Num cenário em que a margem líquida dos postos de gasolina é frequentemente inferior a 2%, uma conclusão surpreendente emerge: para muitas distribuidoras, é mais vantajoso impor as multas contratuais do que vender os produtos que os postos contratados deixaram de adquirir.
Uma pesquisa realizada em 110 postos de gasolina entre 2020 e 2023 revelou que apenas 10 deles alcançavam lucros líquidos entre 2% e 2,5%, enquanto a maioria operava com margens na média estipulada pela lei, que é de 1,6% de margem líquida.
Cerca de 90% da receita dos postos é destinada ao pagamento dos combustíveis às distribuidoras, enquanto os custos operacionais absorvem entre 8% e 10% desse montante.
Contudo, ao examinar os balanços das grandes distribuidoras, percebe-se que seus lucros líquidos se alinham, em média, aos obtidos pelos postos, com nenhuma delas ultrapassando a marca de 2%. O lucro líquido de 1% de uma distribuidora, embora possa parecer modesto, é considerado substancial, considerando receitas líquidas que ultrapassam a casa dos 100 bilhões de reais.
Um exemplo ilustrativo é uma das três maiores distribuidoras do país, que registrou em 2022 uma margem líquida média de 0,41%, gerando uma receita de R$ 123.399.925.000,00 e um lucro líquido de R$ 501.768.000,00. Essa mesma distribuidora, no entanto, impõe uma multa de 2% a 5% sobre a receita que obteria vendendo os combustíveis não adquiridos pelos postos.
O argumento central é que as multas contratuais deveriam ser proporcionais aos danos sofridos, evitando valores exorbitantes que tornem o não cumprimento do contrato mais lucrativo do que sua execução integral. O STJ destacou que cláusulas penais devem preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, impedindo enriquecimento sem causa de qualquer das partes.
Para ilustrar, considerando que um posto não comprou 10 milhões de litros de combustível a um preço médio de R$ 5,00 por litro, a receita potencial seria de R$ 50.000.000,00. Uma multa de 5% sobre essa receita resultaria em R$ 2.500.000,00. No entanto, se a margem líquida média da distribuidora for de 0,41%, o lucro real seria de apenas R$ 205.000,00 sobre essa receita, levantando questões sobre a razoabilidade da multa.
Em um caso emblemático, um posto de gasolina com um patrimônio líquido de aproximadamente 100 mil de reais foi condenado a pagar uma multa excedendo 11 milhões de reais, situação agravada pelo fato da cobrança encontrar-se fase final do processo (liquidação de sentença). No entanto, é reconfortante observar que os Tribunais de Justiça do Estado do Paraná e do Estado de São Paulo, alinhados com o princípio da equidade como ideal de justiça, têm readequado o valor deste tipo de multa desde que seja bem fundamentado pelo advogado especialista na área de contratos entre postos de gasolina e distribuidora.
Essa posição de nossos tribunais visa evitar o enriquecimento sem causa da distribuidora, um conceito repudiado pelo sistema jurídico universal. O enriquecimento sem causa é um conceito jurídico que se refere à obtenção de vantagens financeiras ou patrimoniais por uma parte sem que exista uma razão justificável ou causa legítima para tal. Em outras palavras, é quando alguém se beneficia economicamente de maneira injusta, sem ter prestado um serviço, fornecido um bem, ou realizado qualquer outra ação que justifique o ganho além daquele que iria lucrar com o cumprimento da obrigação.
O STJ também ressalta que, conforme o Novo Código Civil, multas manifestamente excessivas podem ser reduzidas pelo juiz, mesmo em fase de liquidação de sentença. Esta salvaguarda visa evitar o enriquecimento sem causa das distribuidoras, em consonância com os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.