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Formalização via contrato à luz da lei 14.133/21: Alocação de riscos - Parte 3

A lei 14.133/21 preconiza o uso de minutas padronizadas em licitações, com justificativa por escrito se não adotadas. Destaca a importância da análise criteriosa das cláusulas durante o planejamento da contratação, incluindo a matriz de riscos para equilíbrio econômico-financeiro.

27/1/2024

Vale lembrar que a lei 14.133/21 determina que, sempre que o objeto permitir, a Administração deve adotar minutas padronizadas de edital e contrato com cláusulas uniformes. A não utilização dos modelos de minutas deve ser justificada por escrito e anexada ao respectivo processo licitatório.1

Durante a fase de planejamento da contratação, é importante que a Administração avalie cuidadosamente as necessidades de todas as cláusulas.2

ALOCAÇÃO DE RISCOS

A matriz de riscos é cláusula contratual definidora de eventos supervenientes à contratação e de responsabilidades entre as partes contratantes. Serve para estabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação ao ônus financeiro decorrente da eventual concretização desses riscos durante a execução contratual.

A matriz de risco deverá:3

  1. Listar possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato previstos e presumíveis, que possam causar impacto em seu equilíbrio econômico-financeiro;
  2. Repartir a responsabilidade entre contratante e contratado, pelo ônus financeiro decorrente desses riscos, caso se concretizem (algumas serão compartilhadas);

b.1 os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras serão preferencialmente transferidos ao contratado;4

b.2 nas contratações integradas ou semi- integradas5, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto básico pelo contratado deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos6, e

c. Definir mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso se concretize.

A alocação dos riscos deve ser eficiente. Para tanto, deve considerar a compatibilidade com as obrigações e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada parte contratante para melhor gerenciá-lo.7

Além disso, a alocação dos riscos deverá ser quantificada para fins de cálculo do valor estimado da contratação, de acordo com a metodologia predefinida pelo ente federativo. A taxa de risco deverá ser compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado8. Ademais, o custo da contratação de seguros obrigatórios será integrado ao preço a ser pago pela Administração ao contratado.9

A lei 14.133/21 estabelece duas hipóteses em que a matriz de riscos será obrigatória:10

  1. Obras e serviços de grande vulto, considerando aquelas de valor estimado superior a R$228.833.309,0411, e
  2. Quando forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada (art.46, lei 14.133/21)

Para as demais contratações, caberá à Administração avaliar o caso concreto e decidir acerca da formalização da matriz. Há jurisprudência do TCU no sentido de que seja elaborada a matriz de riscos em todas as contratações que envolvam incertezas relevantes.12

A matriz de riscos deverá ser refletida nos direitos e nas responsabilidades das partes definidos no contrato. A Lei estabelece situações que devem ser obrigatoriamente consideradas na alocação de riscos.13

  1. Hipóteses de alteração para o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato nos casos em que o sinistro seja considerado na matriz de riscos como causa de desequilíbrio não suportada pela parte que pretenda o restabelecimento. Nesse caso, o sinistro afeta parte distinta daquela a quem o risco havia sido alocado na matriz de riscos, assim a parte afetada terá interesse no restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, mas o ônus de suportá-lo será da outra parte, a quem o risco tinha sido originalmente alocado;
  2. Possibilidade de resolução quando o sinistro majorar excessivamente ou impedir a continuidade da execução contratual. Nesse caso, ainda que o risco tenha sido previsto na matriz, se a sua concretização tiver impacto muito superior ao estimado, de modo que inviabilize a continuidade da execução contratual haverá a possibilidade de extinguir o contrato.

O equilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser considerado mantido sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de riscos. Assmi, caso se concretize algum evento previsto na matriz de riscos, as partes não poderão solicitar o restabelecimento do equilíbrio para arcar com o ônus financeiro decorrente dos riscos assumidos no contrato.14

Excepcionam-se, no entanto, as seguintes situações:15

  1. Alterações unilaterais determinadas pela Administração pública
  2. Aumento ou redução, pela legislação superveniente dos tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato.

Ocorrendo as situações supramencionadas, deverá ser providenciado o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Normas referenciadas para alocação de riscos no contrato:

Lei 14.133/21 – Art.6°, Art.22; Art.92, IX, Art.103

IN – Seges/ME65/21

Acórdão 320/23 -TCU-P

Acórdão 2980/15 TCU-P

Acórdão 2172/13 TCU-P

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1 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/400175/formalizacao-via-contrato-a-luz-da-lei-14-133-21-clausulas-parte-1

Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/400482/formalizacao-via-contrato-a-luz-da-lei-14-133-21

3 Lei 14.133/2021, art. 6º, inciso XXVII, alínea a, e art. 22, § 1°.

4 Lei 14.133/2021, art. 103, § 2°

5 Nas contratações integradas, o projeto básico é elaborado pelo contratado, que assume assim os riscos do seu projeto. Nas semi-integradas, o PB é elaborado pela Administração, mas pode ser alterado pelo contratado, mediante autorização da contratante, desde que demonstrada a superioridade das inovações propostas pelo contratado em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação, hipótese em que o contratado assume os riscos dessa alteração (Lei14.133/2021, art. 46, §§ 3° e 5°.)

6 Lei 14.133/2021, art. 22, § 4°

7 Lei 14.133/2021, art. 22, § 1°, e art. 103, § 1°

Lei 14.133/2021, art. 22, caput, § 2°, II, e art. 103, § 3°; IN - Seges 65/2021, art. 4°, § Unico

9 Lei 14.133/2021, art. 22, § 2°, III.

10 Lei 14.133/2021, art. 22, § 3°

11 Lei 14.133/2021, art. 6°, iXXII. Valor atualizado anualmente pelo Poder Executivo federal

12 Acórdãos 2616/2020, item 9.1.2, 1441/2015, item 9.1.2, 2172/2013, item 9.2, todos do Plenário do TCU.

13 Lei 14.133/2021, art. 22, § 2°, I e II

14 Lei 14.133/2021, art. 103, § 5°

15 Lei 14.133/2021, art. 103, § 5°, I e II

Cristina Simões Vieira
Advogada | DPO | LGPD | CPC-A https://www.linkedin.com/in/cristina-vieira/

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