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A falsa identidade

O crime de falsa identidade tem previsão legal no artigo 307 do Código Penal, e consiste, em suma, na apropriação de identidade alheia, visando a obtenção de vantagem.

17/1/2024

O crime de falsa identidade tem previsão legal no artigo 307 do Código Penal, e consiste, em suma, na apropriação de identidade alheia, visando a obtenção de vantagem. É o irmão que se passa pelo outro. É a criação do perfil falso na internet. Enfim, é a busca de vantagem em nome alheio.

“Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.”

Trata-se de infração penal que não exige resultado naturalístico, ou seja, estará consumado independentemente da obtenção de vantagem para si ou para outrem ou de prejuízo a terceiros:

“Tratando-se o delito previsto no art. 307 do CP, de crime formal, é desnecessária a consumação de obtenção da vantagem própria ou de outrem, ou mesmo a ocorrência de danos a terceiros. (AgRg no REsp n. 1.697.955/ES, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 10/4/18, DJe de 23/4/18.)”

É importante destacar que a falsa identidade não se confunde com o uso de documento falso. Isto é, na falsa identidade, o sujeito simula ser outra pessoa, sem apresentar prova documental de sua identidade. No uso de documento falso, o infrator utiliza o documento falsificado, no todo ou em parte, ou seja, ele apresenta prova documental sobre fato juridicamente relevante.

Cita-se, como exemplo, o sujeito, abordado por policiais, enquanto dirigia veículo automotor, apresenta habilitação falsa. Neste caso, como a apresentação do documento falso foi voluntária, ou seja, o infrator entregou prova documental inidônea, para fins escusos, responderá pelo crime de uso de documento falso.

Como em Direito Penal não pode haver dupla punição pelo mesmo fato, e a conduta antijurídica pressupõe que a ação humana tem um fim específico, ainda que a falsa identidade integre o conjunto de ações destinada ao uso de documento falso, uma vez que, de acordo com o exemplo anteriormente citado, a apresentação de documento falso aos policiais pode ter sido uma progressão de crimes entre a falsa identidade e o uso de documento falso, como o objetivo do uso de documento falso foi encobrir a falsa identidade, o sujeito só responderá pelo crime de uso de documento falso, uma vez que a falsa identidade foi apenas um meio para a consumação do outro delito.

Confira trechos do voto exarado AgRg no HC n. 628.425/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/2/22, DJe de 3/3/22, em que foi rechaçada a tese que buscava a desclassificação da conduta do uso de documento falso, sob o argumento de que o ato de apresentar documento de identidade falso para não ser identificado pelos policiais como foragido do sistema carcerário configura o crime de falsa identidade:

“É incabível a pretendida desclassificação para o crime do art. 307 do Código Penal. Consoante asseverado pelo Tribunal de origem, o Paciente "fez uso de documento público falso durante abordagem policial, consistente em Carteira de Identidade, com o nome de Douglas Israel Lopes", objetivando evitar que fosse preso, pois possuía mandado de prisão ativo, e essa conduta se adequa ao tipo penal pelo qual o Acusado foi condenado.”

Essa mesma interpretação é aplicada quando a falsa identidade visa à prática do crime de estelionato:

Conforme dispõe a súmula 17 desta Corte Superior, "quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido". (AgRg no AREsp n. 1.781.203/MT, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 21/9/21, DJe de 27/9/21.

Com efeito, ainda que o delito de falsa identidade seja considerado um crime, em princípio, sem muita relevância para a justiça criminal e, em tese, quando praticado de forma isolada, pode viabilizar a aplicação do princípio da insignificância – que é um benefício criminal de despenalização -, esse benefício criminal não tem aplicação automática, pois dependerá de análise subjetiva do julgador.

De acordo com o STJ, a aplicação desse benefício é vinculada à análise cumulativa dos seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhum a periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ou seja, é um benefício que não se aplica ao criminoso contumaz:

“A habitualidade delitiva, representada pelos maus antecedentes e pela reincidência, tem sido compreendida como obstáculo inicial à tese da aplicação do princípio da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal. (AgRg no HC n. 827.848/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/12/23, DJe de 15/12/23.)”

De acordo com o Ministro Roberto Barroso, do STF, a aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo – conglobante -, ou seja, que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente.

No julgamento do AgRg no HC n. 821.195/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/8/23, DJe de 30/8/23, onde se analisou conduta de criminoso contumaz, foi rejeitada a aplicação do benefício, uma vez que, na visão do eminente relator, esse benefício não foi criado para servir de incentivo a pequenos delitos. Confira trechos do voto exarado pelo eminente Ministro:

“Desse modo, a reiteração no cometimento de infrações penais se reveste de relevante reprovabilidade e não se mostra compatível com a aplicação do princípio da insignificância, a reclamar a atuação do Direito Penal. Deve-se enfatizar, por oportuno, que o princípio da bagatela não pode servir como um incentivo à prática de pequenos delitos. Além disso, o furto praticado mediante escalada, com invasão aos imóveis das vítimas, inviabiliza a aplicação do referido princípio.”

Por fim, está pacificado, no âmbito do STJ, o entendimento de que o direito de autodefesa não alcança a pessoa que atribui falsa identidade à autoridade policial com o objetivo de omitir maus antecedentes:

“O direito à autodefesa não é ilimitado, tendo, neste sentido, mesmo que por conduta diversa, sido editada a Súmula 522, a qual dispõe que "a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa". "O exercício da autodefesa não pode ser invocado para autorizar e nem justificar o cometimento de outros delitos" (HC 369.082/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/17, DJe 1/8/17). (AgRg no HC n. 622.955/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 1/6/21, DJe de 7/6/21.)”

Portanto, em linhas gerais, o crime de falsa identidade estará consumado quando o sujeito simula ser uma pessoa, mas não apresenta prova documental sobre essa identidade. Será penalizado por outras condutas mais graves, quando houver a utilização de um documento (falso ou de terceiros) para o seu objetivo ilícito.

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Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

AgRg no REsp n. 1.697.955/ES, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 23/4/2018.

AgRg no HC n. 628.425/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 3/3/2022.

AgRg no AREsp n. 1.781.203/MT, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 27/9/2021.

AgRg no HC n. 827.848/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023.

AgRg no HC n. 821.195/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023.

AgRg no HC n. 622.955/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 1/6/2021, DJe de 7/6/2021.

HC 123108, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03-08-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018  DIVULG 29-01-2016  PUBLIC 01-02-2016.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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