Em outra oportunidade, já se deixou registrado a necessidade e importância de atualização do código civil.1
Também se verificou após apresentação dos relatórios parciais inúmeras propostas de melhoramentos como na parte atinente à prescrição: a). no que tange a limitação da arguição de prescrição às instâncias ordinárias; b). na previsão expressa de que não corre prescrição entre os companheiros na constância da união estável e contra o ausente, desde o termo inicial do desaparecimento declarado na sentença; c). previsão de que não correrá a prescrição quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal e apenas após instauração de inquérito policial ou recebimento da denúncia ou da queixa, retroagindo seus efeitos à data do ato, desde que não decorrido o prazo de 5 anos; d). redução dos prazos prescricionais, dentre outras.
Inobstante o mérito da reforma do código civil e do aperfeiçoamento dos dispositivos legais referente a prescrição, uma das propostas nos trouxe bastante preocupação: a que se refere em alterar o início da contagem do prazo prescricional.
Para tentar contribuir um pouco com o debate para que tenhamos a melhor legislação possível, escreve-se tais linhas.
Propôs-se no relatório da subcomissão da parte geral a promover profunda alteração prevendo que o prazo prescricional geral não mais se inicie da violação do direito subjetivo (teoria objetiva), mas apenas da ciência de tal violação ou de quando deveria ter tido ciência (teoria subjetiva).
Na justificativa apresentada para alterar e passar da teoria objetiva da actio nata para a teoria subjetiva constou o seguinte:
A atual redação do art. 189 do Código Civil previu a ideia de que o início de contagem do prazo prescricional se dá após violação de direito. Essa posição não se mostra mais adequada, eis que, em alguns casos, a prescrição independe da violação a direito (como, por exemplo, quando se fala em prescrição aquisitiva) e tendo em vista que, a depender da situação, o prazo prescricional se iniciará sem que o lesado possa exercer a pretensão (por desconhecer o dano ou a autoria). A solução proposta vincula-se à teoria subjetiva da actio nata, que também é atualmente utilizada pelo STJ e foi assentada no enunciado de súmula 278/STJ. Igualmente, o art. 27 do CDC consignou que a contagem da prescrição reparatória por fato do produto ou do serviço se inicia “a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”. No mesmo sentido, foram redigidos os enunciados do Conselho da Justiça Federal. Assim, por meio da inclusão do artigo 189-A, a presente proposta de texto de norma traz harmonia entre o Código Civil e essas mencionadas outras fontes. Por fim, no §2º acima posto, soluciona-se um problema concreto decorrente de novações contratuais e ações revisionais. Impede-se, por meio de tal redação, que discussões envolvendo revisões contratuais se tornem, em razão de renegociações e repactuações, imprescritíveis, proporcionando situação de maior segurança jurídica.
Ousa-se discordar respeitosamente de tal proposta.
A manutenção do início do prazo prescricional geral a partir da violação do direito (teoria objetiva) nos termos do art. 189 do atual código civil é mais adequada.
Em artigo escrito por nós em co-autoria com o professor Humberto Theodoro Júnior sobre prescrição da pretensão de herança, relembrou-se que o importante instituto da prescrição não serve para punir alguém ou coibir injustiça, mas de estabilizar as relações sociais e trazer segurança jurídica:
O fundamento da prescrição é tão somente promover segurança jurídica (art. 5 da Constituição Federal brasileira), estabilizar as relações jurídicas e trazer paz social. Mais do que um interesse individual, predomina na espécie um interesse social e público.2
Câmara Leal também aponta vários motivos relevantes para existência da prescrição:
“1a – Evitar as demandas de difícil solução pela antiguidade dos fatos, cujas provas se tornariam embaraçosas, e, por vezes, impossíveis, pela dispersão ou perecimento; 2a – impedir que o autor retarde, maliciosamente, a demanda, no intuito de dificultar a defesa do réu pelo desbaratamento das provas, em virtude da remota ocorrência dos fatos; 3a – proteger o devedor contra a má-fé do credor, que, prevalecendo-se do desaparecimento das provas do pagamento, por extravio da quitação, ou pela ausência ou morte das testemunhas, que o presenciaram, poderia novamente exigi-lo”.3
O próprio ordenamento jurídico brasileiro tem bastante apreço ao instituto da prescrição como aponta a doutrina:
No terreno da ordem pública, a importância da prescrição pode ser percebida em vários dispositivos do direito positivo atual, dentre os quais: a) no dever do magistrado de decretar de ofício a prescrição (art. 487, II e parágrafo único, do CPC, devendo apenas antes disso dar às partes oportunidade de manifestarem-se; b) na possibilidade de o juiz, em causas que dispensem a fase instrutória, independentemente da citação do réu, julgar liminarmente improcedente o pedido, se verificar desde logo a ocorrência da prescrição (art. 332, § 1º, do CPC; c) na possibilidade de a parte a quem aproveita alegar prescrição em qualquer grau de jurisdição (art. 193 do Código Civil; d) na proibição de acordo entre as partes que altere os prazos de prescrição (art. 192), assim como na invalidade da renúncia a seus efeitos antes de se consumar a prescrição (art. 191 do Código Civil.4
Uma vez demonstrada de forma resumida a função e importância do instituto da prescrição, cabe trazer os motivos pelos quais entende-se que deve ser mantida a teoria objetiva e a sistemática do código civil em relação ao início do prazo prescricional.
Primeiro, deve-se ao fato de que apesar de não ser o ideal, é menos pior aplicar a prescrição da pretensão a quem não tinha ciência da violação do direito do que pessoas ficarem sujeitas a obrigações sem limite de tempo ou dependendo de uma ciência que é altamente subjetiva e abstrata:
Ainda que não seja o melhor dos mundos, aplicar a prescrição a quem nem ao menos sabia que tinha pretensão, entendeu-se em nosso direito positivo que assim deva ser. Isso porque acredita-se que entre dois males (pessoa perder sua pretensão mesmo sem saber que a tinha e da outra ficar sempre sujeita sem limite de tempo a sofrer a pretensão alheia), o menos pior seria tutelar a segunda porque o titular da pretensão teve prazo para exercê-lo e prazos da espécie não são estipulados arbitrariamente, mas dentro de critérios razoáveis. E ainda que não tenha tido ciência da violação de direito material, melhor prescrever do que deixar outrem eterna ou indefinidamente sujeito a suportar a pretensão alheia. Nestas condições, a segurança jurídica, a estabilização das relações sociais e a paz social preponderam, quando se cuida de problema como o da prescrição. Suponha-se, por exemplo, o caso em que uma mãe de 90 anos revela para seu filho de 72 anos que na verdade ele é filho biológico de outro pai que não o constante de sua certidão de nascimento e que esse pai biológico já morreu há 40 anos. Não se poderia, a rigor, falar em alguma forma de omissão quanto ao exercício de oportuna ação para reclamar a eventual herança deixada pelo pai até então ignorado. Isso porque esse filho sequer sabia da existência de seu direito e tampouco do surgimento de sua pretensão à antiga herança, a essa altura já integrada e consumida em patrimônios de outras pessoas e sucessores, que dificilmente podem ser identificados ou localizados. Ainda assim, haveria prescrição, não por desídia do interessado, mas porque, objetivamente houve inércia no sentido de não ajuizamento, em tempo hábil, da ação de petição de herança. Não se inspira a prescrição na culpa e tampouco na má-fé. Só o decurso do tempo e a falta de exercício da pretensão bastam, objetivamente, para configurar a prescrição.5
Segundo, comprovar a ciência ou que poderia ter tido ciência é de difícil e muitas vezes impossível comprovação, trazendo muitos transtornos para definição do exato início do prazo prescricional e gerando mais insegurança jurídica.
Terceiro, o entendimento do início da prescrição para os prazos em geral a partir da violação do direito existe desde Savigny, e esteve presente em todas codificações civis brasileiras (código civil de 1916 e código civil de 2002) até os dias atuais.
Quarto, a jurisprudência do STF e do STJ desde o código civil de 1916 apontam em sua grande maioria e em seus decisórios mais abalizados que a regra geral é actio nata a partir da violação do direito e não da ciência da violação:
A PRESCRIÇÃO COMECA NO DIA EM QUE SE DA A VIOLAÇÃO DO DIREITO. TENDO-SE OBRIGADO A DAR AOS OPERARIOS TRABALHO CORRESPONDENTE A 6 DIAS POR SEMANA, A EMPRESA VIOLOU, COM A ALTERAÇÃO DO CONTRATO, A NORMA DO ART. 468 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. (STF - RE 19918 – Rel. Min. Hahnemann Guimaraes – 2ª T. – DJ 24-11-53)
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. SUA INOCORRENCIA, DADO QUE O DIES A QUO DO PRAZO SE VERIFICOU COM O CANCELAMENTO DAS TRANSCRIÇÕES- MOMENTO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. CASO DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 562. HONORARIOS DE ADVOFGADO. FIXAÇÃO SEGUNDO CRITÉRIO LEGAL. INCIDENCIA, POIS, DA SÚMULA 389. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF – RE 82359 - Rel. Min. Leitão de Abreu – 2ª T. – DJ 3/5/78)
Agravo regimental. - A prescrição se situa no âmbito do direito material e não do direito processual. O que prescreve não é o direito subjetivo público de ação, mas a pretensão que decorre da violação do direito subjetivo. - Se a prescrição se consumou anteriormente a entrada em vigor da nova Constituição, e ela regida pela lei do tempo em que ocorreu, pois, como salientado no despacho agravado, "não há que se confundir eficacia imediata da Constituição a efeitos futuros de fatos passados com a aplicação dela a fato passado". A Constituição só alcanca os fatos consumados no passado quando expressamente o declara, o que não ocorre com referencia a prescrição. Agravo a que se nega provimento. (STF – AI 139004 AgR – Rel. Min. Moreira Alves – 1ª. T. – DJ 4/8/95)
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - PRAZO PRESCRICIONAL - TERMO INICIAL - PRINCÍPIO DA ACTIO NATA - DATA DA VIOLAÇÃO DO DIREITO - INTERRUPÇÃO - AJUIZAMENTO DE DEMANDA - PRECEDENTES. 1. A orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de que o termo inicial do prazo prescricional para a propositura de ação de indenização, pelo princípio da actio nata, ocorre com a violação do direito, segundo o art. 189 do novo Código Civil. 2. Se houver pendência de ação judicial, nos termos do art. 202, I, do novo Código Civil e do art. 219 do CPC, aplicável ao mandado de segurança, a contagem do prazo prescricional fica interrompida. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg no REsp n. 1.060.334/RS – Rel. Min. Humberto Martins – 2ª T. – DJ 24/3/09)
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 158 DO CÓDIGO CIVIL 1916. INOVAÇÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. VEICULAÇÃO DE PRETENSÃO CONDENATÓRIA. PRESCRIÇÃO. SUJEIÇÃO. MARCO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. VIOLAÇÃO DO DIREITO. PRINCÍPIO ACTIO NATA.
1. Constitui-se inovação, inviável de ser apreciada, a questão arguida apenas em sede de agravo regimental, sendo certo que não foi apresentada ao Tribunal de origem as contra-razões ofertadas ao recurso especial. Precedente. 2. A ação declaratória de nulidade é imprescritível quando seu objeto se limita ao reconhecimento de determinada relação jurídica. Contudo, quando já transcorrido o prazo prescricional, carece de interesse jurídico a obtenção de declaração de nulidade, porque prescrita está a tutela condenatória decorrente da relação jurídica objeto da referida ação. Precedentes. 3. Segundo o princípio da actio nata a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão, a qual, nos termos do art. 189 do Código Civil de 2002, nasce no momento da violação do direito. Precedente. 4. Tendo sido a Ação Declaratória de Nulidade da Resolução 09/88 ajuizada em 30/4/94, ou seja, após o decurso do prazo prescricional de 5 anos, previsto no art. 1º do decreto 20.910/32, é descabida a tese de que houve interrupção do prazo prescricional pela referida Ação Declaratória, capaz de permitir o prosseguimento da presente Ação de Cobrança ajuizada apenas no ano 2000. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no Ag n. 1.064.164/SP – Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª T. – DJ 19/2/09)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. USO INDEVIDO DE IMAGEM. JOGO ELETRÔNICO. VIOLAÇÃO DO DIREITO. TEORIA DA ACTIO NATA. VERTENTE OBJETIVA. CASO CONCRETO. ALEGAÇÃO DE DANO CONTINUADO. EXAME. NECESSIDADE. RETORNO DOS AUTOS. DECISÃO MANTIDA. 1. "O Código Civil vigente adotou, como regra geral, a data da lesão do direito - e não a da respectiva ciência - em prol da segurança jurídica, escopo da prescrição, evitando, assim, impor a alguma das partes o ônus da dificílima prova da data da ciência do fato, o que deixaria a fluência do prazo, em muitas hipóteses, a critério do autor da ação, sendo as exceções a essa regra dependentes de previsão legal específica (p. ex.: §1º, inciso II, alínea "c", do art. 206, do Código Civil e art. 27 do CDC)" (REsp 1861289/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/20, DJe 16/3/21). 2. Afasta-se, portanto, a conclusão manifestada pelo TJ de origem no sentido de que a contagem do prazo prescricional, em casos como o que ora se examina, somente teria início com a ciência do fato danoso pelo titular do direito de imagem. 3. Contudo, diante da controvérsia subsistente sobre a continuidade da comercialização de edições antigas dos jogos eletrônicos - supostamente levada a efeito pela própria ré-recorrente -, e diante da impossibilidade de o STJ proceder ao revolvimento de material fático-probatório, há de se determinar o retorno dos autos à origem "para que o Tribunal analise a prescrição com o termo inicial a partir do evento danoso (lançamento e distribuição dos jogos), se pronunciando sobre a alegação do autor de que teria havido continuidade de distribuição e comercialização de cada edição pela própria ré (e não apenas venda por terceiros), mesmo após os lançamentos de novas edições dos jogos". 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp n. 1.416.868/SP – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – 4ª T. – DJ 31/5/21)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. USO INDEVIDO DE IMAGEM. JOGO ELETRÔNICO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DA VIOLAÇÃO DO DIREITO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Ação de indenização pelo uso não-autorizado da imagem do autor, jogador de futebol, em jogo eletrônico que reproduz personagem com suas características. 2. O Código Civil vigente adotou, como regra geral, a data da lesão do direito - e não a da respectiva ciência - em prol da segurança jurídica, escopo da prescrição, evitando, assim, impor a alguma das partes o ônus da dificílima prova da data da ciência do fato, o que deixaria a fluência do prazo, em muitas hipóteses, a critério do autor da ação, sendo as exceções a essa regra dependentes de previsão legal específica (p. ex.: §1º, inciso II, alínea "c", do art. 206, do Código Civil e art. 27 do CDC). Precedentes. 3. Hipótese em que a conduta de alegada violação ao direito ocorreu no momento do lançamento dos jogos e a sua colocação no mercado de consumo (distribuição), divulgando a imagem do autor sem a devida autorização. 4. Marco inicial da prescrição que, no caso concreto, depende do exame de questões de fato, devendo os autos retornar à origem para exame da prescrição à luz da vertente objetiva da teoria da actio nata. 5. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.794.362/SP – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – 4ª T. – DJ 20/9/21)
PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÁ-GESTÃO DE RECURSOS POR ADMINISTRADORES. TEORIA OBJETIVA DA ACTIO NATA. EFETIVA OCORRÊNCIA DA LESÃO. PRAZO. TRÊS ANOS (ART. 206, § 3º, VII, b, DO CÓDIGO CIVIL). 1. Pedido indenizatório decorrente de má-gestão de recursos por administradores de federação esportiva. 2. Esta Corte Superior adota como regra para o cômputo da prescrição a teoria objetiva da actio nata, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem. Precedentes. 3. O prazo de prescrição aplicável é de três anos, conforme previsto no art. 206, § 3º, VII, b, do Código Civil ("para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento"), de modo que inaplicável à espécie o art. 27 da lei 8.078/90, incidente apenas a relações de consumo. 4. A matéria referente às datas de realização da Assembleia, bem como da lesão ou da apuração de responsabilidade dos administradores, foi solucionada com base nas disposições do Estatuto. Por isso, modificar as conclusões do Tribunal de origem quanto a essas questões demandaria reexame de matéria fático-probatória e de cláusulas contratuais, vedado em sede de recurso especial, a teor das Súmulas 7 e 5, ambas do STJ. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no REsp n. 2.060.578/SP – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – 4ª T. – DJ 20/11/23)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. AÇÃO DE COBRANÇA. PROMOÇÃO. SUPRESSÃO, POR MEIO DE ATO NORMATIVO DE EFEITOS CONCRETOS. DESCARACTERIZAÇÃO DE RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO SUCESSIVO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. O recurso foi interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo 3/16/STJ. 2. Caso em que o autor se insurge contra decisão que deu provimento ao recurso do Estado de Tocantins no sentido de que a supressão de vantagem a servidor público caracteriza ato comissivo da Administração Pública, o que resulta na prescrição do próprio fundo de direito e, portanto, sujeito ao prazo prescricional de 5 anos. Restabeleceu, assim, a sentença, a qual decretou a prescrição da pretensão. 3. O artigo 1º do decreto 20.910/32 consigna que as ações contra a Fazenda Pública prescrevem em 5 (cinco) anos da data do ato ou fato da qual se originaram. 4. O disposto no artigo 189 do Código Civil também estabelece que a prescrição se inicia no momento da violação do direito sobre o qual se funda a ação. Assim, como regra, a prescrição começa a correr desde que a pretensão teve origem, pois "o maior fundamento da existência do próprio direito é a garantia de pacificação social" (Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, Pablo Stolze Gagliano, Editora Saraiva, 14ª ed. 2012, pág. 496). 5. Com efeito, o acórdão recorrido reformou a sentença sem observar a jurisprudência desta Corte no sentido de que a supressão de vantagem a servidor público caracteriza ato comissivo da Administração Pública, e que cada ato promocional na carreira do policial militar é único, de efeitos concretos e permanentes, estabelecendo-se, assim, o marco do prazo prescricional para o questionamento do direito à promoção. Deve, portanto, ser mantida os fundamentos da decisão agravada. 6. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no AREsp n. 2.238.127/TO – Rel. Min. Benedito Gonçalves – 1ª T. – DJ 5/6/23)
Quinto, o fato de existir a regra geral da violação do direito, não impede o legislador de prever expressamente situações excepcionais dispondo que o prazo prescricional decorre da ciência como ocorre na hipótese da pretensão do segurado nos seguros (salvo de responsabilidade civil) contra o segurador (ou deste contra aquele) contado da ciência do fato gerador da pretensão pelo segurado (art. 206, §1º, II “b” do código civil)6 ou de pretensão do consumidor à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço a partir do conhecimento do dano e de sua autoria (art. 27 do código de defesa do consumidor).7
Sexto, o fato de algumas decisões judiciais de tribunais ignorarem a teoria objetiva do início do prazo prescricional geral previsto no art. 189 do código civil e alargarem os prazos prescricionais contra legem não pode servir para alterar um regime jurídico correto como bem pontua doutrina especializada:
Essa linha exposta é a que deve prevalecer na interpretação da prescrição no direito brasileiro. O instituto é de ordem pública e seu regime escapa à influência da liberdade das partes. Em nome da segurança jurídica, seu regime legal é todo estabelecido de forma objetiva. Qualquer tentativa de subordiná-lo a uma perspectiva que subjetivamente condicione sua incidência a uma inércia culposa do credor é inconciliável com sua estrutura legal e com o seu objetivo dentro do direito positivo. O afastamento desse objetivismo, para subordinar a contagem do prazo extintivo ao conhecimento da violação do direito por seu titular, somente pode, em princípio, ser autorizado pela própria lei. Banalizar na prática aquilo que, de acordo com a lei, deveria ser exceção de estrito cabimento, vulnera, profundamente, o espírito de um instituto vinculado à segurança jurídica, reduzindo muito o papel que a ordem jurídica lhe conferiu. Não merece aplausos, portanto, a facilidade com que a jurisprudência dilata os prazos prescricionais, em ações indenizatórias, desviando o dies a quo do momento do ato ilícito para o da suposta ciência do dano.8
Sétimo, o STJ por sua 2ª Seção julgou recentemente o início do prazo prescricional da pretensão de petição de herança quando o filho tem ciência após o falecimento do genitor entendeu (depois de intenso e aprofundado debate) que se dá da abertura da sucessão (violação do direito) e não da ciência (teoria subjetiva):
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. "AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM C/C PEDIDO DE HERANÇA". PROVAS INDICIÁRIAS DO RELACIONAMENTO. EXAME DE DNA. RECUSA PELOS RÉUS. SÚMULA 301 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA. PETIÇÃO DE HERANÇA. PRESCRIÇÃO. SÚMULA N. 149 DO STF. TERMO INICIAL. ABERTURA DA SUCESSÃO OU TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. DIVERGÊNCIA CARACTERIZADA. 1. Embargos de divergência que não merecem ser conhecidos na parte em que os embargantes buscam afastar a aplicação da Súmula n. 301 do STJ, tendo em vista a efetiva ausência de teses conflitantes nos acórdãos confrontados. No acórdão indicado como paradigma, da QUARTA TURMA (REsp n. 1.068.836/RJ), foi decidido que a aplicação da Súmula n. 301 do STJ dependeria da existência de provas indiciárias quanto à paternidade, citando, inclusive precedente da TERCEIRA TURMA. No acórdão embargado, igualmente, a TERCEIRA TURMA aplicou a Súmula n. 301 do STJ, deixando claro, ainda, que haveriam outros elementos que confirmariam, ao menos indiciariamente, a filiação. 2. O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, aplicada a corrente objetiva acerca do princípio da actio nata (arts. 177 do CC/16 e 189 do CC/02). 3. A ausência de prévia propositura de ação de investigação de paternidade, imprescritível, e de seu julgamento definitivo não constitui óbice para o ajuizamento de ação de petição de herança e para o início da contagem do prazo prescricional. A definição da paternidade e da afronta ao direito hereditário, na verdade, apenas interfere na procedência da ação de petição de herança. 4. Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa parte, providos, declarada a prescrição vintenária quanto à petição de herança. (STJ - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 1.260.418 - MG – Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – 2ª Seção – DJ 26/02/22)
Oitavo, o fato de em algumas situações específicas a configuração da violação do direito ser mais complexa como na hipótese da pretensão não nascer com a violação ou no caso de lesões, não pode levar a desconsiderar acito nata objetiva como bem ensina Humberto Theodoro Júnior:
A jurisprudência que, em ações indenizatórias, às vezes, determina a fluência da prescrição a partir do momento em que o ofendido toma conhecimento da lesão, corresponde a fatos complexos cuja configuração é de difícil ou problemática aferição, como é o caso da incapacitação permanente do acidentado. Só mesmo uma perícia pode, na maioria das vezes, determinar a realidade acerca da gravidade da lesão. Por isso, é assente na jurisprudência que a prescrição relativa à indenização da incapacidade permanente comece a fluir apenas a partir do momento em que o acidentado tome conhecimento do laudo atestador de sua incapacidade. Outros tipos de dano podem criar situações tão complexas como a da incapacidade permanente, como, por exemplo, a de apropriações indébitas praticadas pelo gestor de negócios alheios que só chegam ao conhecimento do prejudicado após apuração de contas ou ação criminal a respeito do delito perpetrado. Aí, também, é razoável que não se reconheça a actio nata para o lesado a partir do ato danoso, mas, sim, depois que este realmente chegou ao seu conhecimento. Até então, ser-lhe-ia inadmissível exercer a pretensão indenizatória. No comum dos casos, entretanto, a lesão se dá mediante simultânea ciência do lesado, ou de modo que ordinariamente ele teria condições de conhecê-la de imediato. Aí, prevalecerá a regra geral da fluência do prazo prescricional a partir da lesão, objetivamente. Seria medida comprometedora da segurança jurídica (razão justificadora do instituto da prescrição) admitir que, depois de consumado o prazo extintivo da pretensão, que é de ordem pública, viesse o credor a se esquivar de seus efeitos, a pretexto de que, por motivos particulares ou pessoais, não teria se informado, a seu tempo, da lesão de seu direito.9
Nono, o próprio Enunciado 14 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal reafirma que o prazo prescricional surge da violação do direito, ainda que limitado seu alcance:
Enunciado 14: 1) O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.
Décimo, outros países com sistema civil semelhante ao Brasil como a Itália e Alemanha continuam entendendo que o início do prazo prescricional geral se dá com a violação ao direito (art. 2935 do código civil italiano e §199 “3” do código civil alemão), prevendo algumas situações excepcionais onde se iniciam da ciência da violação. Décimo primeiro, como bem colocado pelo Ministro do STJ, Marco Aurélio Belizze em artigo sobre a prescrição e a atualização do código civil, “no Brasil, a teoria da actio nata é a de maior prestígio na doutrina clássica e na jurisprudência”.10
Por todo o exposto, entende-se que não merece aprovação a tentativa de tornar subjetivo o início da contagem do prazo prescricional geral, pois vai contra a segurança jurídica, contra o direito positivo existente há mais de um século e contra o sistema jurídico como um todo.
Melhor seria se analisando casos específicos e problemáticos, incluir-se hipóteses excepcionais do início do prazo prescricional após a ciência da violação, mas mantendo a regra geral objetiva do início do prazo prescricional.
Assim, acredita-se que a manutenção da teoria objetiva como regra geral do início do prazo prescricional que vem desde Savigny com as exceções previstas expressamente na legislação é mais adequada e que mais atende a segurança jurídica.
1 TEIXEIRA, Wendel de Brito Lemos. Associações civis e associações de fato no código civil: imprescindibilidade de atualização da norma civil. Capturado do site https://www.migalhas.com.br/depeso/394738/associacoes-civis-e-associacoes-de-fato-no-codigo-civil em 14/01/2023.
2 THEODORO JUNIOR, Humberto e TEIXEIRA, Wendel de Brito Lemos Teixeira. Prescrição da pretensão de petição de herança. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1026/2021, abr/2021, p. 263-302.
3 THEODORO JUNIOR, Humberto e TEIXEIRA, Wendel de Brito Lemos Teixeira. Prescrição da pretensão de petição de herança. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1026/2021, abr/2021, p. 263-302.
4 Idem.
5 THEODORO JUNIOR, Humberto e TEIXEIRA, Wendel de Brito Lemos Teixeira. Prescrição da pretensão de petição de herança. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1026/2021, abr/2021, p. 263-302.
6 Art. 206 do código civil – Prescreve: § 1 o Em um ano: (...) II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão.
7 Art. 27 do CDC – Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 2018; p. 33.
9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 2018; p. 31.
10 BELIZZE, Marco Aurélio. Prescrição e atualização do código civil. Capturado do site https://www.migalhas.com.br/depeso/396195/a-prescricao-e-a-atualizacao-do-codigo-civil em 14/01/2024.