Conflitos sociais são características comuns do convívio em grupo, resultante das individualidades pessoais, intelectuais e físicas de cada um, fator este que não é, por si só, um problema que demande a atuação do Estado enquanto mecanismo repressor de condutas delitivas, exceto quando o desrespeito à individualidade do outro cruza a linha do legalmente admitido, sendo imperativo que o ente estatal coíba os excessos.
Neste contexto, é de esperar a criação de novas leis para reprimir comportamentos abusivos e que dificultam a convivência, ainda que isto seja feito através da inserção de novos crimes no ordenamento jurídico, o que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, à semelhança da recém promulgada lei 14.811/24, que trouxe as figuras do Bullying e do Cyberbullying ao Código Penal.
Desta forma, a criação dos delitos de bullying e cyberbullying introduz uma notável expressão de uma necessidade social, diante da impossibilidade de se ignorar as terríveis consequências dessas práticas, que variam desde depressão e ansiedade, ao suicídio das vítimas.
Nesta conjectura, a lei 14.811/24 traz uma fundamental providência por parte do Estado mas que, apesar disso, merece determinados contrapontos, que não podem ser ignorados por parte dos que irão aplicar à norma.
Assim sendo, um fator que chama a atenção no tipo penal inserido no Art.146-A do Código Penal é a pena prevista para aquele que praticar o crime de Bullying – descrito como a conduta de intimidação reiterada com o uso de violência -, o qual será punido apenas com uma repressão pecuniária mediante multa.
Ademais, inseriu o legislador, no tópico relativo a pena, a expressão “se a conduta não constituir crime mais grave”, o que leva ao entendimento de que o delito poderá ser subsidiário – isto é, só será caracterizado se outro mais grave não for praticado -, ou ainda a possibilidade de uma dupla valoração da conduta, podendo o agente que pratica o Bullying mediante lesão corporal responder por ambos os delitos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, excluindo-se, portanto, esta segunda possibilidade.
Outrossim, no tópico referente ao ilícito penal de cyberbullying – parágrafo único do Art.146-A -, optou-se por prever a pena de reclusão de 2 a 4 anos para o agente que praticar o mesmo crime em âmbito virtual vedando, portanto, a possibilidade de prisão preventiva e autorizando a concessão de fiança ainda em sede policial.
Todavia, a escolha do legislador por prever a sanção de prisão apenas ao crime cometido em sua modalidade digital desperta questionamentos acerca de sua eficácia, tendo em vista que, de acordo com as disposições legais aplicáveis, dificilmente seria o agente detido para cumprir a pena, devido ao seu patamar de até quatro anos, desautorizando o regime inicial fechado.
É de se ressaltar que, nos casos de denúncia recebida pela suposta prática do crime de cyberbullying, poderá o magistrado determinar medidas cautelares que objetivem a proibição de que o acusado continue utilizando o meio ou ambiente digital com que praticou o ilícito, bem como a remoção de eventual conteúdo abusivo, o que se mostra mais eficaz, para a finalidade de restauração do status cuo, do que a segregação da liberdade.
Em síntese, importante trazer a atenção também para a questionável redação adotada pelo legislador, com emprego e repetição de termos que dificultam a compreensão da aplicabilidade prática dos relevantes delitos criados, beirando até o pleonasmo e contribuindo para que, futuramente, os Tribunais sejam chamados para que interpretem as condições de aplicação da norma.