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Nacionalização de petróleo: aspectos da nacionalização da República Árabe da Líbia revisitados

O petróleo é um recurso natural. De origem orgânica, trata-se de combinação de moléculas de hidrogênio e carbono (hidrocarbonetos). É tido como um mineralóide. Como o próprio sufixo da palavra indica, apesar de parecido com mineral, não se confunde com ele, pois a sua composição química desautoriza a sua classificação como tal.

4/6/2007


Nacionalização de petróleo: aspectos da nacionalização da República Árabe da Líbia revisitados

Rogério Duarte Fernandes dos Passos*

1. Breve e sucinto conceito do petróleo

O petróleo é um recurso natural. De origem orgânica, trata-se de combinação de moléculas de hidrogênio e carbono (hidrocarbonetos). É tido como um mineralóide. Como o próprio sufixo da palavra indica, apesar de parecido com mineral, não se confunde com ele, pois a sua composição química desautoriza a sua classificação como tal. A sua origem remonta há milhões de anos, quando matéria orgânica se decompôs e esteve sujeita à ação por longos períodos de fatores relacionados à temperatura e pressão.

No Brasil, a Lei nº 9478 (clique aqui), de 6 de agosto de 1997 – que dispôs sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, e que instituiu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) –, nos traz algumas definições importantes. No artigo 6º, para os fins desta lei e de sua regulamentação, no inciso I, temos que “petróleo” é “todo e qualquer hidrocarboneto líquido em seu estado natural, a exemplo do óleo cru e condensado”; no inciso II, temos que “gás natural” ou apenas “gás”, é “todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, incluindo gases úmidos, secos, residuais e gases raros”; e, finalmente, no inciso III do mesmo artigo, temos que “derivados de petróleo” são os “produtos decorrentes da transformação do petróleo”.

Sendo importante fonte energética, o petróleo constitui-se em uma das mais caras commodities1 da economia internacional.

2. Breve histórico das revoluções energéticas da humanidade

Elmar Altvater, em “O Preço da Riqueza: Pilhagem Ambiental e a Nova (Des)Odem Mundial”, citando obra do economista romeno Nicholas Georgescu-Röegen (1906-1994), considerado um dos pais da chamada da economia ecológica, (The Entropy Law and the Economic Process in Retrospect, Eastern Economic Journal, v. XII, nº 1, p. 3-25, 1986), faz referência ao conceito de “revolução prometéica” para situar o intenso e brusco aumento da base energética com o conseguinte crescimento da produtividade do trabalho e da produção de riquezas numa sociedade (Altvater, 1995:111). A primeira delas ocorreu no período neolítico, quando os homens dominaram o fogo, queimando áreas inteiras e fertilizando-as com as cinzas para o uso na agricultura, permitindo o surgimento de sociedades agrárias e de civilizações (Altvater, 1995:111). Já a segunda revolução prometéica resultou da combinação exitosa de fogo e água, que proporcionou o aumento da eficiência energética e conseqüentemente da produtividade do trabalho, de maneira que a energia obtida supera a energia no processo gasta, tendo como exemplo a utilização do vapor d’água obtido pelo aquecimento de uma caldeira, que concentrado para a realização do trabalho – supondo uma “ilha de sintropia”, isto é, concentração de recursos naturais disponíveis –, mineraria uma quantidade de carvão mineral deveras superior à quantidade queimada (Altvater, 1995:111).

Nessa segunda revolução prometéica, com o avanço da tecnologia, da ciência e das forças produtivas, posteriormente, surgem o gás e o petróleo, moldando o capitalismo naquilo que Altvater, ao longo de sua obra, denomina de “fordismo fossilista”.

Seria possível falar de uma terceira revolução prometéica quando se pudesse combinar não somente água, terra e fogo, mas todos os elementos para a transformação de energia, onde estaríamos diante da fundação de uma “era solar” (Altvater, 1995:113). Altvater relata que Georgescu-Röegen era cético com relação a esta possibilidade, pois o dispêndio energético e material, a utilização da terra, e a utilização da energia solar, por outro, não estariam numa base aceitável para tal viabilização, aduzindo, porém, que esse juízo versa sobre o estágio atual do conhecimento e organização da humanidade, podendo e devendo mudar (Altvater, 1995:113). Entretanto, no que concerne ao petróleo, a sua utilização possibilitou uma mundialização do capitalismo baseado no fordismo fossilista, pois o aumento da produtividade que, no seu curso, substituiu as energias oriundas da biosfera (que são finitas), para energias e materiais abióticos – isto é, jazidas fósseis –, refletiu, de maneira decisiva que tanto o capitalismo industrial quanto o fordista, são “modos-de-produção fossilistas” (Altvater, 1995:111).

Não resta dúvida que estamos, no mínimo, numa era estruturalmente dependente de gás e petróleo, e nada indica que o Século XXI, pelo menos em sua primeira metade, não será um século fóssil.

3. Petróleo: expansão mundial e conflitos

A busca por recursos naturais sempre foi uma realidade nas sociedades humanas e em seus correspectivos sistemas econômicos. Não diferente ocorreu com o petróleo, que, como vimos no tópico anterior, juntamente com o gás, se tornou a base de uma sociedade que depositou sua crença na indústria, na predação, na modernidade, no desenvolvimento e na acumulação. Nesta grande peça humana, o petróleo tem sido ator de destaque.

Modernamente, é quase unanimidade que o primeiro marco dessa história remonta ao ano de 1853, quando o advogado e professor novaiorquino George Bissel visita áreas com lençóis petrolíferos no oeste do estado da Pensilvânia, e quando um outro norte-americano, conhecido como Coronel Drake, perfurou o primeiro poço em Titusville, no Condado de Brevard, Flórida. Dá-se o início de sua destilação em 1860, e da utilização do querosene resultante dela até a sua ampla utilização como recurso em outros setores da vida econômica e social, muito não demora. Magnatas norte-americanos como Henry Ford (1863-1947) – que desenvolve o seu primeiro modelo de automóvel produzido em série –, John Davison Rockfeller (1839-1937), fundador da companhia petrolífera Standard Oil, em 1870, e Howard Robard Hughes Jr. (1905-1976), herdeiro de fortuna petrolífera no Texas –, são alguns nomes que inserem e impulsionam o petróleo definitivamente no desenrolar do Século XX. A busca pelo petróleo leva à descoberta de reservas em 1908 no Oriente Médio – mais exatamente no território que hoje é o Irã –, donde se expande a exploração para toda a região no entorno do Golfo Pérsico.

4. Petróleo: origem de disputas

Chamado de “ouro negro” em face de seu alto valor no mercado internacional, o petróleo ensejou disputas de toda a natureza. A crescente importância deste recurso natural nas relações sócio-econômicas dos Estados, e igualmente no contexto das relações internacionais, politizou o debate acerca da propriedade das jazidas, da finalidade de sua utilização e dos lucros advindos de sua exploração.

São fatos representativos destes conflitos as “crises” e os “choques” do petróleo, envolvendo o fornecimento e o preço da commodity, além de guerras e nacionalizações.

A primeira grande crise ocorreu entre 1951 e 1953, com a nacionalização de companhias petrolíferas de capital britânico promovida no Irã. A segunda, em 1956, quando o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser (1918-1970) nacionalizou o Canal de Suez, então controlado por companhias anglo-francesas, em fato que desencadeou guerra e o boicote do mundo árabe em face da intervenção de tropas inglesas e francesas na região, só interrompido por intervenção norte-americana e soviética. A terceira, durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, envolvendo de um lado Israel e de outro uma frente árabe, com Egito, Síria e Jordânia, contando com o apoio do Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão. A quarta – mais referida como o “primeiro choque do petróleo” –, adveio durante a Guerra do Yon-Kippur, em 1973, onde os Estados do Oriente Médio – agrupados na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP, criada em 1960 –, diminuíram a produção e restringiram a exportação do produto para os Estados Unidos da América (EUA) e para os países europeus que apoiaram Israel no conflito. Na ocasião, cientes do caráter não-renovável do recurso e de sua importância estratégica, a OPEP quadruplicou o preço do barril, e houve déficit e recessão na Europa e EUA2. A quinta crise – mais conhecida como “segundo choque do petróleo” –, adveio da Revolução Islâmica ocorrida no Irã, que depôs o xá Mohammad Reza Pahlevi e conduziu ao poder o aiatolá Ruhollah Komeini, em 1979, em fato que acabou por gerar certa instabilidade do setor produtivo, acarretando que o país – então segundo maior exportador mundial (só perdia para a Arábia Saudita) –, ficasse a margem do mercado petrolífero.

Mais recentemente, com a primeira Guerra do Golfo, em 1991, uma nova crise se abateu internacionalmente no setor. Liderando uma coalizão de países, os EUA atacam o Iraque, que um ano antes tinha anexado o Kuwait em face de acusar este país de forçar uma baixa artificial nos preços do petróleo. As tropas iraquianas – igualmente sem êxito na intensa guerra sem vencedores contra o vizinho Irã, entre 1980 e 1988 –, ao baterem em retirada, incendeiam poços de petróleo, causando grande dano ambiental e ecológico. Um feroz bloqueio econômico é imposto ao Iraque com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) – cujo Conselho de Segurança já havia autorizado a ação militar –, que, porém, não dá resultados em desestabilizar definitivamente o governo do presidente iraquiano Saddam Houssein.

Como conseqüência da política expansionista do presidente George W. Bush – iniciada diante dos atentados terroristas dos quais o país fora vítima em 11 de setembro de 2001 –, após ocuparem o Afeganistão e derrubarem o governo talebã, os EUA acusam falsamente o Iraque de produzir e manter armas químicas e de destruição em massa, e em 20 de março de 2003 – liderando uma nova coalizão de países e agora sem o apoio da ONU –, atacam novamente o país, iniciando a Segunda Guerra do Golfo (mais conhecida como Guerra do Iraque), derrotando o presidente Saddam Houssein, outrora aliado dos EUA na guerra contra o Irã – que é preso, julgado num tribunal ad hoc e enforcado no dia 30 de dezembro de 2006 –, e finalmente garantindo suprimento seguro, farto e barato de petróleo, diminuindo a dependência norte-americana do produto importado da Arábia Saudita. Os preços do barril continuaram se elevando no período, de maneira tal que o petróleo chegou a ter uma alta de aproximadamente 42% no ano de 2005.

Um ano antes, em 2004, o cineasta norte-americano Michael Moore lança o documentário “Fahrenheit 9/11” (“Fahrenheit 11 de Setembro”, no título em português), no qual investiga as causas dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que atingiram Washington e New York. Ao perpassar pelo presidente estadunidense George Walker Bush – outrora empresário ligado petróleo no Texas –, conclui o filme por exibir evidências de ligações suas e de seu governo com a família saudita Bin Laden – que apesar de rejeitá-lo, é a mesma do terrorista acusado de ser o mentor dos ataques, Osama Bin Laden –, investidora de petróleo e bens no estado do Texas, o mesmo de origem de Bush. “Syriana”, de Stephen Gaghan e do ano seguinte (2005) (“Syriana: A Indústria do Petróleo”, em português), é mais uma película cinematográfica que trata do debate sobre o petróleo, ilustrando a situação de violência, instabilidade e interesses escusos em face do recurso no Oriente Médio.

Ainda que a questão envolvendo os conflitos atinentes ao petróleo seja intrinsecamente complexa – onde na qual não se pode tentar compreendê-las apenas por um aspecto isoladamente, visto a presença de inúmeros componentes histórico-políticos –, nos atentaremos mais especificamente ao fenômeno da nacionalização, que, dentre outras disciplinas jurídicas, guarda relação com o Direito Internacional Público.

Nesse esteio, diversas nacionalizações de recursos petrolíferos podem ser elencadas ao longo da história. Cronologicamente, temos como exemplos de nacionalizações as já referidas de 1953, no Irã, as verificadas na Argélia, em 1971, as ocorridas entre 1973 e l974 na Líbia, as compreendidas entre 1972 e 1975, no Iraque, as feitas pela Bolívia em 1937, 1969 e 2006, e as da Venezuela, ocorridas em 1976, 2001 e 2007.

Da mesma maneira, não passou o Brasil indiferente pelo tema, onde nosso marco no tema foi a campanha “O Petróleo é Nosso”, que culminou com a criação da Petrobrás, pela edição da Lei nº 2004 de 03 de outubro de 1953, durante o segundo governo do presidente de Getúlio Vargas3.

Nosso estudo concentrar-se-á na nacionalização líbia de 1973-1974, especialmente por se configurar em verdadeiro marco na área jurídica e em especial no âmbito do Direito Internacional, donde se teve um embate entre os princípios do “pacta sunt servanda” e da “autodeterminação dos povos”.

<_st13a_metricconverter productid="5. A" w:st="on">5. A nacionalização petrolífera realizada pela República Árabe da Líbia

5.1. Nacionalização

A nacionalização é tida como um ato de soberania, um ato unilateral do Estado, onde este produz uma norma com repercussão internacional, aceita ou não pelos demais Estados. Sua existência não segue a praxe e o procedimento dos demais documentos internacionais, como os tratados, por exemplo, visto que não são documentos precedidos de um processo legislativo internacional, mas documentos erigidos de uma vontade política de um governo que comanda um Estado.

Chamada também de estatização – e ainda que com limitações no que tange sua capacidade de criar obrigações para os outros Estados na seara internacional –, como dito, a nacionalização é, além de um ato de soberania, uma espécie de ato unilateral limitado, pois nele, o Estado expõe para a comunidade internacional uma intenção, um objetivo, que somente se consolidará como regra jurídica e situação posta se os demais sujeitos dessa sociedade (Estados e organizações internacionais), com ele concordarem e aceitarem. Esses atos unilaterais sequer estão no rol das fontes de Direito Internacional inseridas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ)4, órgão judiciário da ONU5.

É certo que não resta dúvida acerca da possibilidade da nacionalização produzir efeitos no ordenamento jurídico interno do Estado que profere tal decisão. Porém, igualmente inquestionável que o desejo do Estado nacionalizante não poderia, ab initio, produzir efeitos para toda a sociedade internacional, pois, do contrário, chegaríamos a uma idéia não-verdadeira, na qual um Estado poderia impor o seu ordenamento para os demais e para uma ordem jurídica que não a sua e na qual difere da sua ordem interna.

5.2. A nacionalização líbia

É preciso antes de tudo, situar modernamente a República Árabe da Líbia.

Tendo tornado-se independente em <_st13a_metricconverter productid="1951, a" w:st="on">1951, a Líbia era governada pelo monarca Idris I, da dinastia dos sanusis. O país ingressa na Liga Árabe em 1953 e firma acordos para a manutenção de bases ocidentais em seu território, onde EUA e Reino Unido inclusive mantinham tropas. Jazidas de petróleo são descobertas em 1959, sendo este o fator decisivo para que o governo exigisse a saída das forças estrangeiras, gerando conflitos não apenas com norte-americanos e britânicos, mas também com o Egito.

Com apenas 27 anos, o coronel Muammar al-Kadhafi – um discípulo e apreciador de Nasser –, lidera um golpe de estado em 1969, depondo o monarca e instituindo uma república muçulmana militarizada. É instituído um governo de orientação socialista de partido único (a União Socialista Árabe). Sendo chefe de estado a partir de 1970, Kadhafi expulsa efetivos militares estrangeiros e outros grupos considerados indesejados, buscando estabelecer uma revolução de aspectos sócio-econômico-culturais no país, criando novos e fortes atritos com norte-americanos e britânicos, novamente com o Egito e agora também com o Sudão. Igualmente, nesse período, começa o controle de todos os setores econômicos do país, de maneira que entre 01 de setembro de 1973 e 11 de fevereiro de 1974, ocorre a promulgação de decretos do governo líbio que nacionalizam direitos, interesses e bens de companhias petrolíferas que atuavam no interior do país e que exploravam um petróleo com baixo nível de enxofre, que favorece o seu refino e diminuí custos.

Daniel Yergin (1992:602), em “O Petróleo: Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder” – obra agraciada com o Prêmio Pulitzer de 1992 e dedicada ao estudo de diversas implicações históricas e estratégicas atinentes a este recurso natural –, nos expõe que Kadhafi, oportunamente, escolheu o momento da nacionalização, visto que a Líbia abastecia em 30% as necessidades de petróleo européias, estando também, na ocasião o Canal de Suez ainda fechado, pressionando o transporte do produto. Somou-se o fato que um trator rompeu o oleoduto de Tapline num ponto de junção em território sírio em maio de 1970, impedindo a exportação de 500 mil barris/ dia da produção da Arábia Saudita até o Mediterrâneo, triplicando as tarifas dos navios-tanque, criando uma situação de falta de transporte, e não de petróleo. Emerge assim a importância estratégica da Líbia e de Kadhafi, que tinham petróleo disponível do outro lado do Mediterrâneo, vis-a-vis dos europeus, onde, identificando o momento propício para a ação, fizeram cortes da própria produção, deixando os mercados petrolíferos tensos. A redução da produção líbia e o fechamento do oleoduto retirou abruptamente do mercado 1,3 milhões de barris/ dia, demonstrando a estratégia dos jovens oficiais líbios do novo regime, assessorados por Abdullah Tariki, figura anti-ocidental, radical e nacionalista, que oito anos antes tinha sido demitido da pasta do Ministério de Assuntos Petrolíferos da Arábia Saudita (Yergin, 1992:602).

A partir de Paula V. C. Escarameia (1992:213) e Hermes Marcelo Huck (1989:137), ambos citando o Journal du Droit International, nº 104, p. 350, 1977, é possível descrever o caso. Especificamente, tendo como origem contratos de concessão para a exploração de petróleo, celebrados entre 1955 e 1971, estavam envolvidos no litígio, de um lado, as empresas Texaco Overseas Petroleum Company (TOPCO), California Asiatic Oil Company (CAOC) e Libyan American Oil Company (LIAMCO, subsidiária da Atlantic Richfield Company), e o governo líbio, de outro, que comprometeu-se ao pagamento de indenização a partir da fixação de critérios determinados por um comitê especial por ele designado.

Inconformadas, as companhias petrolíferas dirigiram-se à CIJ e requereram a instauração de um procedimento arbitral6 baseadas na lei líbia de petróleo de 1973, de sorte que TOPCO e CAOC nomearam árbitro. Notificado, o governo líbio não nomeou árbitro e não participou do processo. Apenas apresentou um memorial aduzindo as suas alegações, especialmente afirmando que as nacionalizações configuram-se em atos de soberania, portanto, não sujeitos à arbitragem.

Solicitando ao presidente da CIJ em 18 de setembro de <_st13a_metricconverter productid="1974 a" w:st="on">1974 a instauração de uma arbitragem, TOPCO e CAOC requereram a nomeação de árbitro único para o litígio. Para a tarefa, nomeou-se o professor René-Jean Dupuy, professor de Direito Internacional Público da Universidade de Nice, França, e secretário-geral da Academia de Direito Internacional de Haia, Holanda.

O laudo arbitral foi emitido em 19 de janeiro de 1977, e tornou-se verdadeira referência para o estudo do Direito Internacional por tratar do conflito entre contratos e vontade política do Estado, além de ter sido emitido por professor que é verdadeira referência na área.

Não se tem a pretensão de estudar toda a amplitude das questões e interesses envolvidos nesse processo, mas tão-somente alguns de seus aspectos, especialmente considerando que a ideologização que envolve o debate muitas vezes conduz a posições intransigentes em qualquer abordagem. Nosso estudo concentrar-se-á, portanto, em alguns aspectos jurídicos da análise do laudo arbitral de Dupuy, envolvendo a decisão do governo líbio com relação às companhias TOPCO e CAOC, especialmente no conflito que se dá entre os princípios pacta sunt servanda – princípio informativo básico do Direito Internacional, tanto Público quanto Privado e da própria teoria geral dos contratos –, e soberania e autodeterminação dos povos, presentes na Carta de San Francisco (1945), documento criador da ONU.

5.3. A decisão de René-Jean Dupuy

René-Jean Dupuy analisou o memorial apresentado pelo governo líbio, que, como dito, esteve ausente no procedimento arbitral. Dupuy considerou que o objeto do contrato era de conteúdo obrigatório para as partes, e que a nacionalização violava as obrigações assumidas pelo governo líbio, representadas por 14 documentos de concessão concluídos pelas autoridades competentes do país (Ministério do Petróleo líbio), onde a letra constante nos 14 contratos seria a mesma contida em modelos contratuais inseridos em anexo da Lei do Petróleo líbio de 1955, corroborando a afirmação feita nos próprios documentos que esta seria a lei aplicável (Escarameia, 1992:213-214).

Huck qualifica a elaboração da decisão de Dupuy de “erudita” e “sagaz”, e em seu conjunto, conservadora, preocupada principalmente com a defesa da propriedade privada em face da ameaça ao Estado, além de baseada em conceitos discutíveis (Huck, 1989:138 e 140).

Inicialmente, seria necessário esclarecer que a decisão analisou a questão sob os princípios gerais de direito e do direito comparado, definindo um contrato

como um acordo de uma ou mais vontades tendo em vista a criação de obrigações jurídicas. Parece, por isso, que, dum ponto de vista formal e prima facie, os Documentos de Concessão em disputa tinham natureza contratual, já que expressavam um acordo de vontades do Estado concedente e dos detentores da concessão. Para mais, a natureza contratual dos Documentos de Concessão corresponde ao tipo aceite tanto pela prática como pela teoria internacionais (Escarameia, 1992:214).

Seria necessário avaliar a validade dos contratos com fundamento na lei que ser-lhes-ia aplicável, pois, se se pensasse que os contratos eram governados apenas pelo direito líbio, a natureza obrigatória deles poderia ter sido afetada por medidas legislativas ou regulamentares previstas nesse ordenamento, ainda que distintas das medidas de responsabilidade que a sua adoção causaria (Escarameia, 1992:215).

Ocorria, porém, que o contrato possuía características de contrato internacional, pois relacionava-se com interesses do comércio internacional, tanto no aspecto econômico quanto no jurídico, incluindo, em decorrência, fatores (elementos de conexão) que os ligavam com Estados diferentes (Escarameia, 1992:215). E o próprio contrato rezava nesse sentido, onde em sua cláusula 28 lia-se que

Essa concessão deve ser regida e interpretada de acordo com os princípios do direito líbio comuns aos princípios de direito internacional e, na ausência de tais princípios comuns, de acordo com os princípios gerais de direito, incluindo aqueles que possam ter sido aplicados por tribunais internacionais. (Escarameia, 1992:215).

Outra questão importante a se considerar residia na assertiva de os documentos de concessão não estarem elencados no rol dos contratos administrativos, onde o Estado poderia alterar unilateralmente a suas cláusulas em nome do interesse público, estabelecendo uma verdadeira posição de supremacia sobre o particular, que se revela pelas chamadas cláusulas exorbitantes, derrogando disposições do direito comum em favor do interesse público. E não o seriam em função de três motivos: ) Não teriam como objeto a gestão ou exploração de um serviço público; ) Não teriam uma autoridade administrativa como parte; ) Não teriam direitos e poderes não encontrados geralmente nos contratos civis, como os de revisão, alteração e resolução unilateral do ajuste se assim o interesse público exigisse. E isso porque não estava em questão nenhuma operação ou exploração de serviço público, sendo certo que o governo líbio pretendeu estabelecer bases de igualdade nos documentos de concessão, que não incluíam cláusula alguma que fosse além do direito comum, onde, pelo contrário, inclusive teria disposições que esclareciam que leis e regulamentos que modificassem os direitos dos concessionários não poderiam ser aplicados sem o consentimento destes (Escarameia, 1992:215-216). Da mesma forma, a própria utilização ao recurso da arbitragem internacional, caso fosse necessário, traria a idéia de igualdade nessa relação contratual (Escarameia, 1992:224).

Huck relata, porém, que houve certa ambigüidade na decisão, pois, nesse ponto, Dupuy conclui que os contratos celebrados entre Estado e particular enquadram-se num novo ramo do Direito Internacional, o do direito internacional dos contratos, e mesmo admitindo a hipótese de um contrato ser internalizado e afastando a idéia de contrato sem lei, reafirma a internacionalização do contrato pela sua menção aos já referidos princípios gerais de direito, pela introdução de cláusula arbitral e em função de carregar consigo o caráter de ser um acordo que objetivava o desenvolvimento econômico, de sorte que o mesmo só seria um contrato de direito interno se a autonomia da vontade (autonomie de la volonté) exercida pelas partes assim dispusesse (Huck, 1989:138-139).

Em seus argumentos, ainda, Dupuy afastou a tese líbia apresentada em seu memorial acerca da permanente soberania sobre os recursos naturais, onde esta cederia em favor do contrato, não havendo direito não passível de transação, sendo o contrato, por excelência, o instrumento para tanto (Huck, 1989:139). Assim, o contrato teria que ser cumprido de boa fé, em respeito ao princípio pacta sunt servanda, e sendo internacional, este submeteria o Estado à obrigação contratual, afastando o direito do exercício da soberania para rompê-lo (Huck, 1989:139).

Por fim, em decisão de 19 de janeiro de 1977, quanto à substância, o laudo arbitral resolveu a questão favoravelmente à TOPCO e CAOC, e seguindo-se um entendimento entre as companhias e o governo líbio, estes concordaram em encerrar o procedimento arbitral. O governo líbio, por sua vez, concordou em indenizar as companhias nos 15 meses que se seguiram à decisão, na quantia de $ 152 milhões de crude líbio (Escarameia, 1992:214).

5.4. Críticas e comentários à decisão: autodeterminação dos povos versus pacta sunt servanda

Hipoteticamente, poderia ser possível o Estado – no seu poder de imperium – exercer em conjunto com o particular a autonomia da vontade no intuito de escolher a lei aplicável a um contrato?

Essa é uma questão difícil de responder. Não haveria outra razão para o Estado contratar senão em favor do bem-estar de seus súditos, o que, de início, impediria uma autonomia de vontade, pois esta estaria na esfera individual e privada do indivíduo ou de entes privados; aqui, a vontade seria difusa ou coletiva, não podendo ser manifestada por um ente estatal que deveria se submeter exclusivamente às determinações de seu ordenamento jurídico. Porém, igualmente desautoriza tal conclusão as sempre freqüentes intervenções do Estado na economia (e que nem sempre conduzem o interesse em questão em favor da população) e a sua necessidade de arregimentação de capital, investimentos e tecnologia, que o induz à associação com entes privados. E mesmo tendo posição de supremacia nos contratos administrativos, parece evidente que a celebração de ajustes jurídicos com entes privados na esfera internacional, dependendo das condições em que o mesmo se realiza, parece o Estado renunciar a ela, mantendo um comportamento negocial que em muito se assemelha aos sujeitos de direito privado e aos entes de mercado, inclusive aceitando, negociando e até mesmo impondo os seus interesses numa agenda que leve em apreciação a vontade das partes num contexto privado, considerando lex mercatoria e autonomia da vontade.

Parece ser o que em muito ocorreu com os contratos envolvendo petróleo, em fluxos interrompidos pela emergência de governos com políticas de nacionalização orientadas por questões econômicas, políticas e ideológicas. Nesse sentido, é relevante marco na revisão desses contratos o acordo “fifty-fifty” de 1943, onde a Venezuela impôs a empresas petrolíferas a repartição igualitária de lucros de seu setor de petróleo.

Uma tentativa de evitar tais fatos se consubstanciaram nas chamadas “cláusulas de estabilização”, que, como nos define Huck – ainda que considerando-as ineficazes na prática –, objetivam manter o direito aplicável ao contrato, tal como se lhe apresenta no momento da conclusão do contrato, ou seja, no momento em que as partes o elegem como lei a regular a relação que então formam e formulam, sendo desnecessária para aqueles que entendem o contrato estar inserido na esfera do pacta sunt servanda, onde o seu desrespeito – incluindo-se o desrespeito à lei aplicável –, igualmente seria uma afronta ao Direito Internacional (Huck, 1992:105-106).

Com relação à decisão de Dupuy, Huck aduz que, sendo conservadora e não resistindo a uma análise mais acurada, a mejsma elencou que a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (adotada pela Resolução nº 3281 (XXIX) de 12 de dezembro de 1974) e as demais resoluções da ONU (em especial a Resolução nº 626, de 12 de dezembro de 1952, seguida pela Resolução nº 1803, de 14 de dezembro de 1962, para uma “Nova Ordem Econômica Internacional”) que garantem a soberania dos Estados sobre os recursos naturais, seriam apenas recomendações e documentos de caráter político – na qual a maioria dos países desenvolvidos se opôs e absteve de aprovar –, sem o valor de direito positivo, portanto, sem força coativa e obrigatória7; em revide desses argumentos, Huck aduz a validade de tais documentos da ONU, acrescentando que ditas resoluções são prova da incorporação de costumes internacionais unânimes entre os entes da sociedade internacional (Huck, 1992:140-142).

A propósito, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembléia Geral da ONU pela Resolução nº 2200-A (XXI), de 16 de dezembro de 1966 (e internacionalmente em vigor a partir de 3 de janeiro de 1976), dispõe no seu artigo 1º8, o direito dos povos à sua autodeterminação e livre desenvolvimento econômico, dispondo também livremente de seus recursos naturais, aduzindo no artigo 25 que as disposições do documento não deveriam ser interpretadas em detrimento do inerente direito de todos os povos de desfrutar deles, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional, onde, igualmente, no preâmbulo da pertinente Resolução nº 3281 (XXIX), se considera que qualquer medida a este respeito deve basear-se no reconhecimento do direito inalienável de todo Estado dispor livremente de suas riquezas conforme seus interesses nacionais, e o respeito à independência econômica dos Estados.

Da mesma forma, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também de 1966, igualmente preconiza a autodeterminação e a soberania sobre os recursos naturais10, repetindo o artigo 1º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Por oportuno, mencione-se também nesse contexto a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (Charter of Economic Rights and Duties of States), adotada pela referida Resolução nº 3281 (XXIX) da Assembléia Geral da ONU, de 12 de dezembro de 1974, que dispõe acerca do direito do Estados à nacionalização, acrescentando o fato que a solução da questão deverá acontecer de acordo com suas leis domésticas e por seus tribunais, consoante se lê da alínea c, nº 2 de seu artigo 211.

Assim sendo, temos um conflito entre o princípio da autodeterminação – presente nos documentos da ONU –, e do pacta sunt servanda, fundamento do próprio Direito Internacional, onde se preconiza que os pactos devem ser cumpridos.

Da mesma forma, é preciso constatar que o pacta sunt servanda – princípio informativo não apenas do Direito Internacional, mas também da teoria geral dos contratos –, nas questões envolvendo petróleo, cedeu em favor do princípio da autodeterminação – previsto na Carta da ONU –, no qual se observa o direito de cada Estado de se orientar em sua política e economia de acordo com a sua vontade, devendo os demais países respeitá-lo.

No caso líbio, a nacionalização atingiu as obrigações oriundas de um contrato internacional, celebrado entre o governo daquele país e companhias petrolíferas, que, como tais, não são sujeitos de Direito Internacional Público, tradicionalmente não podendo celebrar tratados. Não à toa que quando há um vínculo jurídico estabelecido diretamente entre elas e os Estados, este se perfaz com o contrato internacional. Porém, não se negue a prática de governos de outros Estados entenderem estar sendo lesados com tal prática de nacionalização, donde poder-se-ia discutir acerca da responsabilidade internacional do Estado nacionalizador, isto é, as conseqüências na esfera jurídica do descumprimento das obrigações assumidas. E, como conseqüência dessa responsabilidade internacional, surgiria a possibilidade de pedido de indenização do capital e das propriedades expropriadas.

Huck nos aduz que a decisão de Dupuy percorreu a árdua e “quase inconseqüente” tarefa de tentar elencar princípios gerais de Direito Internacional diante da evolução da disciplina, de forma a negar a possibilidade dos ditos contratos serem catalogados no rol dos contratos administrativos (Huck, 1989:139). E, em boa medida, é o argumento que justifica a restitutio in integrum, que quando não material e juridicamente possível, cede à indenização.

6. Conclusão

Daniel Yergin ressalta que o acontecimento mais significativo da crise petrolífera verificada na Líbia era o aumento de trinta cents no preço fixado e mais um aumento de 50 para 55 % no lucro do país, com o acordo alterando decisivamente o equilíbrio de poder entre as companhias petrolíferas e os governos dos Estados (Yergin, 1992:603-604). Assim, a vitória dos líbios foi um fator estimulante para os demais exportadores de petróleo, revertendo a forte queda do preço real do produto e trazendo à tona novamente a reivindicação dos países produtores acerca da supremacia e controle dele, iniciada uma década antes com a fundação da OPEP e então aparentemente abandonada (Yergin, 1992:604).

Ademais, com a entrada de novos Estados na ONU diante do processo de descolonização, os países produtores conscientizaram-se da finitude e importância estratégica do recurso, fomentando documentos de nacionalização. Em algumas delas, porém, o exercício desse direito, feito em nome do povo, acaba servindo elites internas ou grupos político-partidários internos, igualmente servindo programas populistas e projetos de perpetuação no poder. E quando fora ou a margem dos processos jurídicos, os conflitos envolvendo petróleo culminam em agressões e guerras.

Na Líbia, o processo de nacionalização foi o marco inicial do regime do coronel Kadhafi, que talvez tenha acreditado poder instituir uma nova ordem na África e Oriente Médio, com intervenções de seu governo em crises no Egito, Sudão e Chade. Em 1986, em retaliação à morte de dois soldados norte-americanos em Berlim, os EUA bombardearam a capital do país, Trípoli, onde Kadhafi perdeu uma filha. Em 1988 o governo de Kadhafi foi acusado de participar de um ataque a bomba a um avião da extinta empresa aérea Pan Am, que rumava da Escócia para os EUA. No vôo – com passageiros na sua maioria norte-americanos –, não houve sobreviventes. Em decorrência disso a Líbia enfrentou embargos e forte isolamento, ao qual se viu obrigada a ceder, reagindo gradativamente com a integral indenização aos familiares dos passageiros do vôo da Pan Am no ano de 2000, com uma discreta aproximação com o Ocidente, e o conseguinte reatamento de relações diplomáticas com os EUA, que retirou o país da “lista negra” de “países colaboradores do terrorismo” (países do “eixo do mal”) em 2006, dando mostras do início de entendimentos de retomada da exploração de petróleo com diversas companhias.

O conflito entre os princípios da autodeterminação dos povos e o pacta sunt servanda em matéria de petróleo é uma realidade na esfera internacional, e em boa medida, é motivado pelo nacionalismo e pela finitude do recurso, no qual toda a sociedade contemporânea se apoiou. Muito se falou nos círculos políticos e acadêmicos acerca do breve esgotamento do petróleo, mas a descoberta de novas jazidas adiou as previsões e manteve, pelo menos por ora, o modelo capitalista do “fordismo fossilista” (Altvater, 1995).

Com o lema “A Plan for a Sensible Energy Future”, a partir de estudos da Association for the Study of Peak Oil (ASPO), como nos aduz Richard Heinberg (Heinberg, 2005), se propôs a adoção do Protocolo do Esgotamento do Petróleo (Oil Depletion Protocol), onde se considera a época em que vivemos como alicerçada na demanda constante de energia oriunda do petróleo, que vai desde a medicina ao transporte. A transição para um futuro baseado em reduzida dependência de petróleo e compatível com a redução das agressões ao meio ambiente, exigirá o desenvolvimento de fontes de energia limpa e renovável, de confiabilidade nas ações tomadas e na produção e consumo reduzidos, por onde se intenta que o documento permita a assunção de tais objetivos, buscando ser uma verdadeira planta para um futuro sensível de energia. No seu preâmbulo, se considera, dentre outras coisas, que

a passagem da história tem registrado um ritmo de mudança crescente, de modo que a procura por energia tem aumentado rapidamente em paralelo com a população mundial ao longo dos últimos 200 anos posteriores à Revolução Industrial, de sorte que a oferta de energia exigida pela população mundial tem vindo principalmente do carvão e do petróleo, tendo sido formados quase sempre no passado geológico, e que tais recursos estão inevitavelmente sujeitos a esgotamento, donde o início do declínio deste recurso crítico afeta todos os aspectos da vida moderna, o que tem graves implicações políticas e geopolíticas.

Assim, se propõe o seguinte mecanismo nos números 1 e 2 do Protocolo, com a convocação de uma convenção de nações para a realização de um acordo que: a) Evite a especulação (profiteering) com a escassez, de modo a que os preços do petróleo possam permanecer num relacionamento razoável com o custo de produção; b) Permita aos países pobres manterem as suas importações; c) Evite a desestabilização dos fluxos financeiros decorrentes de preços excessivos de petróleo; d) Encoraje os consumidores a evitarem o desperdício, e finalmente; e) Estimule o desenvolvimento de energias alternativas. Assim, trabalhando inclusive com o conceito de “taxas de esgotamento”, o acordo teria a seguinte receita ou contorno: a) Nenhum país produziria petróleo acima da sua atual taxa de esgotamento, e; b) Cada país importador reduziria as suas importações para atingir a chamada atual taxa mundial de esgotamento, deduzindo qualquer produção interna. Reconhecendo a dificuldade de firmar o conceito de “taxa de esgotamento”12, Heinberg (2005) explica diretamente o funcionamento do ajuste:

A idéia do Protocolo é essencialmente direta: países importadores de petróleo concordariam em reduzir as suas importações numa porcentagem anual ajustada (a Taxa de Esgotamento do Petróleo Mundial, World Oil Depletion Rate), ao passo que os países exportadores concordariam em reduzir a sua taxa de exportações de acordo com a sua Taxa de Esgotamento nacional. (Heinberg, 2005).

Não se têm dúvidas quanto aos males ambientais que a utilização de combustíveis fósseis estão trazendo à humanidade e ao meio ambiente, muito menos com relação a finitude deles; a questão é saber “quando”, e “como” a sociedade irá reagir. Da mesma maneira, a nacionalização não reflete apenas o conflito norte-sul, como expressa nos documentos proclamados no seio da Assembléia Geral da ONU aqui citados; reflete, inclusive interesses dos mais diversos, inclusive conflitos entre os próprios países do sul, como se viu em 2006 na nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos em detrimento da sociedade de economia mista Petrobrás em 2006, onde o exército daquele país ocupou as refinarias da empresa brasileira e quis rediscutir os preços e termos dos contratos de exploração de petróleo e gás.

É certo, porém, que o caso líbio demonstra que talvez os resultados buscados por Kadhafi, ao longo dos anos, não tenham sido os esperados, pois gradativamente o país se reaproxima do Ocidente como forma de reagir às dificuldades e ao isolamento. E, mais certo ainda, é que em qualquer tipo de investimento, o que o investidor deseja – seja no petróleo ou em qualquer outro setor –, é segurança jurídica, isto é, que as regras do jogo não mudem durante a partida, e que haja mecanismos ágeis, despolitizados, sem distorções e eficazes para a solução de controvérsias, ainda que reconhecendo que em matéria de concessão de serviços públicos, por exemplo, nem sempre os investidores se portam como diligentes e isentos.

Não foi novidade ou surpresa que em janeiro de 2007, o governo fantoche do Iraque inicia as discussões acerca da criação de uma nova lei de hidrocarbonetos, revogando as disposições da nacionalização iraquiana de Saddam Houssein nos períodos de 1972 e 1975. Tal fato suscita cada vez mais a raridade do recurso e nos coloca o questionamento acerca da utilização do petróleo e de outros recursos minerais em “finalidades mais nobres” do que as de combustível, como em medicamentos, construção civil e alimentação.

É possível pensar num mundo em paz? É possível pensar num mundo sem gás e petróleo? Essas são questões, pelo menos por ora, permanentes.

_________________

7. Referências

7.1. Obras impressas:

ALTVATER, Elmar. O Preço da Riqueza: Pilhagem Ambiental e a Nova (Des)Odem Mundial” (Der Preis des Wohlstands oder Umweltplünderung und neue Welt(um)ordnung). Trad. de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Editora UNESP, 1995, 333 p.

ESCARAMEIA, Paula. V. C. Colectânea de Jurisprudência de Direito Internacional. Coimbra: Almedina, 1992, 263 p.

HUCK, Hermes Marcelo. Contratos com o Estado: Aspectos de Direito Internacional. São Paulo: Aquarela, 1989, 172 p.

JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2ª ed., 2004, 686 p.

YERGIN, Daniel. O Petróleo: Uma História de Ganância, dinheiro e Poder. Trad. de Leila Marina U. Di Natale, Maria Cristina Guimarães e Maria Christina L. de Góes. São Paulo: Scritta, 2a ed., 1992, 932 p.

7.2. Artigo da rede mundial de computadores (internet):

HEINBERG, Richard. Como evitar guerras petrolíferas, terrorismo e colapso econômico. Resistir. Trad. de RF. Ago-2005. Passível de acesso na rede mundial de computadores (internet) no endereço eletrônico <_https3a_ heinberg_ago05.html="" energia="" resistir.info="">. Acesso em 29-12-2006.

7.3. Filmes:

FAHRENHEIT 9/11 (Fahrenheit 11 de Setembro) (documentário). Direção: Michael Moore. Produção: Jim Czarnecki, Kathleen Glynn e Michael Moore. Roteiro: Michael Moore. Intérpretes: Michael Moore e outros. Música: Jeff Gibbs e Bob Golden. Fotografia: Mike Desjarlais. Edição: Kurt Engfehr, Todd Woody Richman e Chris Seward. EUA. Estúdio: Miramax Films / Lions Gate Films Inc. / Fellowship Adventure Group / Dog Eat Dog Films. Distribuição: Lions Gate Films Inc. / IFC Films / Europa Filmes. EUA, 2004, 116 min. color. Sítio oficial: https://www.fahrenheit911.com

SYRIANA (Syriana: A Indústria do Petróleo) (ficção). Direção: Stephen Gaghan. Roteiro: Stephen Gaghan, baseado em livro de Robert Baer. Produção: George Clooney, Georgia Kacandes, Michael Nozik, Jeff Skoll e Steven Soderbergh. Música: Alexandre Desplat. Fotografia: Robert Elswit. Desenho de produção: Dan Weil. Direção de arte: Daran Fulham, Alan Hook, Andrew Menzies e Laurent Ott. Figurino: Louise Frogley. Edição: Tim Squyres. Efeitos especiais: Hydraulx. Intérpretes: George Clooney (Robert Baer), Matt Damon (Bryan Woodman), Amanda Peet (Julie Woodman), Nicholas Art (Riley Woodman), Luke Barnett (Tyler), David Clennon (Donald Farrish), John Higgins (Carl), Steven Hinkle (Max Woodman), Max Minghella (Robby Baer), William Charles Mitchell (Bennett Holiday, Sr.), Jeffrey Wright (Bennett Holiday), Tim Blake Nelson (Danny Dalton), Keveh Sari (Ali Naimi), Greta Scacchi (Margaret Baer), Alexander Siddig (Príncipe Nasir), Bob Fajkowski (Secretário de Defesa) e Chris Cooper. Estúdio: Warner Bros. / Section Eight Ltd. / Participant Productions. Distribuição: Warner Bros. EUA, 2005, 126 min., color. Sítio oficial: https://www.syrianaofilme.com.br

7.4. Sítios da rede mundial de computadores (internet):

Association for the Study of Peak Oil (ASPO)

https://www.peakoil.net/

Protocolo do Esgotamento do Petróleo

https://www.oildepletionprotocol.org/


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1 No singular, o termo inglês commodity faz referência, de forma genérica, às mercadorias com preço avaliado em bolsa, nos quais se incluem, dentre outros, os produtos agrícolas, os oriundos da atividade extrativista e os de origem mineral.

2 Inclusive, é nessa época, tendo surgindo a preocupação no Brasil de se buscar alternativas à importação de petróleo com um combustível renovável, que é criado, em 1975, o PROÁLCOOL (Programa Nacional do Álcool).

3 No Brasil, o debate acerca da propriedade do petróleo foi impulsionado no Clube Militar do Rio de Janeiro, instituição que congregava os oficiais das forças armadas. E lá o debate se polarizou entre as teses dos generais Horta Barbosa (1881-1965) – que tendo presidido o Conselho Nacional do Petróleo, defendia a propriedade nacional do recurso –, e Juarez Távora (1889-1975), que defendia a participação do capital estrangeiro no setor. A tese do primeiro – focada num projeto de autonomia nacionalista e anti-colonial –, teve o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e saiu-se vitoriosa à do segundo, chamada de “entreguista”, onde focada no anti-comunismo, temia o isolamento brasileiro e objetivava a atração de capital estrangeiro para a realização de investimentos no setor. Ressalte-se aqui, também, o relevante papel nacionalista no período que teve o escritor paulista José Bento Monteiro Lobato (1881-1948), que desencadeou campanha na defesa do petróleo como patrimônio brasileiro e como setor estratégico para o país.

4 O Estatuto da Corte Internacional de Justiça é parte integrante da Carta de San Francisco (1945), tratado constitutivo da Organização nas Nações Unidas.

5 Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), artigo 38:

<_st13a_metricconverter productid="1. A" w:st="on">1. A Corte, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a) As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como direito;

c) Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) Com ressalva das disposições do artigo 59, as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

<_st13a_metricconverter productid="2. A" w:st="on">2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem.

6 A arbitragem insere-se no rol das ADR (alternative dispute resolutions soluções alternativas para disputas), onde as partes submetem a solução de seu litígio não ao estado-juiz (máquina judiciária estatal), mas a um árbitro ou árbitros, juiz ou juízes de fato, que, realizando uma arbitragem de direito (aplicando direito positivo e regras jurídicas) ou de eqüidade (ex aecquo et bono, a justiça nas regras de bom senso, de boa fé, e particular ao caso concreto), impõe em definitivo uma decisão aos litigantes, sem a possibilidade de interposição de recursos. De grande tradição na seara internacional, a arbitragem surge como alternativa em função de permitir aos seus envolvidos o cumprimento da decisão de boa fé, donde inclusive se reconhece a ausência de um pleno órgão judiciário com jurisdição mundial, ainda que existam a Corte Permanente de Arbitragem (CPA) e a Corte Internacional de Justiça (CIJ), funcionando no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). Em ambas, o Estado somente pode ser demandado com a sua concordância em ser réu nas Cortes. Ressalte-se a grande resistência existente em algumas sociedades acerca da aceitação da arbitragem, considerada justiça de mercado. Em parte, tal juízo leva em consideração várias observações incorretas ou mitos, inclusive no sentido de entender que a possibilidade e o direito que a parte tem de nomear um árbitro significa a nomeação de um representante para o procedimento, acreditando-se que se trata de uma justiça tendenciosa onde exclusivamente se medem forças. Para um melhor juízo do instituto, é necessário cotejar-se a arbitragem como mecanismo alternativo para a solução de conflitos, devendo ser comparada com o quadro dos judiciários nacionais, certamente nada alentadores.

7 A propósito, Hee Moon Jo (2004:81), ao tratar da classificação das fontes do Direito Internacional Público, nos expõe duas classificações possíveis. A primeira, com base no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, onde nos mostra o seguinte: 1) São fontes principais: convenções internacionais e costumes internacionais; 2) São fontes auxiliares: os princípios gerais de direito, as decisões judiciárias e as doutrinas; 3) São fontes novas: os atos unilaterais e as decisões normativas (das organizações internacionais), as decisões administrativas internacionais. A segunda classificação, que por ora mais nos interessa para a compreensão do assunto, propondo o conceito de hard law e soft law e com base na sua força vinculativa, nos propõe: 1) Por hard law, entende-se as convenções internacionais, costumes internacionais, os princípios gerais de direito, as decisões judiciárias e as doutrinas; os atos unilaterais e as decisões normativas das organizações internacionais e as normas administrativas internacionais; 2) Por soft law, entende-se as resoluções ou declarações das organizações internacionais, os acordos sem força vinculativa, as leis-modelo, as guidelines e as diretrizes. A partir de uma possível tradução que o autor utiliza das expressões para o português, hard law seria o “direito duro”, com normas de Direito Internacional com força vinculativa, enquanto soft law seria o “direito mole”, constituindo normas sem força vinculativa ou obrigatória, em que o autor destaca como exemplo principal os tratados econômicos, onde os Estados o cumpririam habitualmente sem opinio juris. Essa característica não-vinculante decorreria do fato que esses tratados econômicos conteriam dispositivos de caráter meramente programático, ao utilizarem expressões como “deveria”, ao invés de “deve”. O soft law, entretanto, poderá tornar-se hard law quando formar uma opinio juris nos Estados.

8 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, artigo 1º:

1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência.

3. Os estados-partes no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.

9 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, artigo 25:

Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais.

10 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 1º:

1.Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência.

3. Os estados-partes no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.

11 Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (Charter of Economic Rights and Duties of States), artigo 2, em inglês:

Article 2

1. Every State has and shall freely exercise full permanent sovereignty, including possession, use and disposal, over all its wealth, natural resources and economic activities.

2. Each State has the right:

(a) To regulate and exercise authority over foreign investment within its national jurisdiction in accordance with its laws and regulations and in conformity with its national objectives and priorities. No State shall be compelled to grant preferential treatment to foreign investment;

(b) To regulate and supervise the activities of transnational corporations within its national jurisdiction and take measures to ensure that such activities comply with its laws, rules and regulations and conform with its economic and social policies. Transnational corporations shall not intervene in the internal affairs of a host State. Every State should, with full regard for its sovereign rights, cooperate with other States in the exercise of the right set forth in this subparagraph;

(c) To nationalize, expropriate or transfer ownership of foreign property, in which case appropriate compensation should be paid by the State adopting such measures, taking into account its relevant laws and regulations and all circumstances that the State considers pertinent. In any case where the question of compensation gives rise to a controversy, it shall be settled under the domestic law of the nationalizing State and by its tribunals, unless it is freely and mutually agreed by all States concerned that other peaceful means be sought on the basis of the sovereign equality of States and in accordance with the principle of free choice of means.

12 O próprio Heinberg nos explica o conceito de “taxa de esgotamento”: O conceito de Taxa de Esgotamento é talvez o aspecto técnico mais desafiador do Protocolo, apesar de ser fácil apreendê-lo se se pensar um pouco. Cada país tem claramente uma dotação finita de petróleo dada pela natureza. Assim, quando o primeiro foi extraído, há conseqüentemente um a menos deixado para o futuro. Aquilo que é deixado para o futuro consiste de dois elementos: primeiro, quanto permanece em campos petrolíferos conhecidos, denominado Reservas Remanescentes (Remaining Reserves); e segundo, quanto ainda há para ser descoberto no futuro (denominado Ainda por Descobrir, Yet-to-Find). Quanto é o Ainda por Descobrir pode ser razoavelmente estimado através da extrapolação da tendência de descobertas do passado. A Taxa de Esgotamento é igual ao total do Ainda por Descobrir dividido pela quantidade anual atualmente a ser extraída. (Heinberg, 2005)

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*Advogado e professor. Mestre <_st13a_personname productid="em Direito Internacional" w:st="on">em Direito Internacional pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Secretário do Instituto Hugo Grotius de Direito e Relações Internacionais (IHG)

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