Dentre os temas que mais ocuparam as manchetes de política no ano de 2023 está a Reforma Tributária, que foi promulgada em 20 de dezembro, após anos de trâmite na Câmara e no Senado. A demora decorreu especialmente por ter sido promovida por meio de uma emenda à constituição, exigindo a aprovação do texto final nas duas casas do Parlamento, com quórum qualificado. A PEC 45/19, portanto, produziu a Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023.
Com objetivo primordial de simplificar a apuração e a arrecadação de tributos das empresas, a Reforma Tributária promoverá grandes mudanças, afetando diretamente a operação de todas elas, sejam da indústria, do comércio ou prestação de serviços, incluindo as que atuam na área da saúde.
O texto da Emenda Constitucional prevê a criação de novos tributos, denominados Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS e Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, que substituirão os atuais PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, incidentes sobre a circulação de bens e a prestação de serviços.
Enquanto a CBS será arrecadada em âmbito federal, o IBS será de competência das esferas estaduais e municipais. Em algumas situações, incidirá também o Imposto Seletivo - IS que será adicionado a produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e agrotóxicos.
As empresas que prestam serviços na área da saúde, que atualmente apuram e recolhem Imposto sobre Serviços - ISSQN deverão realizar a apuração da CBS e do IBS, que serão incidentes não necessariamente sobre a totalidade do valor apurado, mas ao valor agregado - IVA. No entanto, a forma exata de como o cálculo dos referidos tributos será realizado deverá ser especificada posteriormente, por leis infraconstitucionais.
A principal inovação trazida pela reforma consiste em fazer com que as empresas que importam, produzem e comercializam produtos de qualquer natureza também apurem e recolham os mesmos dois tributos – CBS e IBS. Isso não acontece atualmente, sendo a sistemática tributária muito mais complexa e laboriosa, diante da existência concomitante de PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS.
Caso a simplificação da apuração e arrecadação se concretize, permitirá que as empresas se beneficiem inclusive financeiramente com a redução da extraordinária complexidade atual. Porém, como a emenda constitucional apresenta premissas genéricas, a efetivação desta promessa só se concretizará após promulgadas as demais leis e normas, hierarquicamente inferiores, que edificam todo o sistema tributário.
Se a desburocratização é almejada por todos, ainda paira no ar o temor do indesejado aumento na carga tributária. Afinal, uma das premissas da mudança é que a arrecadação, no mínimo, se mantenha no montante atualmente alcançado pelos entes federados.
Ainda não se sabe quais alíquotas serão aplicadas, mas estudos divulgados pelo Ministério da Fazenda estimam que a alíquota base do IBS e da CBS deverá ser de 25,45% a 27% sobre o faturamento, a fim de se manter a arrecadação atual1. Se estes percentuais se efetivarem, haverá um real aumento de carga tributária, especialmente para os prestadores de serviço, que atualmente contribuem com aproximadamente 10% do faturamento, na somatória dos tributos indiretos incidentes.
Felizmente para uma pequena parcela dos contribuintes, alguns órgãos de classe se organizaram, durante todo o processo de trâmite da PEC, com a intenção de impedir este aumento expressivo de tributos. Por meio de articulações políticas, um pequeno número conseguiu a isenção ou a possibilidade de redução na base de cálculo dos tributos.
Para alívio dos prestadores de serviços de saúde, consta do texto da Emenda Constitucional uma disposição no sentido de que a lei complementar que instituir o IBS e o CBS, “poderá prever regimes diferenciados de tributação”, que pode chegar a uma redução de 60% da alíquota incidente sobre os serviços de saúde2. Contudo, a leitura atenta em relação ao verbo empregado na norma – poderá – exige cautela nas comemorações, visto que o benefício ainda não pode ser dado como certo.
O processo da reforma tributária ainda levará alguns meses, quiçá anos, dependendo ainda da elaboração das referidas leis complementares, ordinárias e demais normas necessárias para construção desse novo sistema. A transição do modelo, por sua vez, ocorrerá em pelo menos dez anos, a partir de 2029, com a entrada gradativa dos novos tributos e a extinção dos antigos (atuais).
Vale ressaltar que outros tributos também foram objeto de alteração pela PEC, como o IPVA, que passará a ter progressividade na alíquota, levando em consideração o tipo, o valor, a utilização e o impacto ambiental causado pelo veículo automotor.
Além disso, o ITCMD, incidente sobre heranças e doações, passará a ter necessariamente alíquotas progressivas e poderá incidir na transmissão de bens situados no exterior, na forma a ser regulada por normas infraconstitucionais.
É importante ressaltar que alguns regimes tributários, como o Simples Nacional, não serão impactados por esta primeira fase da reforma tributária. Espera-se que, nos próximos meses, a segunda fase seja incluída na pauta do Congresso, com o objetivo de modificar o sistema de arrecadação dos impostos incidentes sobre a renda, tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas. Isso certamente suscitará ainda mais debate, em razão do impacto a ser causado nas operações das sociedades e no orçamento doméstico das famílias.
Embora muito almejado, talvez seja ainda difícil imaginar o cenário em que o sistema tributário brasileiro se torne verdadeiramente simples e moderno. Se “no Brasil até o passado é incerto3”, por cautela, durante todo o processo de implementação da Reforma Tributária, é fundamental que se permaneça atento e bem-informado em relação às mudanças serão efetivamente realizadas. Isso é particularmente importante para planejar operações futuras e manter a saúde financeira das organizações.
Fonte da imagem: Agência Senado4
1 MÁXIMO, Wellton. Alíquota-padrão do IVA ficará entre 25,45% e 27%, calcula Fazenda: tributação sobre consumo será menor que 34,4% cobrados atualmente. Brasília: Agência Brasil, publicado em 08. Ago. 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-08/aliquota-padrao-do-iva-ficara-entre-2545-e-27-calcula-fazenda-0. Acesso em: 05 out. 2023.
2 Art. 9º, Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm#art4; acesso em 28.dez.2023.
3 Frase atribuída a Pedro Malan, Ministro da Fazenda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
4 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/07/24/senadores-ja-discutem-mudancas-na-reforma-tributaria