Migalhas de Peso

Invasão de terras da União e a necessidade de emprego de violência

A questão fundiária no Brasil envolve desafios legais e tensões sociais na distribuição de terras. Destaco o crime de invasão de terras da União como parte desse complexo cenário.

24/1/2024

A questão fundiária no Brasil tem sido historicamente marcada por desafios complexos, refletindo não apenas as dimensões legais, mas também as tensões sociais inerentes à distribuição de terras.

Dentre os diversos problemas que permeiam esse cenário, hoje trago algumas considerações acerca do crime de invasão de terras pertencentes à União.

O art. 20 da lei 4947/66 que define referdio crime tem o seguinte preceito.

“Art. 20 - Invadir, com intenção de ocupá-las, terras da União, dos Estados e dos Municípios:”

O verbo nuclear do referido tipo – invadir – requer, invariavelmente, a presença de violência ou que a suposta “invasão” se dê por meio de força, sendo inepta a denúncia que narra o tal crime sem descrever a violência ou a força empregada para, de fato, “invadir” terra de domínio público com a intenção de ocupá-la.

Dito isso, há de se convir que ausente o elemento subjetivo do tipo (a violência), consistente na intenção de invadir terra pública com intenção de ocupá-la, não existe crime.

Vejamos o escólio da jurisprudência:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 20 DA LEI 4.947/66. INVASÃO DE TERRAS DA UNIÃO. ELEMENTOS DO TIPO PENAL. VIOLÊNCIA. NECESSIDADE PARA A CONFIGURAÇÃO DO TIPO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O núcleo do tipo penal previsto no artigo 20, parágrafo único, da lei 4.947 /66 é invadir, isto é, entrar à força, penetrar, fazer incursão, dominar, tomar, usurpar terra que sabe pertencer à União, Estados ou Municípios. A venda que tem como objeto de cessão do direito de posse não configura o crime de invasão de terras públicas. 2. Ausente o elemento subjetivo do tipo, consistente na intenção de invadir terra pública com intenção de ocupá-la. Boa-fé. 3. Apelação não provida. A Turma, à unanimidade, negou provimento à apelação.(ACORDAO 00004981820074013903, DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:29/5/15 PÁGINA:2216.)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. ESTELIONATO. CESSÃO DO DIREITO DE POSSE. ASSENTAMENTO RURAL. REFORMA AGRÁRIA. PERMUTA DE ÁREA CEDIDA. INVASÃO DE TERRAS PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA DE CRIME. RECURSO DESPROVIDO. I - Não constitui crime de estelionato a cessão onerosa do direito de posse de terras públicas, originariamente destinadas à reforma agrária, haja vista não ter havido transmissão de domínio. II - A jurisprudência tem entendido que o núcleo do tipo penal previsto no art. 20, parágrafo único, da lei 4.947/66 é invadir, isto é, entrar à força, penetrar, fazer incursão, dominar, tomar, usurpar terra que sabe pertencer à União, Estados ou Municípios. A permuta de terras, objeto de cessão do direito de posse, não configura o crime de invasão de terras públicas. III- Recurso em sentido estrito desprovido. (RSE 0004682-05.2011.4.01.3603/MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.294 de 5/4/13)

PENAL. DENÚNCIA EM DESCONFORMIDADE COM AS REGRAS DO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA. CRIME DE INVASÃO DE TERRAS DA UNIÃO (ART. 20 DA LEI 4.947/66). POSSE DE ÁREA RURAL LASTREADA POR DOCUMENTO DE COMPRA E VENDA. INOCORRÊNCIA DO DELITO. ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 386, III, DO CPP. 1. A denúncia não descreveu a conduta atribuível aos acusados que se subsume ao delito de "falsidade ideológica" (art. 299 do CP), não estando, pois, em conformidade com o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal. Reconhecimento da inépcia que se mantém. 2. Não há como imputar aos réus o crime de "invasão de terras" porque as provas constantes dos autos indicam que os mesmos ocuparam área acreditando estar agindo dentro da legalidade, pois, adquiriram posse por meio de negócio oneroso de quem era conhecido como dono. Nestas condições não praticaram o verbo nuclear "invadir terras públicas", daí porque a conduta não pode ser subsumida à norma penal incriminadora prevista no art. 20 da lei 4.947/66. Absolvição dos réus, com fundamento no art. 386, III, do CPP, mantida. 3. Apelação do Ministério Público Federal não provida. (ACR 0000963-81.2008.4.01.4100/RO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.560 de 9/12/11)

Aliás, o magistério de Paulo Baltazar ao tratar do tipo penal em apreço assim discorre:

A conduta consiste em invadir, ou seja, entrar à força, penetrar, fazer incursão, dominar, tomar ou usurpar. Não corresponde a tal conduta o fato de o agente suceder outrem na posse antiga de terras públicas, que é fato atípico penalmente, pois não se pode interpretar ampliativamente nem utilizar a analogia em desfavor do réu (TRF4, AC 20037207001989-3/SC, Paulo Afonso, 8ª T., u., 21.9.05; TRF4, AC 20037207001640-5/SC, Paulo Afonso, 8ª T., u., 11.10.06). O mesmo vale para o agente que adquire de particulares antigas posses localizadas em terras públicas (TRF1, AC 8901205785/RO, 3ª T., u., 25.9.89). (BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 230):

Como se vê, a conduta descrita no art. 20 da lei 4.947/66 consiste em “invadir”, ou seja, entrar à força, penetrar, fazer incursão, dominar, tomar ou usurpar terra pertencente à União.

Ausente o elemento subjetivo do tipo, consistente na intenção de invadir terra pública com intenção de ocupá-la, não existe crime por evidente atipicidade da conduta.

Tainah Lasmar Leon
Advogada especialista em Direito Penal Empresarial. Foi Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso por mais de uma década. Atuou no GAECO e em outros núcleos sensíveis.

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