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Breves considerações sobre a utilização da constatação prévia nos processos de recuperação judicial

O art. 51-A da lei 11.101/05 institui a constatação prévia na recuperação judicial para verificar as condições da empresa e a documentação. Em casos de indícios de fraude, o juiz pode acionar o Ministério Público.

2/2/2024

A constatação prévia foi positivada no ordenamento juridico através do art. 51-A da lei 11.101/05 - LRF alterada pela lei 14.112/20, contudo, antes disso já era aplicada com fundamento jurisprudencial sob a denominação de “perícia prévia” utilizada especialmente quando existia dúvida acerca do efetivo funcionamento da sociedade requerente da recuperação judicial.

Da leitura do novel dispositivo se vê que a constatação prévia tem o objetivo de verificar dois requisitos: (i) as reais condições de funcionamento da empresa; e (ii) a regularidade e completude da documentação apresentada na inicial, requisitos estes que reaparecem nos parágrafos 2º e 5º do mesmo artigo. Foi introduzida ainda previsão que no caso de constatação de indícios contundentes de fraude por ocasião da constatação prévia, o juiz poderá oficiar o Ministério Público para as providências de caráter criminal1.

No que se refere à regularidade e completude da documentação apresentada, em especial a de cunho contábil e financeiro, vale destacar que até a entrada em vigor da reforma, não havia grande celeuma quanto à sua conferência, entretanto, após a vigência da reforma, muitos juízes têm delegado essa análise ao perito que normalmente vem a se tornar o administrador judicial da recuperação judicial, mediante a realização da constatação prévia que acaba também servindo para constatar se a empresa está em regular funcionamento, ainda que não haja qualquer oposição a esse respeito.

Assim, a constatação prévia vem se tornando um requisito adicional para o deferimento da recuperação judicial, ainda que não haja qualquer questionamento sobre a documentação apresentada ou incertezas sobre o funcionamento da empresa. Por óbvio que havendo informação de fato  relevante trazida por algum credor ou interessado apresentando fundadas dúvidas acerca da real situação da empresa, a determinação para a realização da constatação prévia é acertada.

Em paralelo, e de forma equivocada a nosso sentir, a constatação prévia tem sido demandada por credores, especialmente os qualificados como instituições financeiras, para aferir o cometimento de fraude nos processos recuperacionais. Nessas hipóteses, normalmente os credores realizam apontamentos na documentação contábil para deflagrar o procedimento. Não obstante não ser esta a finalidade da norma, até mesmo porque o prazo de cinco dias previsto para a sua apresentação seria insuficiente, muitos juízes têm acatado este pedido e deferido sua realização para esse fim.

O desvirtuamento da norma, atrasa sobremaneira o deferimento do processamento da recuperação judicial, que reclama urgência, tendo em vista que grande parte das empresas que buscam o benefício legal para tratar seu endividamento, já o fazem tardiamente, enfrentando execuções e ataques sobre seu patrimônio, bloqueios em contas bancárias, penhoras, entre outras constrições que continuadas, colocam em risco a sobrevivência da sociedade.

Ocorre que uma vez deferida a constatação preliminar, não há muito sentido em recorrer da decisão considerando o tempo de tramitação do recurso comparado ao tempo de sua execução. Nesse cenário, melhor será tomar as medidas possíveis para agilizar os trabalhos de modo que o laudo possa ser entregue dentro do prazo legal de cinco dias. Tanto é assim que a maior parte dos julgados sobre o tema abrange decisões de primeiro grau que entendem desnecessária a realização de constatação prévia e que são mantidas pelos tribunais2, não há muitas impugnando a realização da constatação preliminar, pois o recurso acaba por perder seu objeto3.

Marcelo Barbosa Sacramone endossa os argumentos acima complementando que a veracidade do conteúdo dos documentos apresentados à inicial deve ser apurado durante o curso da recuperação judicial4, e adicionamos, com auxílio da administração judicial, nos termos do art. 22, II, c da LRF5 o que tornaria a constatação prévia para fins de análise de fraude, inadequada.

Dessa forma, consideramos que em não havendo fato excepcional a justificar mais uma etapa no processo de recuperação judicial, tornando-o mais demorado, custoso e potencialmente causador de graves prejuízos à sociedade requerente, não há lastro a justificar o seu deferimento pelo juízo, devendo a ação seguir seu curso regular com o deferimento do processamento, ou complementação de informações e documentos necessários.

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1 § 7º do art. 51-A da LRF.

2 Por exemplo: Agravos de Instrumento nº 0031968-43.2023.8.19.0000, 0044277-17.2022.8.16.0000 e 1001066-49.2022.8.11.0000.

3 Agravo de instrumento nº 2075695-57.2022.8.26.0000

4 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2021.e-book.

5 “c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor”.

Luciana Abreu
Advogado especialista em Direito Empresarial. Pós-graduada em Direito Empresarial e Direito Tributário, MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios e especialização em Administração Judicial (TJRJ). Sócia e head das Áreas Empresarial e Cível do Gameiro Advogados.

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