novas regras para bulas dos medicamentos genéricos e similares (skinny labeling)

Como funcionará a implementação da prática do skinny labeling no Brasil.

21/2/2024

Por meio da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 831/23, que entrou em vigor em 6/2/24, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa aprovou a modificação do art. 14 da RDC 47/091, que previa que os medicamentos genéricos e similares deveriam adotar as bulas dos medicamentos de referência (“Bulas Padrão”). 

Antes da entrada em vigor da RDC em questão, as bulas dos medicamentos genéricos e similares não podiam diferir das Bulas Padrão com relação aos princípios ativos, concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica, e podiam diferenciar-se apenas com relação ao tamanho, forma, prazo de validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos.

Com a modificação estabelecida pela RDC, as empresas de genéricos e similares poderão se valer da prática do skinny labeling, que nada mais é do que a supressão, nas bulas de medicamentos genéricos e similares, das indicações terapêuticas protegidas por patentes de segundo uso, incluindo concentração, posologia e demais informações atreladas a tais indicações terapêuticas.

Essa prática já vem sendo adotada na Europa e nos EUA e, para os seus defensores, ela visa permitir um maior acesso a medicamentos sem que haja infração a direitos de patentes. Isso porque, a patente de segundo uso não deve ser entendida como uma prorrogação das patentes anteriores já expiradas e, portanto, não deveria haver a obrigatoriedade de as bulas dos medicamentos genéricos e similares trazerem os novos usos, justamente em razão da situação patentária do momento. 

Todavia, o assunto tem gerado bastante controvérsia entre os envolvidos, pois os opositores ao skinny labeling alegam que há sim infração a direitos de patentes, já que (i) os consumidores (e até mesmo os órgãos do Poder Público) poderão adquirir os medicamentos genéricos e similares para a indicação terapêutica protegida por patente, em razão do menor preço, (ii) poderá haver um aumento de prescrição off-label dos medicamentos genéricos e similares para a indicação terapêutica protegida por patente de segundo uso, e (iii) a prática em questão estaria em desacordo com a lei 6.360/762, que dispõe que os medicamentos genéricos e similares devem conter os mesmos princípios ativos, concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica dos medicamentos de referência, ou seja, devem ser espelhos dos medicamentos de referência.

Sendo assim, a partir de agora, nos resta (i) observar o comportamento das empresas de genéricos e similares e do mercado consumidor, (ii) aguardar a consolidação da jurisprudência acerca do assunto, já que, nos casos concretos, devem ser avaliados outros aspectos das estratégias empresariais além da prática do skinny labeling por si só, para que haja configuração de infração patentária, e (iii) avaliar a necessidade de alteração da lei 6.360/76, para retratar o cenário atual da constituição das bulas dos medicamentos genéricos e similares.

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1 Art. 4º Para efeito deste Regulamento Técnico são adotadas as seguintes definições: (...) VII – (..) Para os medicamentos genéricos e similares, as Bulas Padrão são as bulas dos medicamentos eleitos como medicamentos de referência;

Art. 14. Para os medicamentos específicos que não possuírem Bula Padrão publicada no Bulário Eletrônico, suas bulas devem ser elaboradas pelas empresas para cada produto obedecendo ao disposto nesta resolução, quanto à forma e conteúdo.

2 Art. 3º - Para os efeitos desta Lei, além das definições estabelecidas nos incisos I, II, III, IV, V e VII do Art. 4º da Lei nº  5.991, de 17 de dezembro de 1973, são adotadas as seguintes: (...) XX - Medicamento Similar – aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios ativos, que apresenta a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica e que é equivalente ao medicamento registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, podendo diferir somente em características relativas ao tamanho e forma do produto, prazo de validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, devendo sempre ser identificado por nome comercial ou marca; XXI – Medicamento Genérico – medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável.

Jacques Labrunie
Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, 1985. Mestre em Direito pela Université de Droit de Paris II (Panthéon/Assas), França, 1988. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), São Paulo, 1998. Professor Assistente Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo nos cursos de graduação e pós-graduação. Professor convidado de diversos cursos de pós-graduação lato sensu. Membro do Conselho Diretor da ABPI - Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Especialista da Câmara de Nomes de Domínio do Centro de Solução de Disputas da ABPI.

Natália Maranhão
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2009. Pós-graduada em Propriedade Intelectual pela Fundação Getulio Vargas (FGV), São Paulo, 2013. Pós-graduada em Branding e Marketing pela Business School São Paulo (BSP), São Paulo, 2017. Sócia do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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