O desenvolvimento tecnológico e a intensificação do uso da internet impactaram significativamente a vida em sociedade, inclusive na forma como as pessoas fazem negócios. Em 2022, o faturamento do e-commerce brasileiro alcançou a margem de R$ 169.6 bilhões de reais e, consequentemente, experimentou-se expressiva mudança na conjuntura concorrencial.
É a partir desse cenário que se desenvolvem diversas formas de publicidade online para impulsionar e dar visibilidade às vendas, dentre as quais o uso de links patrocinados.
Links patrocinados, em termos gerais, são um meio de publicidade online constituído pela “compra” de palavras específicas para condicionar os resultados pagos dos sites de busca e, principalmente, colocá-los em evidência, ocasião na qual estarão sinalizados com os termos “patrocinado” ou “anúncio”.
Assim, quando um usuário pesquisa pela palavra “adquirida", o link de quem a “adquiriu” aparece no topo dos resultados da pesquisa, aumentando assim as chances deste ser acessado.
Cada buscador possui seu próprio modelo de negócios relacionado à venda destas palavras, chamadas popularmente de palavras-chaves. O formato atualmente adotado pela plataforma Google, em sua plataforma Google Ads, é o de custo-por-clique (CPC), no qual o contratante só paga pelos cliques efetivamente realizados em seu anúncio. Importante notar que o volume de cliques recebido influencia, também, no valor da palavra-chave vinculada ao anúncio. Ou seja, quanto mais atraente o termo “adquirido”, mais cliques ele proporcionará e, assim, mais cara será sua “aquisição”, resultando em mais lucro para a plataforma de busca.
O uso destas palavras-chaves já resultou em inúmeras disputas judiciais, na medida em que contratantes passaram a “adquirir” como palavras-chaves as marcas registradas de terceiros, por vezes até mesmo de empresas concorrentes, especialmente aquelas mais conhecidas, buscando pegar carona no alto fluxo de pesquisa por estas marcas.
Por certo que o Poder Judiciário precisou se manifestar a respeito da mencionada prática, firmando jurisprudência no sentido de que tal prática é ilegal, constituindo violação da marca de terceiro e prática de concorrência desleal.
O tema já foi discutido pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu repetidas vezes que “a contratação de links patrocinados, em regra, caracteriza concorrência desleal quando: (i) a ferramenta Google Ads é utilizada para a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada ou a nome empresarial; (ii) o titular da marca ou do nome e o adquirente da palavra-chave atuam no mesmo ramo de negócio (concorrentes), oferecendo serviços e produtos tidos por semelhantes, e (iii) o uso da palavra-chave é suscetível de violar as funções identificadora e de investimento da marca e do nome empresarial adquiridos como palavra-chave.”
Leia-se: a compra de palavra-chave correspondente a marca registrada de terceiro constitui ato de concorrência desleal pelo risco de desvio de cliente de forma fraudulenta.
Todavia, dado o conteúdo do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê que “o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”, provedores de aplicação de internet, a exemplo do Google no caso da plataforma Google Ads, não podem ser responsabilizados civilmente pelas infrações cometidas por terceiros através de suas ferramentas sem que haja ordem judicial anteriormente expedida.
Dentro deste contexto, cumpre analisar as estratégias de marketing veiculadas pelas plataformas do Google. Estas recebem o nome de “campanha” e, de acordo com a empresa, uma campanha é definida enquanto “um conjunto de grupos de anúncios (anúncios, palavras-chave e lances) que compartilham um orçamento, uma segmentação por local e outras configurações”.
Além da “aquisição” de palavras-chaves, recentemente foi disponibilizado ao contratante a opção de fortalecer sua campanha, optando pela ferramenta Performance Max.
Com efeito, a campanha Performance Max - ou de “Maior Desempenho” - é uma nova ferramenta disponibilizada pela plataforma Google Ads que busca impulsionar o alcance e atuação na contratação de links patrocinados perante todos os canais de publicidade do Google (Search, YouTube, Display, Discover, Gmail e Maps), através de uma única campanha baseada no sistema de metas e da utilização de tecnologias de inteligência artificial em lances por palavras-chave.
A campanha Performance Max, portanto, se coloca enquanto facilitador para os contratantes dos serviços do Google Ads e, dentre as funcionalidades apresentadas pela modalidade, está a apresentação de sugestões de palavras-chave que possuem maior probabilidade de expandir o alcance dos anúncios.
Conclui-se, portanto, que, quando contratada, o algoritmo do mecanismo de busca seleciona as principais palavras-chaves a serem utilizadas pelo contratante, a fim de ampliar o número de acessos alcançado.
Ocorre que, dentre os termos sugeridos pelo Google através da campanha, tem-se constatado a presença palavras que constituem marcas registradas de titularidade de terceiros, selecionadas automaticamente pela plataforma, sem que o contratante seja informado da inclusão destas.
A solução encontrada para que marca de terceiros não sejam incluídas em campanhas é a negativação ativa destes termos, exigindo, assim, que o contratante indique individualmente as marcas não deseja infringir, pois, a depender do algoritmo/inteligência artificial da plataforma, estas serão deliberadamente utilizadas, podendo ocasionar, até mesmo, a eventual responsabilização civil das contratantes, nos termos da jurisprudência dominante.
Diante disso, tendo em vista que a principal justificativa para a limitação da responsabilidade de provedores está na ausência de controle quanto às infrações cometidas e a impossibilidade de fiscalização integral de todos os usuários da plataforma, surge a questão: poderia o comportamento ativo do Google, incluindo por conta própria as marcas registradas de terceiros como palavras-chave na campanha de empresas concorrentes, justificar a flexibilização da aplicação do artigo 19 do MCI e sua consequente responsabilização objetiva pela prática?
Ainda, considerando que a indicação por parte da plataforma de termos semelhantes à contratantes distintos, incluindo marcas registradas, acarretaria no aumento do valor das palavras-chaves, seria possível afirmar que estas indicações tem o condão de proporcionar maior retorno nas buscas e, consequentemente, ensejar ganho monetário do Google através de atos de concorrência desleal, infração marcária e desvio de clientela?
Fato é que, empresas que aderiram à campanha Performance Max já estão sendo acionadas extrajudicialmente pelas suas concorrentes, acusadas de uso indevido das marcas registradas em suas campanhas.
Não se pode negar, as implicações a longo prazo desta prática são complexas e, dada as suas consequências, certamente necessitam não só de uma análise mais profunda dos tribunais pátrios, mas também de melhores definições quanto aos contornos do conceito de provedor de aplicação de internet, porquanto a ação deliberada da plataforma pode abrir espaço para novas discussões acerca dos limites da sua responsabilidade e flexibilização do emprego do artigo 19 do MCI.