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Impactos da reforma tributária na área da saúde

A Reforma Tributária transformará totalmente a forma de apuração e arrecadação de tributos indiretos no país e impactará diretamente todos os contribuintes. Apesar de promover a simplificação do sistema, existe a preocupação em relação ao possível incremento da carga tributária, especialmente para prestadores de serviços, incluindo a área da saúde.

16/1/2024

Dentre os temas que mais ocuparam as manchetes de política no ano de 2023 está a Reforma Tributária, que foi promulgada em 20 de dezembro, após anos de trâmite na Câmara e no Senado. A demora decorreu especialmente por ter sido promovida por meio de uma emenda à constituição, exigindo a aprovação do texto final nas duas casas do Parlamento, com quórum qualificado. A PEC 45/19, portanto, produziu a Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023.

Com objetivo primordial de simplificar a apuração e a arrecadação de tributos das empresas, a Reforma Tributária promoverá grandes mudanças, afetando diretamente a operação de todas elas, sejam da indústria, do comércio ou prestação de serviços, incluindo as que atuam na área da saúde.

O texto da Emenda Constitucional prevê a criação de novos tributos, denominados Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS e Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, que substituirão os atuais PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, incidentes sobre a circulação de bens e a prestação de serviços.

Enquanto a CBS será arrecadada em âmbito federal, o IBS será de competência das esferas estaduais e municipais. Em algumas situações, incidirá também o Imposto Seletivo - IS que será adicionado a produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e agrotóxicos.

As empresas que prestam serviços na área da saúde, que atualmente apuram e recolhem Imposto sobre Serviços - ISSQN deverão realizar a apuração da CBS e do IBS, que serão incidentes não necessariamente sobre a totalidade do valor apurado, mas ao valor agregado - IVA. No entanto, a forma exata de como o cálculo dos referidos tributos será realizado deverá ser especificada posteriormente, por leis infraconstitucionais.

A principal inovação trazida pela reforma consiste em fazer com que as empresas que importam, produzem e comercializam produtos de qualquer natureza também apurem e recolham os mesmos dois tributos – CBS e IBS. Isso não acontece atualmente, sendo a sistemática tributária muito mais complexa e laboriosa, diante da existência concomitante de PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS.

Caso a simplificação da apuração e arrecadação se concretize, permitirá que as empresas se beneficiem inclusive financeiramente com a redução da extraordinária complexidade atual. Porém, como a emenda constitucional apresenta premissas genéricas, a efetivação desta promessa só se concretizará após promulgadas as demais leis e normas, hierarquicamente inferiores, que edificam todo o sistema tributário.

Se a desburocratização é almejada por todos, ainda paira no ar o temor do indesejado aumento na carga tributária. Afinal, uma das premissas da mudança é que a arrecadação, no mínimo, se mantenha no montante atualmente alcançado pelos entes federados.

Ainda não se sabe quais alíquotas serão aplicadas, mas estudos divulgados pelo Ministério da Fazenda estimam que a alíquota base do IBS e da CBS deverá ser de 25,45% a 27% sobre o faturamento, a fim de se manter a arrecadação atual1. Se estes percentuais se efetivarem, haverá um real aumento de carga tributária, especialmente para os prestadores de serviço, que atualmente contribuem com aproximadamente 10% do faturamento, na somatória dos tributos indiretos incidentes.

Felizmente para uma pequena parcela dos contribuintes, alguns órgãos de classe se organizaram, durante todo o processo de trâmite da PEC, com a intenção de impedir este aumento expressivo de tributos. Por meio de articulações políticas, um pequeno número conseguiu a isenção ou a possibilidade de redução na base de cálculo dos tributos.

Para alívio dos prestadores de serviços de saúde, consta do texto da Emenda Constitucional uma disposição no sentido de que a lei complementar que instituir o IBS e o CBS, “poderá prever regimes diferenciados de tributação”, que pode chegar a uma redução de 60% da alíquota incidente sobre os serviços de saúde2. Contudo, a leitura atenta em relação ao verbo empregado na norma – poderá – exige cautela nas comemorações, visto que o benefício ainda não pode ser dado como certo.

O processo da reforma tributária ainda levará alguns meses, quiçá anos, dependendo ainda da elaboração das referidas leis complementares, ordinárias e demais normas necessárias para construção desse novo sistema. A transição do modelo, por sua vez, ocorrerá em pelo menos dez anos, a partir de 2029, com a entrada gradativa dos novos tributos e a extinção dos antigos (atuais).

Vale ressaltar que outros tributos também foram objeto de alteração pela PEC, como o IPVA, que passará a ter progressividade na alíquota, levando em consideração o tipo, o valor, a utilização e o impacto ambiental causado pelo veículo automotor.

Além disso, o ITCMD, incidente sobre heranças e doações, passará a ter necessariamente alíquotas progressivas e poderá incidir na transmissão de bens situados no exterior, na forma a ser regulada por normas infraconstitucionais.

É importante ressaltar que alguns regimes tributários, como o Simples Nacional, não serão impactados por esta primeira fase da reforma tributária. Espera-se que, nos próximos meses, a segunda fase seja incluída na pauta do Congresso, com o objetivo de modificar o sistema de arrecadação dos impostos incidentes sobre a renda, tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas. Isso certamente suscitará ainda mais debate, em razão do impacto a ser causado nas operações das sociedades e no orçamento doméstico das famílias.

Embora muito almejado, talvez seja ainda difícil imaginar o cenário em que o sistema tributário brasileiro se torne verdadeiramente simples e moderno. Se “no Brasil até o passado é incerto3, por cautela, durante todo o processo de implementação da Reforma Tributária, é fundamental que se permaneça atento e bem-informado em relação às mudanças serão efetivamente realizadas. Isso é particularmente importante para planejar operações futuras e manter a saúde financeira das organizações. 

Fonte da imagem: Agência Senado4

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1 MÁXIMO, Wellton. Alíquota-padrão do IVA ficará entre 25,45% e 27%, calcula Fazenda: tributação sobre consumo será menor que 34,4% cobrados atualmente. Brasília: Agência Brasil, publicado em 08. Ago. 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-08/aliquota-padrao-do-iva-ficara-entre-2545-e-27-calcula-fazenda-0. Acesso em: 05 out. 2023.

2 Art. 9º, Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm#art4; acesso em 28.dez.2023.

3 Frase atribuída a Pedro Malan, Ministro da Fazenda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

4 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/07/24/senadores-ja-discutem-mudancas-na-reforma-tributaria

Fernando Camargo Penteado
Advogado e Bacharel em Ciências Contábeis, especialista em Direito Tributário pela PUC Campinas. Sócio da Camargo Penteado Contabilidade Tributária, tendo atuado como gerente Sênior em Big Four até 2015. Inscrito nos quadros da OAB/SP sob n. 226.567.

Gisele Machado Figueiredo Boselli
Graduada em Direito da PUC Campinas. Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. Especialista em Direto Médico e da Saúde pela PUC-PR.

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