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O cancelamento de precatórios e requisições de pequeno valor federais (Lei 13.463/17)

O STF, ao julgar embargos da União, decidiu modular os efeitos de sua decisão, estabelecendo que a proclamação de inconstitucionalidade só valerá a partir de 6 de julho de 2022. Assim, não haverá restituição de valores de precatórios ou requisições cancelados até 5 de julho de 2022 devido à falta de seu levantamento.

24/1/2024

A lei 13.463, de 2017, dispõe sobre a destinação dos recursos voltados para o pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor federais. Tal lei somente se aplica a pagamentos de precatórios e RPVs feitos pela União ou outros entes federais; ela não se aplica a pagamentos feitos pela Fazenda Pública estadual nem pela municipal.

De acordo com o seu art. 2º, os precatórios e requisições federais já expedidos, cujos valores tenham sido transferidos à instituição financeira responsável pela gestão de recursos, mas não tenham sido levantados pelo credor há mais de 2 (dois) anos, devem ser cancelados. O cancelamento se dá mediante devolução dos recursos, pela instituição financeira, à conta única do Tesouro Nacional.

O presidente do respectivo tribunal será cientificado do cancelamento, devendo, então, comunicar o fato ao juiz da execução, que, por sua vez, notificará o credor. Quer isso dizer que os valores depositados, há mais de 2 (dois) anos, e não levantados pelo exequente, são reintegrados ao Tesouro Nacional, que destinará parte dos referidos recursos às finalidades instituídas pela própria lei 13.463, de 2017.

É relevante observar se, quando do cancelamento, o pagamento já havido sido feito. O precatório ou RPV já fora atendido. O valor já está disponibilizado ao exequente, que apenas não tomou a iniciativa de levantá-lo. Por isso, o cancelamento não resulta na perda de tais valores. Segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça: “Efetuado o depósito dos valores do precatório ou RPV, os montantes respectivos se transferem à propriedade do credor, pois saem da esfera de disponibilidade patrimonial do Ente Público. Sendo de sua propriedade, o credor pode optar por sacá-los quando bem entender; eventual subtração da quantia que lhe pertence, para retorná-la em caráter definitivo aos cofres públicos, configuraria verdadeiro confisco – ou mesmo desapropriação de dinheiro, instituto absolutamente esdrú­xulo e ilegal.” (STJ, 1ª Turma, REsp 1.874.973/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 13.10.2020).

De acordo com o art. 3º da lei 13.463/17, o credor poderá requerer a expedição de novo ofício requisitório, garantida a ordem cronológica do requisitório anterior e a remuneração correspondente a todo o período.

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, num primeiro momento, entendeu ser imprescritível a pretensão do credor de requerer a expedição de novo precatório ou RPV, pois, nos termos de sua própria jurisprudência, “a prática de atos pelo ente público, que importem em reconhecimento inequívoco do direito da parte contrária, como a realização de pagamentos das verbas controvertidas aos exequentes (servidores públicos), são incompatíveis com os efeitos da prescrição. Reconhecimento, na hipótese, da renúncia tácita ao prazo prescricional, nos termos do art. 191 do Código Civil.” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.827.462/PE, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.10.2019. No mesmo sentido: STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.100.377/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18.3.2013).

Posteriormente, a mesma 2ª Turma passou a entender que tal pretensão não seria imprescritível, começando o correr o prazo prescricional a partir do cancelamento do precatório ou RPV, cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados (STJ, 2ª Turma, REsp 1.859.409/RN, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 25.6.2020. No mesmo sentido: STJ, 2ª Turma, REsp 1.844.138/PE, rel. Min. Og Fernandes, DJe 9.10.2020; STJ, 2ª Turma, REsp 1.947.651/RN, rel. Min. Og Fernandes, DJe 6.10.2021).

Por sua vez, a 1ª Turma do STJ entende que referida previsão legal de cancelamento do precatório “deixa à mostra que não se trata de extinção de direito do credor do precatório ou RPV, mas sim de uma postergação para recebimento futuro, quando tiverem decorridos 2 anos da liberação, sem que o credor levante os valores correspondentes.” (STJ, 1ª Turma, REsp 1.874.973/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 13.10.2020).

Não há prazo para requerer nova expedição do requisitório, já que o reconhecimento do crédito e depósito dos valores representa o ingresso do crédito no patrimônio do credor, sendo que a reincorporação ao Tesouro Nacional é feita mediante ulterior remuneração (prevista na própria lei). Logo, não há que se falar em prescrição, pois se trata de verba colocada à disposição do ente federal mediante remuneração expressamente prevista em lei; ou seja, operação que mais se assemelha a um empréstimo sem prazo específico para pagamento. Ainda de acordo com a 1ª Turma do STJ, não há prescrição, pois “o retorno dos valores do precatório ou RPV, havendo seu cancelamento depois de um biênio, tem todo o aspecto de um empréstimo ao Ente Público pagador (...)” (STJ, 1ª Turma, REsp 1.856.498/PE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 13.10.2020).  

Para a 1ª Turma do STJ, “não há que se falar em prescrição, sobretudo por se tratar do exercício de um direito potestativo, o qual não estaria sujeito à prescrição, podendo ser exercido a qualquer tempo.” (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.868.064/PB, rel. Min. Manoel Erhardt – Des. Conv. TRF5, DJe 18.11.2021). Enfim, para a 1ª Turma do STJ, é imprescritível a “pretensão à reexpedição da requisição de pequeno valor (RPV) cancelada nos termos da Lei n. 13.463/2017” (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.939.146/CE, rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 8.11.2021), tendo em vista a ausência de previsão legal nesse sentido (STJ, 1ª Turma, AgInt no AREsp 1.707.348/CE, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 2.6.2021; STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.882.202/CE, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 18.8.2021).

Diante da divergência de entendimento, a 1ª Seção do STJ afetou os Recursos Especiais 1.944.899/PE, 1.961.642/CE e 1.944.707/PE como representativos do Tema 1.141, nos seguintes termos: “Definir se é prescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV, após o cancelamento da requisição anterior, de que tratam os arts. 2º e 3º da Lei 13.463, de 06/07/2017.” (STJ, 1ª Seção, ProAfR no REsp 1.944.707/PE, rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 25.4.2022).

Os recursos foram julgados e a 1ª Seção do STJ concluiu pela prescritibilidade da pretensão, firmando a seguinte tese: “A pretensão de expedição de novo precatório ou requisição de pequeno valor, fundada nos arts. 2º e 3º da Lei 13.463/17, sujeita-se à prescrição quinquenal prevista no art. 1º do decreto 20.910/32 e tem, como termo inicial, a notificação do credor, na forma do § 4º do art. 2º da referida Lei 13.463/2017.”

A definição da questão pelo STJ é irrelevante e ineficaz, pois o STF, no julgamento da ADI 5.755, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 2º da lei 13.463, de 2017, tendo, então, sido a regra extirpada do ordenamento. Logo, não há mais razão para requerer a expedição de novo precatório, não sendo mais necessário examinar a existência ou não de prescrição a esse respeito.

Ao julgar embargos de declaração opostos pela União, o STF decidiu modular os efeitos de sua decisão para estabelecer que a proclamação de inconstitucionalidade só deve ser eficaz a partir de 6 de julho de 2022, quando da publicação da ata de julgamento da ação. Por isso, não haverá restituição dos valores de precatórios ou requisições de pequeno valor cancelados até 5 de julho de 2022, em decorrência da ausência de seu levantamento ou resgate.

Leonardo Carneiro da Cunha
Professor Associado da Faculdade Direito do Recife (UFPE), nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Procurador do Estado de Pernambuco. Advogado, sócio de Carneiro da Cunha Advogados.

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