Uma sentença afastando a condenação de uma empresa por infração de patentes foi proferida na semana passada na Justiça Estadual de São Paulo. Ao contrário de ações similares a decisão foi precisa, tocou em pontos importantes para as discussões de patentes e, corretamente, contrariou o laudo pericial.
A análise feita pelo magistrado no processo 1002021-04.2015.8.26.0002 surpreende por ser raro um juiz analisar com profundidade e clareza as reivindicações de uma patente, estabelecendo seus limites. Como veremos, está análise, que é jurídica, acaba sendo indevidamente deixada aos peritos e, inadvertidamente, o aspecto jurídico mais importante e central nos litígios de patentes deixa de ser enfrentado pelos magistrados.
O cerne imediato da discussão era a possibilidade de existir uma infração parcial de uma invenção da única reivindicação independente da patente PI 0305003-3. Em outras palavras, discutia-se a divisibilidade ou não da reivindicação independente. A questão subjacente e ainda mais relevante, o excesso da análise pericial ao ditar os limites jurídicos da patente de invenção.
O perito designado para o caso concluiu que haveria violação da patente pela presença de “reprodução parcial de atividade inventiva em relação a equivalência técnica (forma de funcionamento) e de formato – “feitio de meio tubo e a sua extremidade inferior é mais fechada, acima da qual existe um pino mediano (20) reversor da posição emborcada para a posição em pé do copo descartável.”
A Ré se insurgiu contra o laudo, sustentando que, diante de uma única reivindicação independente e uma dependente, e da ausência de reprodução integral dos elementos, não haveria que se falar em infração parcial ou por combinação. O perito além de ultrapassar os limites técnicos, defendeu o laudo afirmando ser possível fragmentar a reivindicação, pois cada elemento separadamente cumpriria uma função dotada de novidade e atividade inventiva.
Como bem apontado na decisão, o juiz não está vinculado à conclusão do laudo pericial, podendo julgar de forma diversa, segundo o princípio do livre convencimento. Uma vez que as análises técnicas foram realizadas pelo perito a fim de analisar se e quais elementos da patente teriam sido reproduzidos no produto infrator, cabe ao julgador definir o escopo da reivindicação e, em seguida, se a reprodução em questão caracteriza ou não a infração à patente à luz da lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), doutrina e jurisprudência.
Na sentença proferida, o juiz Seung Chul Kim, destaca de forma cristalina a importância da análise do “que foi reivindicado e como foi reivindicado para a verificação do escopo e alcance da patente”. Tanto é assim que nos EUA a etapa do “claim construction”, traduzida como interpretação das reivindicações é fundamental nas ações de patentes.
É nessa (primeira) etapa que o Judiciário interpreta o significado e o objeto das reivindicações da patente. Como são as reivindicações que definem o escopo da invenção que proporciona ao titular o direito de excluir terceiros, a interpretação das reivindicações é fundamental na análise de infração ou validade de uma patente, impactando o resultado do processo e outras questões importantes como a oponibilidade da patente, sanções etc. Somente após os limites das reivindicações terem sido definidos é que o julgador americano ou o Júri pode decidir acerca de eventual infração ou nulidade. A questão é tão madura nos Estados Unidos que existem padrões e normas procedimentais relacionados a tal processo de interpretação. A técnica, se aprendida e incorporada também no Brasil, traria maior segurança aos julgadores das ações de patentes, que em sua maioria não possuem expertise na área das patentes em exame. Do mesmo modo, as partes poderiam vir a ser beneficiadas, uma vez que participariam dessa etapa de definição do significado das reivindicações, não havendo margem para equívocos futuros com relação ao escopo da invenção.
A sentença analisou a íntegra da patente, trouxe considerações sobre o respectivo relatório descritivo, interpretou reivindicações e figuras. Concluiu pela indivisibilidade das reivindicações, regra vigente em nosso ordenamento jurídico, pela qual a infração só pode ser constatada se todas as características reivindicadas forem reproduzidas, de forma literal ou por equivalência, citando um dos maiores doutrinadores brasileiros e expert em patentes, o Dr. Denis Borges Barbosa.
O escopo de proteção da PI0305003-3 corresponde à viabilização de um mecanismo que permite o isolamento do compartimento de copos descartáveis do meio ambiente, mantendo-o fechado. No produto da Ré, não existia parede semicircular e a dispensadora utilizava peça em formato de "U", não existia movimento de um lado para outro, não existia fechamento e tampouco projeção radical para fora da tampa de fechamento, como reivindicado na patente.
O problema solucionado do estado da técnica pelo novo dispenser semiautomático totalmente embutido (sem contato com o ambiente externo) era justamente o contato do copo com o ambiente externo e o risco de contaminação, dentre outros destacados no relatório descritivo da patente. No produto da Ré, os copos dispensados ficavam totalmente expostos ao ambiente externo, o que contraria a solução tecnológica alcançada pela invenção e as reivindicações da patente.
A sentença concluiu que a atividade inventiva da patente consiste no mecanismo de abertura e fechamento do dispensador de copos descartáveis, mecanismo este inexistentes no produto da ré, de modo que não houve atos de concorrência desleal e nem dever de indenizar.
A Autora foi condenada ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da causa, e ainda pode recorrer ao TJ/SP.