O presente artigo tem por objetivo lançar luzes sobre um tema de extrema relevância para as contratações do serviço de publicidade pela Administração Pública: a necessidade de se manter o mesmo número de agências contratadas ao longo da exato contratual em observância ao quanto disposto no instrumento convocatório que deu início ao processo licitatório.
Objetiva-se, assim, examinar as implicações do princípio da vinculação ao instrumento convocatório e sua a incidência em hipóteses em que, por razões externas aos contratantes, uma das agências contratadas pela Administração Pública não teve o seu contrato renovado ou foi penalizada com rescisão antecipada.
Pois bem. O princípio da vinculação ao edital, enraizado no nosso sistema jurídico desde a lei 8.666/93, é um pilar da legalidade nas licitações, assegurando que todos os participantes, tanto a administração quanto os licitantes, adiram às regras estabelecidas no edital e seus anexos. A lei 14.133/21, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos, reitera e amplia esse princípio, destacando a importância da transparência e da isonomia no processo de contratação pública. Este princípio assegura que a Administração Pública não apenas siga a legislação, mas também os critérios específicos que ela mesma estabeleceu para o certame em questão.
A dinâmica temporal do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, a seu turno, desempenha um papel crucial no processo licitatório, estabelecendo um marco legal e procedural desde a concepção até a conclusão do contrato administrativo. Este princípio, fundamental na governança das licitações públicas, inicia sua aplicabilidade com a publicação do edital, momento em que as regras e condições do certame se tornam públicas e vinculativas tanto para a administração quanto para os participantes.
Antes da publicação do edital, durante a fase preparatória do processo licitatório, a administração pública detém ampla liberdade para definir as regras e diretrizes que irão orientar o processo. Nesse estágio, há uma margem significativa para ajustes, revisões e definições estratégicas, permitindo que o órgão licitante refine os objetivos do certame, estabeleça critérios de seleção, e identifique as necessidades específicas que o contrato pretende satisfazer. Essa liberdade é essencial para que a Administração Pública possa desenhar um processo licitatório que não apenas atenda às suas necessidades imediatas, mas que também promova a eficiência, a competitividade e a transparência.
Com a publicação do edital, a fase de liberdade administrativa cede espaço para a estrita observância do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Esse momento marca uma transição significativa na gestão do processo licitatório, estabelecendo um compromisso irrevogável com as regras, critérios e condições anunciados. A partir desse ponto, qualquer alteração nas regras estabelecidas no edital exige procedimentos formais de retificação, os quais devem ser devidamente comunicados a todos os participantes, garantindo a manutenção da igualdade de condições e da transparência do processo.
A obrigação de seguir as estipulações do edital não se encerra com a seleção dos vencedores ou mesmo com a formalização do contrato; pelo contrário, estende-se por toda a execução contratual. Isso significa que as disposições do edital, incluindo aquelas relativas ao escopo do serviço, aos critérios de qualidade, ao prazo de entrega, e, de maneira relevante para contratos de publicidade, ao número de agências a serem contratadas, continuam a influenciar e a regular as relações entre as partes.
No caso específico dos serviços de publicidade e propaganda, a exigência de manter o número de agências definido no edital ao longo do contrato, inclusive anos após sua execução, exemplifica a persistência e a relevância do princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Explica-se melhor esse permissivo legal em relação à possibilidade de a Administração Pública contratar mais de uma agência.
O §3º do artigo 2º da lei 12.232/10 abre a possibilidade para a Administração Pública contratar mais de uma agência de publicidade, desde que justificado nos documentos preparatórios do processo licitatório e sem que ocorra a divisão do objeto em itens ou contas publicitárias distintas. Essa flexibilidade legislativa visa enriquecer o espectro de serviços de comunicação disponíveis para o governo, permitindo uma abordagem mais diversificada e eficiente em termos de estratégias de publicidade e propaganda.
Consideremos uma situação ilustrativa, onde um órgão ou entidade pública, após devida justificação no processo de planejamento, decide contratar 4 agências de publicidade para atender suas demandas de forma abrangente. Essa decisão, baseada em critérios claros e objetivos, reflete a busca por uma proposta mais vantajosa que, segundo o entendimento do órgão, seria melhor alcançada pela combinação das competências e abordagens distintas dessas agências, que, concorrendo entre si durante a execução contratual, poderiam entregar uma melhor prestação de serviço, uma melhor qualidade na ideia criativa etc. para o órgão ou entidade pública contratante.
Durante a execução do contrato, se uma das agências contratadas deixa de cumprir suas obrigações - seja por infrações contratuais que levem à rescisão do contrato, seja por uma rescisão consensual - a Administração Pública enfrenta o desafio de manter a integridade da estratégia originalmente planejada.
Nesse momento, a Administração deve convocar a próxima agência classificada no processo licitatório, respeitando a ordem de classificação estabelecida. Essa ação não apenas assegura a continuidade dos serviços de publicidade conforme planejado, mas também mantém a conformidade com o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, reiterando o compromisso com as disposições editalícias originais.
A necessidade de manter o número de agências estipulado no edital, mesmo anos após a execução do contrato, destaca a importância da estabilidade e previsibilidade no cumprimento dos termos contratuais. A disposição editalícia que determina a contratação de múltiplas agências não é apenas uma questão de formalidade, mas um elemento crucial na estratégia de comunicação do órgão ou entidade pública contratante, visando maximizar a eficácia e a cobertura das campanhas publicitárias. Ignorar ou desviar-se dessa disposição significaria comprometer os princípios que guiaram a seleção das propostas, potencialmente prejudicando o interesse público e violando o princípio dos motivos determinantes.
A prática de contratar múltiplas agências de publicidade, conforme facilitado pela lei 12.232/10, reflete um esforço consciente da Administração Pública em diversificar suas estratégias de comunicação e maximizar o impacto de suas campanhas. O exemplo citado acima ilustra não apenas a aplicabilidade do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas também a importância de aderir aos critérios estabelecidos no edital ao longo da execução contratual. Tal aderência é fundamental para garantir a transparência, a eficiência e a integridade do processo licitatório, bem como para assegurar que os objetivos de comunicação do órgão licitante sejam alcançados de maneira eficaz e conforme planejado inicialmente.
Em relação a essa temática, já encontramos no âmbito do Poder Judiciário diversas decisões que sinalizam a necessidade de se observar o princípio da vinculação ao instrumento convocatório e a obrigatoriedade de contratar as agências classificadas quando houver o encerramento prematuro do contrato de uma ou mais contratadas:
No caso presente, vincula-se o administrador ao próprio instrumento editalício, assim como se apresenta vinculado às decisões forem tomadas e aos motivos que as subsidiaram (Teoria dos Motivos Determinantes).
Com efeito, os dispositivos do edital não podem ser interpretados isoladamente, sob pena de carecerem de sentido lógico.
Assim, quando a administração resolveu, por expressa disposição do edital, selecionar 4 empresas, certificou também para o futuro que esse era o número que considerava adequado no regime de contratação submetida à disputa.
Não há dúvida, portanto, de que onde se registra a possibilidade de contratação das demais empresas classificadas - em caso de exclusão de uma das quatro contratadas -, obviamente, deve-se ler que a Administração tenha obrigação de contratar novo parceiro para, sempre e sempre, manter o número inicial por ela mesma (Administração) considerado ideal. (Decisão monocrática no AGI 1001539-914.2015.4.01.000, Des. Néviton Guedes, TRF 1ª Região)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. LEI Nº 12.232/2010. PROVIMENTO.
- Neste mandado de segurança, a parte impetrante requer ordem, a fim de compelir a autoridade coatora a promover sua convocação e contratação, na condição de substituta da agência Borghi Lowe Propaganda e Marketing Ltda, em razão da não renovação do contrato derivado da Concorrência AA 1/14- BNDES, requerendo, em caráter subsidiário, a suspensão da execução de todos os contratos em curso em decorrência do processo licitatório Concorrência AA 1/14- BNDES.
- A redução do número de 3 para 2 agências, por restringir a competitividade entre elas quando da ocorrência da seleção interna para execução de ação de comunicação publicitária (§4º do art. 2º da lei 12.232/10), contraria o princípio da seleção da proposta mais vantajosa para a administração que se encontra plasmado no caput do artigo 3º da lei 8.666/93.
- Ao estabelecer no item 3.1 do Edital de Concorrência AA 1/14 – BNDES que o objeto do certame é a contratação de 03 agências de propaganda para a prestação de serviços de publicidade ao BNDES à BNDES PARTICIPAÇÕES S.A – BNDESPAR, à Agência Especial de Financiamento Industrial – FINAME e relacionados ao Fundo Amazônia, a empresa pública licitante vinculou-se à obrigatoriedade de manter a contratação de 03 agências de propaganda para a prestação de serviço descrito na regra editalícia em destaque.
- O espírito da lei 12.232/10 foi o de evitar a ocorrência de fraudes nas contratações do serviço de publicidade pelos entes públicos, seja dotando o procedimento licitatório de normas específicas, seja através de realização de concorrências internas, a serem travadas entre as agências que logram êxito em firmar contratos de publicidade com a Administração Pública.
- Apelação provida. (Acórdão proferido na Apelação Cível nº 0094781-83.2016.4.02.5101, TRF 2ª, Turma Especializada III, Des. Relator Ricardo Perlingeiro) – os negritos são nossos
A aplicação prática do princípio da vinculação ao instrumento convocatório em contratos de publicidade e propaganda destaca a importância de uma gestão contratual atenta e proativa, capaz de assegurar o cumprimento contínuo das condições estabelecidas no início do certame. A manutenção do número de agências estipulado no edital, por exemplo, não apenas cumpre uma obrigação legal, mas também reflete um compromisso com a pluralidade de perspectivas e a qualidade do serviço contratado. Esse aspecto é particularmente relevante em contratos de longa duração, onde mudanças no mercado, nas tecnologias de comunicação e nas estratégias de marketing podem desafiar a aderência às condições originalmente estabelecidas.
Por fim, ainda em relação à licitação dos serviços de publicidade, o artigo 13 da lei 12.232/10 dispõe expressamente acerca do efeito vinculante do instrumento convocatório nos seguintes termos: “A definição do objeto do contrato de serviços previstos nesta Lei e das cláusulas que o integram dar-se-á em estrita vinculação ao estabelecido no instrumento convocatório da licitação e aos termos da legislação em vigor”.