A teoria do Labeling Approach emerge no final da década de 1950 e início da década de 1960 nos EUA, com destacados representantes como Erving Goffman e Howard Becker, vinculados à Escola de Chicago. Após a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA ascenderam ao status de grande potência mundial, surgiu um período crucial no final da década de 1950 e início da década de 1960. Esse momento foi marcado pela divisão global em blocos, com a clara separação entre os sistemas capitalista e socialista, semeando as sementes para o posterior desencadeamento da Guerra Fria. Enquanto os EUA enfrentavam desafios internos, os movimentos das minorias, com negros lutando por igualdade, os movimentos estudantis em busca de igualdade civil e a luta contra a discriminação sexual emergiam como importantes questões sociais.
Como resultado do surgimento desses novos conflitos sociais, surgiu a necessidade de um novo paradigma criminológico. Isso foi impulsionado pelo conceito emergente de "desvio social", abrangendo todas as condutas que não se alinhavam com as definições legais, sociais ou psiquiátricas preexistentes.
A Teoria do Labeling Approach surge no contexto desses conflitos. Essa abordagem se destaca como uma das teorias de conflitos mais significativas, introduzindo um novo paradigma criminológico que direciona sua análise para o sistema penal e o fenômeno de controle. Essa teoria, também conhecida como teoria do etiquetamento, foi profundamente influenciada pelo interacionismo simbólico, uma corrente sociológica que argumenta que a realidade humana é mais moldada pela interpretação coletiva dos eventos do que pelos próprios fatos. Isso implica, entre outras coisas, que um comportamento só será considerado criminoso se os mecanismos de controle social estiverem inclinados a rotulá-lo como tal. Inicia-se a observação não apenas do aspecto individual, mas sim do indivíduo como parte de uma sociedade, de um grupo, analisando as condutas desviantes ou criminais. A partir dessas condutas, são atribuídos rótulos ou etiquetas por meio de complexos processos de interação social.
Presente na linguagem, vestuário, cabelo, religião, música e cultura, o etiquetamento social no Brasil não se restringe apenas a atos tipificados pelo direito penal. Inclui também a simples rotulação, capaz de expor aos olhos do Estado grupos que se destacam por características distintas do agrupamento principal. Essa rotulação direciona de maneira mais incisiva quem serão os indivíduos marcados pelo controle penal. Nesse mesmo sentido, Howard Becker se posiciona:
O comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como desviante. Anterior à teoria do Labeling Approach, também conhecida como criminologia atributiva, os estudos acerca os dados criminológicos apontavam o fenômeno do crime a partir de suas causas, porém com o desenvolvimento dessa teoria começa-se a compreender e analisar os processos de criminalização (BECKER, 2008, p. 22)
Nesse sentido, é de se questionar: O que é um crime, então? Crimes são, essencialmente, comportamentos que a sociedade e suas entidades punitivas optam por considerar como tal. Na ausência de um consenso claro sobre a necessidade de investigar determinado comportamento suspeito e de converter certos fatos e indícios em um processo penal, na prática, não existirá crime. O crime, dessa forma, não surge de maneira inata a partir de uma conduta proibida realizada por um agente imputável (modelo dogmático), tampouco decorre diretamente de uma conduta proibida praticada por um indivíduo anti-social (modelo etiológico). Em vez disso, é o desfecho de uma interpretação sobre se aquela conduta, proveniente daquela pessoa, merece ser categorizada como crime.
De acordo com esta teoria, entende-se que o delito carece de consistência material, sendo, portanto, um conjunto de processos de reação social que representa um verdadeiro controle social. Este controle social se caracteriza ao criar condutas consideradas desviadas, as quais só são compreendidas como tal devido a um processo social que é, em certa medida, arbitrário e discriminatório. Esse processo envolve a reação por parte da sociedade não etiquetada, resultando na seleção desse grupo rotulado ou etiquetado. Assim, o delito é definido como uma conduta ou comportamento desviado, especificamente praticado por esses indivíduos rotulados. A análise considera o status social tanto do delinquente quanto da vítima, além da repercussão do delito e suas consequências.
De acordo com a abordagem do etiquetamento, é mais provável ser considerado criminoso com base na identidade do indivíduo do que em suas ações específicas. Essa proposição se fortalece ao considerarmos a cifra oculta, termo que ressalta que as condutas delituosas que resultam em processos judiciais representam apenas uma pequena parte do total de comportamentos ilícitos efetivamente presentes em uma sociedade.
A teoria do labelling approach argumenta que esse critério se refere ao índice de marginalização do indivíduo, representado pelo número de estigmas que ele carrega, mesmo que nenhum deles precise ser de natureza criminal. Nesse contexto, a função do sistema penal não seria combater o crime, mas sim rotular como criminosos aqueles que já estão marginalizados.
São notáveis os danos causados por esse processo de etiquetamento, tornando desafiadora a reintegração desse indivíduo na sociedade. Além disso, é importante ressaltar a situação atual do sistema prisional, que se apresenta precária, para não mencionar desumana. Ao ser detido, esse indivíduo ficará exposto a diversas circunstâncias adversas, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico. Essas condições podem abalar profundamente sua mente, tornando praticamente inviável a sua ressocialização após passar por tais estabelecimentos prisionais. Isso ocorre devido às sequelas que podem perdurar ao longo de sua vida após a saída do sistema carcerário.
Além disso, no que diz respeito à reintegração social, o indivíduo rotulado enfrentará diversas resistências, como, por exemplo, ao buscar emprego, o que resulta em dificuldades para encontrar uma ocupação lícita e digna para garantir seu sustento. Adicionalmente, pode haver resistência por parte da família e do círculo social. Diante desse panorama, o indivíduo se verá abandonado de várias maneiras, levando à aceitação do rótulo atribuído a ele e aproximando-o de outros indivíduos rotulados como transgressores, que ele percebe como semelhantes a si mesmo.
A mídia brasileira adota os estereótipos do bandido "mau" e do bandido "bom". Um exemplo clássico é o caso de Leonardo Pareja (Goiânia, 26 de março de 1974 — Aparecida de Goiânia, 9 de dezembro de 1996), um criminoso que ingressou precocemente no mundo do crime e tornou-se conhecido pelo sequestro da sobrinha do então senador Antônio Carlos Magalhães – PFL. Durante as negociações com a polícia, conseguiu permanecer foragido por quase um mês, concedendo entrevistas a rádios e emissoras de televisão e desafiando as autoridades. A mídia o apelidou com alcunhas como "bandido ousado" e "bandido sedutor".
Leonardo Pareja, de origem branca, cabelos lisos, olhos claros e fluente em mais de um idioma, pertencente à classe média alta, como retratado no documentário "Vida Bandida" de Regis Farias, evidencia que o etiquetamento social positivo promovido pela mídia conferia uma certa suavização e até mesmo um toque romântico à figura de Leonardo Pareja. No entanto, outros criminosos não receberam ou não recebem o mesmo tratamento. Já o indivíduo negro, de condição econômica desfavorecida, proveniente da periferia, com cabelos crespos, é frequentemente alvo de tratamento vil e cruel. Em muitos casos, nem mesmo é confirmado se o indivíduo era efetivamente criminoso. Essa abordagem evidencia que o etiquetamento social do homem negro sugere ser potencialmente um criminoso.
Ao examinar o tema com o cuidado necessário, tornam-se evidentes os impactos negativos que esse rótulo exerce sobre os indivíduos considerados transgressores. Isso, sem dúvida, resultará em recorrências criminosas, dado a escassez de controles sociais informais eficazes e o caráter discriminatório das normas que regem um controle social formal.
Pode-se afirmar que entre os fatores que contribuem significativamente para a inserção do indivíduo desviante no mundo do crime, os rótulos atribuídos pela sociedade exercem a maior influência. Para a maioria das pessoas, uma vez que o erro é cometido, o indivíduo é rotulado como agente delituoso, carregando o peso de repetir tal comportamento constantemente. A Teoria do Etiquetamento, ou Labeling Approach, tem suas raízes em influências de pensamentos sociológicos no campo criminológico, introduzindo novos conceitos e explorando os eventos criminosos e a rotulação social do agente delituoso.
Tudo que foi apresentado até agora evidencia uma obsessão de certas classes menos tolerantes em suprimir a proliferação de conflitos, conferindo ainda mais poder aos órgãos judiciais. Assim, há um apoio manifesto a essa violência considerada justificada, aos direitos desses indivíduos rotulados como desviantes, quase que de forma unânime na sociedade. Assim, enfatiza-se ainda mais o fortalecimento do sistema penal, tornando-o quase o único instrumento para resolver conflitos. Destaca-se também o uso da medida cautelar da prisão preventiva, aplicada principalmente aos indivíduos rotulados.
A rotulação social está se tornando cada vez mais eficaz à medida que o progresso das sociedades leva ao distanciamento entre os indivíduos, resultando em uma falta de interação na sociedade. Isso perpetua a ideia de que não podem e não devem confiar uns nos outros. Como consequência, observa-se um enfraquecimento do controle social informal mencionado anteriormente. Portanto, é crucial investir no fortalecimento dos controles sociais informais, implementando políticas de inclusão para reduzir a distância que causa prejuízos para todos.
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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
BARATTA, ALESSANDRO. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal; tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 6ª edição, outubro de 2011
BECKER, Howard. Ousiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008
CZEPAK, Rodrigo. Relembre Leonardo Pareja: de sequestros e rebeliões à morte sem fama. Publicado em 18 de jul. 2021. Disponível em https://folhaz.com.br/semcategoria/leonardo-pareja-bandido-de-goias/
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 3ed. São Paulo: Editora Martins Fontes. 2007
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.