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A dermatite atópica: um guia completo sobre tratamento e cobertura pelo plano de saúde

Matéria denuncia negativa injustificada de tratamento para dermatite atópica grave em plano de saúde, impactando a qualidade de vida de uma criança.

6/2/2024

No último domingo, 4/2/23, um programa de televisão (Fantástico, da Rede Globo) trouxe à tona uma situação angustiante enfrentada por usuários de plano de saúde: negativa de tratamento para dermatite atópica grave.

A matéria apresentou o caso de uma criança, Pedro, com dermatite atópica grave, que teve indicação médica de realização de determinado tratamento para controle da doença, mas recusada a cobertura pelo seu plano de saúde sem justo motivo.

O caso chamou atenção devido a negativa sem justo motivo, ceifando a criança de obter acesso a atendimento que necessita com vistas a assegurar melhora da qualidade de vida.

O que é a dermatite atópica

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia - SBD dermatite atópica é uma doença de pele, crônica e com base genética, não contagiosa, que causa inflamação e defeito de barreira na pele, levando ao aparecimento de lesões e coceira.

Pacientes com dermatite atópica não possuem a barreira protetora da pele e convivem com alergia cutânea que pode desencadear pele seca, erupções que coçam e crostas, principalmente nas dobras do corpo, como pescoço, cotovelo e atrás do joelho, áreas mais espessas e secas.

Outras características da doença são esfoliações causadas por coceira, alterações na cor, vermelhidão ou inflamação da pele, que também podem surgir após irritações prolongadas, gerando eczemas.

Traz lesões avermelhadas, escamosas, pele ressecada, coceira intensa, que causam prejuízo no sono, na concentração, constrangimento e até isolamento social.

Comorbidades associadas são frequentes, como ansiedade e depressão.

Tratamentos para dermatite atópica

O tratamento da doença visa melhorar os sintomas que interferem diretamente na qualidade de vida do paciente e no controle da coceira, a redução da inflamação da pele e a prevenção das recorrências. 

As opções de tratamento podem incluir:

Hidratantes: o uso regular de cremes e loções hidratantes pode ajudar a manter a pele hidratada e reduzir a coceira.

Corticosteroides tópicos: estes medicamentos são frequentemente prescritos para reduzir a inflamação e a coceira associadas à dermatite atópica.

Imunomoduladores tópicos: medicamentos que ajudam a modular a resposta imunológica da pele podem ser recomendados para casos mais graves ou persistentes.

Antihistamínicos: podem ser prescritos para ajudar a aliviar a coceira e melhorar o sono, especialmente durante surtos agudos da doença.

Terapias biológicas: em casos graves e refratários, terapias biológicas podem ser uma opção para controlar os sintomas.

Diante do avanço da medicina, novos tratamentos promissores estão surgindo, decorrentes de pesquisas médicas, abrindo perspectivas para o melhor controle dessa doença da pele, quais sejam: crisaborole (tópico), drogas de uso sistêmico como dupilumabe (inibidor de IL4 e IL13R), baricitinibe (inibidor da enzima Janus Kinase).

O Dupixent (Dupilumabe) possui registro junto à Anvisa e tem indicação em bula para uso no tratamento de pacientes a partir de 6 meses de com dermatite atópica moderada a grave cuja doença não é adequadamente controlada com tratamentos tópicos ou quando estes tratamentos não são aconselhados.

Este tratamento possui o custo médio mensal de R$ 11.000,00, portanto, considerado medicamento de alto custo.

A cobertura o plano de saúde deve garantir

Um dos desafios enfrentados por muitos pacientes com dermatite atópica é o acesso a tratamentos eficazes e acessíveis.

É comum os planos de saúde negarem, especialmente, a cobertura de medicamentos para tratamento de dermatite atópica, entre eles o Dupixent (Dupilumabe).

Em 2023, por meio da Resolução 571/23, a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, órgão que regula a atuação dos planos de saúde, fixou como obrigatório a cobertura para tratamento da dermatite atópica o medicamento Dupixent (Dupilumabe) nos seguintes casos:

1. Cobertura obrigatória do medicamento Dupilumabe para o tratamento de pacientes adultos com dermatite atópica grave com indicação de tratamento sistêmico e que apresentem falha, intolerância ou contraindicação à ciclosporina, que atendam a pelo menos um dos seguintes critérios:

  1. Escore de atividade da Dermatite Atópica - SCORAD superior a 50;
  2. Índice de área e gravidade do Eczema - EASI superior a 21;
  3. Índice de qualidade de vida em Dermatologia - DLQI superior a 10

Ocorre que, ainda que o quadro clínico não se amolde as condições acima, é dever do plano de saúde garantir o tratamento.

Isso porque, a uma, ainda que um determinando medicamento não conste no citado Rol de Procedimentos e Eventos da ANS, se houver indicação médica justificando a necessidade do uso da medicação, o plano não pode negar a cobertura.

A duas, o § 12 do art. 10 da lei 9.656/98, incluído pela lei 14.454/22, estabelece que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, não sendo, portanto, taxativo.

A alteração promovida pela lei 14.454/22, ao incluir os § 12 e § 13 ao art. 10 da lei 9.656/98, estabeleceu critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.

E assim sendo, mesmo que não previsto no rol da ANS, nasce assim o dever de cobertura pelo plano de saúde.

Reforça todo o dito o enunciado do CNJ, no FONAJUS:

ENUNCIADO 73 A ausência do nome do medicamento, procedimento ou tratamento no rol de procedimentos criado pela Resolução da ANS e suas atualizações, não implica em exclusão tácita da cobertura contratual.

Por certo, a assistência a saúde contratada e prevista no art. 1o da lei dos planos de saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, o que nos leva ao entendimento que o fornecimento de medicamentos para tratar a doença constitui uma das forma de assegurar essa assistência.

O que fazer com uma possível recusa do plano de saúde

Por certo, a assistência à saúde que alude o art. 1o da lei dos planos de saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, o que nos leva ao entendimento que o fornecimento de medicamentos para tratar a doença constitui uma das forma de assegurar essa assistência.

Isso é o que disciplina o artigo 35-F da lei dos planos de saúde:

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1o desta lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta lei e do contrato firmado entre as partes.

Ao se depara com a recusa do plano de saúde, o usuário pode se valer dos seguintes meios:

Pedir a reanálise da negativa, apresentando um novo relatório médico com evidências médicas: apresente documentos médicos que respaldem a necessidade do medicamento para o seu tratamento. Isso pode incluir relatórios médicos, exames e justificativas clínicas.

Após a recusa, inclusive da reanálise, próximo passo é coletar todas os documentos relacionadas à negativa, o que inclui:

Em posse desses documentos, se a primeira tentativa não for bem-sucedida, não desista, você pode abrir uma reclamação no site da ANS, abrir uma reclamação no site Consumidor.gov. ou abrir uma reclamação no Procon.

Em alguns casos, a intervenção desses órgãos é suficiente para que a operadora resolva a situação, mas em outros casos somente com a intervenção e acionamento do Judiciário para sanar a abusividade.

Qual entendimento do Judiciário

O entendimento pelo Judiciário aponta para o fato de que, embora as operadoras de planos de saúde tenham certo grau de liberdade para restringir a cobertura, a decisão sobre o tratamento a ser realizado está a cargo do profissional de saúde. 

STJ: No caso em exame, o fármaco prescrito pelo médico assistente para tratamento de Dermatite Atópica Grave e Refratária consta da RN-ANS 465/21 como medicamento de cobertura obrigatória para o tratamento da condição, de modo que deve ser custeado pelo plano de saúde. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1889699 SP 20/0207066-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 12/6/23, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/6/23)

TJ/SP: Plano de saúde. Ação de obrigação de fazer. Sentença de procedência. Irresignação da ré. Autora diagnosticada com dermatite atópica grave. Negativa de custeio do medicamento "Dupilumabe" ("Dupixent"). Incidência do CDC (Súmula 608 do STJ). Recusa de cobertura que implica patente violação aos arts. 14 e 51, IV e § 1º do CDC. Recomendação para a realização do tratamento que cabe aos profissionais que assistem a paciente e detêm o conhecimento sobre as suas necessidades. Medicamento devidamente registrado na ANVISA, tendo sido expressamente recomendado por especialista após o insucesso dos métodos de tratamento prévio. Taxatividade do rol da ANS que não pode ser considerada absoluta. Irrelevância do uso domiciliar do medicamento. Abusividade constatada. Precedentes. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ/SP - AC: 10027256220218260404 SP 1002725-62.2021.8.26.0404, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 30/8/22, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/8/22)

TJ/DFT: APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. DERMATITE ATÓPICA. MEDICAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. DUPILOMABE. TRATAMENTO DOMICILIAR. RECUSA DA SEGURADORA. INDEVIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR DA CAUSA. ARBITRAMENTO POR EQUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. 1. O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento indicado pelo profissional habilitado na busca da cura de seu respectivo paciente. 2. O Rol de Procedimentos Médicos da ANS não é taxativo em relação aos procedimentos nele previstos, servindo de referência para a cobertura assistencial dos planos dos planos de assistência à saúde. 3. Restando evidente a necessidade da utilização do medicamento, não pode a operadora de plano de saúde negar-se ao fornecimento em razão dele ser utilizado em ambiente domiciliar, pois esta decisão seria contrária ao próprio objeto do contrato, que é a manutenção da vida e da saúde do beneficiário. (...) (TJ/DF 07371839120208070001 DF 0737183-91.2020.8.07.0001, Relator: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 26/5/21, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 8/6/21 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Conclusão

Nesse contexto, é evidente que a exclusão da cobertura do tratamento recomendado pelo médico assistente para a enfermidade equivale a negar o próprio propósito do tratamento, deturpando a essência do contrato de assistência à saúde. 

Portanto, quando um profissional de saúde emite uma indicação médica, é dever do plano de saúde garantir que o tratamento prescrito seja o melhor para prevenir a doença e promover a recuperação, manutenção e reabilitação da saúde. 

Qualquer conduta contrária a isso por parte do plano de saúde é considerada abusiva. 

Aline Vasconcelos
Advogada especialista em Saúde Suplementar, com atuação há 15 anos em assessorias de empresas e na defesa de beneficiários em questões relacionadas a planos de saúde.

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