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Inconstitucionalidade da MP 1.202/23 (revogação do Perse e reoneração da folha de pagamento) – Desrespeito à tripartição de poderes

Tentativa imoral e antidemocrática de burla, por via transversa, da rejeição de vetos presidenciais pelo Congresso Nacional. Medidas Provisórias não podem tratar de matérias já rejeitadas pelo Congresso Nacional quando da derrubada de vetos presidenciai

31/1/2024

No último dia 29/12/23, o governo publicou a MP 1.202/23, por meio da qual efetivamente promoveu o aumento de tributação, destacando-se entre esses aumentos a “revogação do PERSE” e a “reoneração da folha de salários/pagamentos das empresas”.

Ocorre, porém, que essas novas onerações já haviam sido anteriormente analisadas e expressamente rejeitadas pelo Congresso Nacional, quando da análise e rejeição de vetos presidenciais.

Com efeito, em relação ao PERSE, quando da publicação da lei 14.148/21 (PL 5.638/20), o Presidente da República vetou a alíquota zero de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, pelo prazo certo de 60 meses, prevista no artigo 4º de referida lei. Logo em seguida, porém, o Congresso, de forma soberana, legal e constitucional, entendendo que referida alíquota zero, por referido prazo certo, era essencial para a reparação dos prejuízos que esse setor enfrentou durante a pandemia, derrubou/rejeitou o veto presidencial.

E isso, como se depreende das discussões parlamentares sobre tal veto, de forma a verdadeiramente compensar/indenizar esses agentes econômico pelo seu sacrifício em prol da coletividade (e não simplesmente lhes conceder um benefício), e assim possibilitar a retomada do setor de eventos (e atividades correlatas), o qual foi indiscutivelmente o seguimento econômico que mais sofreu e se sacrificou durante a crise sanitária da COVID19, tendo sido o primeiro ter o seu fechamento determinado pelo Poder Público e o último a ser autorizado a retomar as suas atividades. Não é demais lembrar que a reunião de pessoas em eventos, festas, etc. chegou a ser criminalizada no período de obrigatório fechamento (com prisões aos que desobedeciam a tais restrições), por se entender que o afastamento social era a principal e essencial forma de conter o avanço e a propagação do vírus da COVID19.

Por outro lado, em relação à chamada “desoneração da folha”, a evidência da burla à decisão soberana do Congresso, em verdadeiro ato ditatorial, não é menor.

Realmente, por meio da discussão do PL 334/23, o Congresso prorrogou, por mais 8 anos, a chamada “desoneração” da folha de salários, o qual foi objeto de veto integral do Presidente da República. E por decisão novamente soberana do Congresso, tal veto igualmente foi rejeitado, prevalecendo a vontade da maioria esmagadora do Parlamento, inclusive de parlamentares pertencentes ao grupo de apoio ao governo nas duas Casas Legislativas.

Dessa forma, resta de clareza solar a inconstitucionalidade de tal MP, por afronta ao disposto no artigo 62, caput (relevância e urgência), além dos incisos IV c/c § 10, da CF/88, e, principalmente, ao princípio da moralidade administrativa, inserto no artigo 37 da Magna Carta e à Separação dos Poderes e ao Princípio Democrático, objeto dos artigos 1º e 2º de nossa Magna Carta.

Tais dispositivos e princípios proíbem, sem qualquer sombra de dúvida, por qualquer meio de interpretação, a utilização desse instrumento autocrático e excepcional, a MP, de iniciativa do Presidente da República, fora de situações de urgência e relevância (e não se pode sequer imaginar, em qualquer regime democrático ao menos, ser relevante e/ou urgente a burla de uma decisão soberana e refletida/debatida do Congresso Nacional), para tratar justamente de matérias cujo veto do mesmo Presidente da República já fora analisado e derrubado, por maioria esmagadora do Congresso, “verbis”:

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.          

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I - relativa a:         

(...)

IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.         

(...)

(...)

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.”

E isso simplesmente porque aquele que teve a sua vontade (veto) rejeitada pelo Congresso não pode, posteriormente, pretender fazer valer essa mesma vontade preterida, de forma unilateral e antidemocrática, ainda que provisoriamente, como se um ditador fosse.

Com efeito, o jogo democrático impõe instrumentos legais para que a mesmas matérias possam vir a ser eventualmente novamente debatidas na Casa do Povo, após a sua rejeição inicial. Isso deverá se dar, necessariamente, por meio de projetos de lei, amplamente re-debatidos no Congresso (com melhor esclarecimento ou com negociações republicanas); ou, caso o Presidente realmente entenda que seus vetos sejam corretos – com fundamento, por exemplo, em apontadas inconstitucionalidades das medidas anteriormente vetadas – deve ele exercer o seu poder/dever, sob pena de prevaricação inclusive, de acionar o Supremo Tribunal Federal, por meio da competente ação direta de inconstitucionalidade para o qual é parte legítima.

Mas jamais, em hipótese alguma, deve o Presidente da República de uma país democrático pretender fazer valer a sua vontade “na marra”, ou melhor, “na MP”, de matéria já debatida e rejeitada, sob pena de ruína de todo o nosso sistema jurídico, embasado nos princípios da real democracia, da tripartição, independência, harmonia e respeito entre os Poderes da República, e, acima de tudo, da moralidade, a qual não admite tais ardis para que sejam atingidos os objetivos do governo de ocasião.

Perisson Andrade
Advogado tributarista e corporativo com mais de 25 anos de experiência, Mestre em Direito Tributário Internacional pelo IBDT. Sócio fundador de https://www.perissonadvocacia.com.br

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