Por que alguns presos têm direito à chamada saidinha de final de ano? Qual é o tamanho do risco para a população quando elas ocorrem? Por que oferecer esse “benefício” num país que não aguenta mais tanta violência?
Essas são perguntas que muitas pessoas costumam se fazer quando, próximo aos feriados mais significativos, começam a circular, nas redes sociais, notícias a respeito do assunto. O tema ganhou força no início do ano, na esteira da morte do policial militar mineiro Roger Dias da Cunha, depois que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu dar celeridade ao projeto de lei relatado pelo senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) que pretende revogar esse instrumento, previsto na Lei de Execução Penal aos presos em regime semiaberto com bom comportamento. Na última quarta-feira, 07 de fevereiro, um requerimento de urgência foi aprovado pelo Senado e a expectativa é a de que o projeto seja votado após o recesso de carnaval.
É evidente que devemos lamentar o crime ocorrido em Minas Gerais, assim como qualquer caso de morte violenta. Mas usar casos pontuais para justificar a revogação de um dispositivo tão importante, capaz de alcançar, de maneira eficaz, um contingente tão significativo de pessoas, conferindo mais instrumentos às autoridades para avaliarem o grau de comprometimento do apenado, não nos parece a decisão mais acertada.
Para se ter uma ideia do volume de pessoas abordadas pelo nosso sistema, dados compilados pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD vai à Corte Interamericana por critérios claros para abordagem policial no Brasil, publicado em 1 de junho de 2020) apontam que, entre 2015 e 2019, quase 79 milhões de pessoas foram abordadas pela polícia somente no estado de São Paulo, onde vivem 44,4 milhões de habitantes. Sem adentrar aos critérios para essas abordagens, esses dados indicam o tamanho do nosso sistema. Estamos falando de milhões de pessoas.
Nas chamadas saidinhas, o volume de beneficiários gira em patamares infinitamente menores. Entre o Natal e o Ano Novo, 34.547 mil presos deixaram os presídios beneficiados pelo dispositivo. Desses, 1.566 não retornaram ao sistema prisional, o equivalente a 4,5%. A taxa de evasão foi a segunda menor dos últimos seis anos, segundo dados divulgados pela imprensa.
Ao contrário do que se pensa, o real benefício das saidinhas não se destina somente ao preso, mas ao sistema. E isso tem sido pouco divulgado.
Em todos os sistemas há instrumentos de antecipação da liberdade de pessoas condenadas como forma de avaliar o grau de comprometimento com as regras impostas e a saidinha é um importante mecanismo destinado a isso. A saidinha, portanto, não é favor nenhum, mas um instrumento jurídico destinado também às autoridades, ao Juiz de Direito, ao Ministério Público e à direção da unidade prisional, para avaliarem o grau de comprometimento do apenado, verificando se este está apto a retornar à liberdade plena. Afinal, quem, que não tivesse um altíssimo grau de comprometimento, voltaria voluntariamente a unidades prisionais que são verdadeiras masmorras? Acabar com a saidinha é acabar com esse potente instrumento de execução penal, algo que somente se justifica pela retórica e não pelos dados.
Vozes que pregam o tal endurecimento penal ignoram completamente a realidade.
Em todas as partes do mundo pessoas são presas e são soltas todos os dias, pois é assim que funciona o sistema jurídico penal desde o final da Revolução Francesa, ou seja, desde que os suplícios, os rituais em praças públicas, foram abolidos, algo que veio junto com o final do absolutismo e a instalação gradativa dos regimes republicanos.
É claro que esse sistema pode ser questionado, devendo ser aprimorado, mas com dados, em bases científicas, e não por mera retórica, com efeito, o sistema jurídico criminal é instrumento à disposição da sociedade, que deve ser eficaz.
O que precisamos é de uma política pública criminal consistente, baseada em um projeto idôneo de política pública, o que vai na contramão de decisões políticas populistas, que só geram efeitos para fins eleitorais.
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*Artigo publicado originalmente no domingo, dia 11 de fevereiro de 2024, no Estadão.