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Retrospectiva 2023: decisões do Poder Judiciário sobre arbitragem

O presente artigo apresenta um panorama das principais decisões judiciais envolvendo o instituto da arbitragem, proferidas em 2023.

23/12/2023

Sub-rogação de cláusula compromissória em favor de seguradora

A sub-rogação de cláusula compromissória em favor de seguradoras foi objeto de algumas decisões do STJ ao longo do ano.

No REsp 1.988.894/SP, julgado em maio, o STJ entendeu que apesar da sub-rogação legal em favor da seguradora não importar transmissão automática de cláusula compromissória, a ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia, resulta na submissão à jurisdição arbitral.1 O litígio versava sobre a possibilidade de transmissão automática de cláusula arbitral, prevista em contrato de transporte marítimo, à seguradora sub-rogada, em caso de ação regressiva de ressarcimento.2

Em outubro, no REsp 1.625.990/PR, o tema chegou novamente ao STJ, entretanto, nessa ocasião, o Tribunal entendeu que o caso guardava peculiaridade que demandava solução diversa. No caso em questão, a cláusula compromissória foi firmada por terceiros envolvidos no sinistro em discussão, ou seja, ao contrário da decisão mencionada anteriormente, a cláusula compromissória não estava prevista no contrato firmado pela segurada da seguradora. Assim, o STJ entendeu que a seguradora sub-rogada não poderia ser vinculada à cláusula compromissória prevista em contrato firmado por terceiros, sem a participação da sua segurada, ainda que este tenha relação com o sinistro objeto do litígio.3

Sub-rogação de cláusula compromissória em processo de execução

Em conformidade com o exposto acima, o STJ entendeu, no REsp 2.032.426 - DF, que em caso de sub-rogação de contrato com cláusula compromissória, deve ser reconhecida a competência do juízo arbitral para analisar todas as questões oriundas do contrato, inclusive as teses levantadas em sede de embargos à execução.

No caso em questão, foi ajuizada execução de título extrajudicial que continha cláusula compromissória e havia sido sub-rogado, frente a qual foi apresentado embargos à execução atinente à inexequibilidade do título em virtude da suspensão do contrato.

Foi suscitada a incompetência do juízo estatal para julgar o referido recurso devido a presença de cláusula compromissória no contrato sub-rogado. Na ocasião, o STJ entendeu pela validade da transmissão da cláusula compromissória ao novo credor, por força da sub-rogação, e reconheceu a competência do juízo arbitral para dirimir o conflito.4

Produção antecipada de provas

A produção antecipada de provas, na hipótese em que exista cláusula compromissória, também foi objeto de decisão pelo STJ.

Em março, no REsp 2.023.615/SP, o STJ entendeu que, na ausência de urgência, toda e qualquer pretensão deve ser submetida ao Tribunal Arbitral, segundo a vontade externada pelas partes contratantes na cláusula compromissória.5 No caso, a discussão girou em torno da possibilidade da produção antecipada de provas desvinculada da urgência, nas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381 do CPC de 2015, serem submetidas ao Poder Judiciário diante da existência de cláusula compromissória no contrato firmado entre as partes.

De modo que, restou decidido que a produção antecipada de provas deve ser promovida diretamente perante o Tribunal Arbitral não subsistindo nesses casos, a competência provisória do Poder Judiciário estabelecida no art. 22-A da lei de Arbitragem.6

Honorários sucumbenciais em matérias de arbitragem

Os honorários advocatícios em matérias de arbitragem também foram objeto de decisões.

Em agosto, o STJ decidiu, no Agravo Interno 2066262/SP, em sede de ação anulatória de sentença arbitral, que a determinação do pagamento dos honorários de sucumbência, por equidade, não configura motivo suficiente para suprimir efeitos de sentença arbitral.

Neste caso, o autor da ação alegava que a sentença teria sido proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e que, portanto, deveria ser anulada com base no art. 32, IV7, da lei de Arbitragem. 

A discussão chegou ao STJ, que decidiu que restou expressamente provado que o juízo arbitral, ao determinar os honorários de sucumbência, partiu de interpretação das regras sucumbenciais previstas no CPC/15. De modo que, restou entendido que não foram ultrapassados os limites firmados na convenção de arbitragem, motivo pelo qual o acórdão proferido pelo Tribunal originário (TJ/SP) não recebeu reparo.8

Ademais, no REsp 2102676/SP, julgado em novembro deste ano, entendeu-se que são devidos honorários sucumbenciais na hipótese de ser rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, quando suscitada com fundamento no art. 33, § 3º, da lei de Arbitragem. 

No caso em discussão, o TJ/SP deu parcial provimento ao recurso da recorrente, para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, entretanto, não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios, segundo o magistrado, por se tratar de mero incidente processual. 

Nesse sentido, a recorrente defendeu que o pagamento de honorários seria devido pois o incidente de impugnação de sentença possui caráter contencioso, não se tratando, portanto, de mero incidente processual.

O STJ entendeu ser incontestável que o incidente de impugnação ao cumprimento de sentença com pedido de nulidade desenvolve atividade jurisdicional com elevado caráter litigioso.

Portanto, prevaleceu o entendimento de que não importa se a alegação de nulidade é apresentada em ação própria ou em impugnação ao cumprimento de sentença arbitral. Em ambas as hipóteses deve haver condenação ao pagamento de honorários advocatícios em caso de rejeição.9

Os honorários sucumbenciais também foram objeto de decisão do TJ/SP, na Apelação Cível 1049583-30.2020.8.26.0100, julgada em novembro. Na ocasião, o Tribunal entendeu que não compete ao juízo arbitral rever ônus de sucumbência da tutela de urgência que tramitou junto ao Poder Judiciário, mas tão somente a questão de mérito.

No caso em questão, foi ajuizada tutela antecipada de urgência em caráter antecedente à instituição de arbitragem, a qual foi extinta sem resolução do mérito em razão da perda superveniente do objeto, tendo em vista a instituição do Tribunal Arbitral.

Com efeito, o juízo de primeira instância condenou a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, consignando que a referida condenação ficaria submetida à condição suspensiva, no caso, a ratificação pelo Tribunal Arbitral.

Diante da apelação da empresa ré, o TJ/SP entendeu que, devido ao indeferimento da liminar, não há o que se falar na aplicação do artigo 22-B da lei 9.307/96. Assim, o recurso foi provido para reformar a sentença e afastar a condição suspensiva imposta sobre os honorários de sucumbência.10

Dever de revelação

Na Apelação Cível 1038255-35.2022.8.26.0100, julgada em dezembro, a 14ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP manteve decisão de primeiro grau que deferiu pedido de anulação de sentença arbitral, em razão de descumprimento do dever de revelação do árbitro, disposto no art. 14º § 1º da lei de Arbitragem11.

No caso, entenderam os julgadores, como elemento central da decisão, que a autora não teria sido intimada acerca da nomeação e da possibilidade e impugnação aos árbitros na fase de instauração da arbitragem. Ademais, mencionaram complementarmente que o árbitro único do caso teria deixado de revelar que atuava como professor na mesma instituição de ensino do advogado da parte ré.

Nesse contexto, o juízo de origem reconheceu as referidas peculiaridades do caso, notadamente pela ausência de intimação da autora na fase de constituição do tribunal arbitral e entendeu que determinados fatos deveriam ter sido revelados, garantindo-se a oportunidade para que a parte contrária, ciente dos fatos, avaliasse ou não a necessidade de impugnar a atuação do árbitro, deferindo, portanto, o pedido de anulação da sentença. Diante disso, o TJ/SP negou provimento ao recurso da ré que pleiteava a reforma da sentença judicial e manteve o referido entendimento.12

Extensão da cláusula compromissória em contratos coligados

Em outubro, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível 1014211-49.2021.8.26.0564, entendeu pela extensão dos efeitos da cláusula compromissória devido a coligação contratual. 

No caso, as partes haviam celebrado contrato de franquia, o qual possuía cláusula compromissória e, na sequência, firmaram acordo comercial, com intuito de ampliar as vendas da franquia anteriormente contratada. 

O litígio instaurado tinha por objeto o acordo comercial, celebrado verbalmente entre as partes. 

Frente a este cenário, o Tribunal de Justiça entendeu que havia intenso vínculo entre o contrato de franquia e o contrato de parceria comercial, restando configurada a coligação contratual. Diante disso, concluiu-se que a indissociabilidade dos contratos resultou na extensão dos efeitos da cláusula compromissória arbitral estipulada no primeiro contrato (franquia) ao segundo (comercialização de pacotes turísticos).13

Anuência tácita à cláusula compromissória

Em setembro, no AgInt no REsp 2047764/SP, o STJ entendeu pela anuência tática de cláusula compromissória presente em contrato de franquia, devido ao exercício de administração.

Trata-se de REsp em face de decisão do TJ/SP, a qual entendeu que, embora a ré não tenha anuído de forma expressa, por meio de assinatura no instrumento contratual, a referida parte estaria vinculada à cláusula compromissória, tendo em vista que exerceu a função de sócia administradora da franquia, no lugar do marido, que era signatário do contrato, por um período de 10 anos.

O STJ negou provimento ao recurso, consignando que a decisão adotada pelo Tribunal de origem está em conformidade com o entendimento da Corte no sentido de que o consentimento à arbitragem, que se busca proteger, pode apresentar-se não apenas de modo expresso, mas também de forma tácita.14

Deferimento de recuperação judicial e competência do juízo arbitral

Em agosto, o STF, no AgInt no REsp 1692425/SP, reiterou o entendimento de que o deferimento da recuperação judicial não tem o condão de alterar a natureza de direito patrimonial disponível do crédito que se procura ver reconhecido e quantificado no procedimento arbitral.

No caso em tela, foi proferida decisão interlocutória pelo Juízo de primeiro grau, nos autos da recuperação judicial, acolhendo pedido de pagamento milionário à outra empresa recuperanda, em razão de suposto crédito proveniente de contrato com cláusula compromissória.

A questão foi levada ao TJ/SP, que, na oportunidade, entendeu que não restou comprovada a existência do crédito devido, bem como o valor final acordado pelas partes, razão pela qual deferiu a liberação dos valores retidos. Entretanto, consignou o juízo da recuperação como competente para dirimir tal controvérsia, sob a justificativa de que a cláusula compromissória não se aplica em face das recuperandas.

O STJ reformou a decisão, para reconhecer a primazia da jurisdição arbitral sobre a jurisdição estatal, sob o fundamento de que a mera condição de recuperação, por si só, não tem o condão de influir na arbitragem previamente convencionada entre as partes.15

Competência do STJ para conhecer e julgar conflito de competência instaurado entre Tribunais Arbitrais

Em abril de 2023, STJ rejeitou o Embargou de Declaração interposto em face de decisão no Conflito de Competência 185.702/DF (2022/0023291-6), ratificando o entendimento de que é competência do STJ conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido entre tribunais arbitrais, que ostentam natureza jurisdicional, ainda que vinculados à mesma câmara de arbitragem, sobretudo se a solução interna para o impasse criado não é objeto de disciplina regulamentar16.

O conflito de competência se deu em razão da instauração de dois procedimentos arbitrais que tratavam sobre tentativa de responsabilização civil de acionistas controladores. Nesse contexto, a parte ré requereu a extinção de um dos procedimentos, contudo, tal pedido foi rejeitado, de modo que os dois Tribunais Arbitrais instaurados reconheceram a própria competência para julgar o litígio.

Diante desse cenário, foi instaurado, perante o STJ, conflito de competência entre Tribunais Arbitrais. Na hipótese, o Ministro Marco Aurélio Bellizze reconheceu a omissão do Regulamento da Câmara para o impasse criado entre os tribunais arbitrais que proferiram, em tese, decisões inconciliáveis entre si, em procedimentos arbitrais que possuem pedidos e causa de pedir parcialmente idênticos, decidindo pela anulação da sentença proferida em um dos procedimentos.

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1 STJ, REsp n. 1.988.894/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023.

2 No mesmo sentido:

STJ, REsp nº 2.074.780 - PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 24/8/2023. Trata-se de Recurso Especial, em que o propósito recursal também consistia em decidir se a sub-rogação vinculava ou não a seguradora à cláusula compromissória prevista no contrato assinado pelo segurado, ocasião em que o STJ entendeu novamente pela submissão ao juízo arbitral.   

TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0062558-03.2023.8.19.0000, relator Desembargador Milton Fernandes de Souza, Quarta Câmara de Direito Privado, julgado em 31/10/2023. No caso em questão, a discussão também se pautava na sub-rogação ou não da cláusula compromissória à seguradora sub-rogada, oportunidade em que o TJRJ decidiu em consonância com o entendimento citado do STJ, restando, portanto, a submissão ao juízo arbitral.

3 STJ, REsp nº 1.625.990 - PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023.

4 STJ, REsp 2.032.426 - DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/4/2023, DJe de 17/5/2023.

5 STJ, REsp nº 2.023.615 - SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023.

6 No mesmo sentido: STJ, CC 197434/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado em 5/10/2023, DJe de 10/10/2023. Trata-se de conflito de competência, em que na hipótese dos autos havia pedido de produção antecipada de provas, amparado no art. 381, III, do CPC/2015. De modo que, enquanto pendente o julgamento da produção antecipada de provas, foi instaurada a arbitragem. Na oportunidade, o STJ declarou a competência da Câmara de arbitragem (CAM-CCBC), com fundamento na ausência de urgência, e no art. 22-B da Lei nº 9.307/96.

7 Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

(...)

IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;

8 STJ, REsp nº 2066262 – SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 23/8/2023.

9 STJ, REsp 2102676 – SP, relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 30/11/2023.

10 TJSP, Apelação Cível nº 1049583-30.2020.8.26.0100, relator Desembargador Themístocles Neto Barbosa Ferreira, 29ª Câmara de Direito Privado, julgado em 28/11/2023.

11 Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

12 TJSP, Apelação Cível nº 1038255-35.2022.8.26.0100, relator Desembargador Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, 14ª Câmara de Direito Privado, julgado em 14/12/2023.

13 TJSP, Apelação Cível n º 1014211-49.2021.8.26.0564, relator Cesar Ciampolini, 1º Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 18 de outubro de 2023.

14 STJ, AgInt no REsp nº 2047764 – SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.)

15 STJ, AgInt no Recurso Especial nº 1692425 – SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023.

16 EDcl no CC n. 185.702/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 26/4/2023, DJe de 2/5/2023.

Felipe Moraes
Sócio de Azevedo Sette Advogados. Professor do Ibmec. Diretor do CBAr - Comitê Brasileiro de Arbitragem. Doutorando em Direito pela USP. Mestre pela PUC-MG. Atua como advogado e como árbitro.

Stephannye de Pinho Arcanjo
Advogada no Azevedo Sette Advogados, na área e Arbitragem.

Eduarda Martins
Graduanda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária no Azevedo Sette Advogados, na área de Arbitragem.

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