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JCP de anos anteriores: deliberar em 2023 ou não, eis a questão

Importante avaliar a possibilidade dos benefícios que esse instrumento pode proporcionar antes que as mudanças propostas, se aprovadas, sejam implementadas.

22/12/2023

A reforma tributária tem sido um dos assuntos mais comentados do momento. Isso porque a Câmara aprovou, há poucos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19. Essa aprovação representa uma resposta aguardada pelo empresariado brasileiro, que há décadas busca uma reforma tributária que, para além da redução de carga, também simplifique o nosso sistema.

No entanto, o que observamos em 2023 se assemelha mais a um canteiro de obras robusto do que a uma mera reforma. Trocadilhos à parte, ao longo deste ano diversos Projetos de Lei, Medidas Provisórias e Instruções Normativas foram apresentados, além de importantes julgamentos nos tribunais superiores, todos relacionados a questões tributárias.

Dentre os temas em debate, que variam desde o retorno do voto de qualidade até alterações nas regras de tributação das subvenções para investimentos, preços de transferência, fundos de investimentos no País e offshores, encontra-se o fim da dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP).

Criada em 1995 pela lei 9.249, em seu art. 9°, a dedutibilidade dos JCP é uma ferramenta importante para as empresas brasileiras remunerarem o capital investido pelos sócios ou acionistas. Sobre o valor dos JCP contabilizados, incide IRRF à alíquota de 15%, resultando, em regra, em um ganho tributário de 19% devido à diferença entre a alíquota do IRRF e a alíquota conjunta de 34% do IRPJ e da CSLL, reduzidos pela dedutibilidade dos juros na fonte pagadora.

Contudo, desde a instituição dos JCP, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem buscado restringir a utilização desse instrumento pelas empresas. Por meio de Instruções Normativas e Soluções de Consulta, a RFB, de forma ilegal, estabeleceu que é vedada a dedução dos JCP que tenham como base de referência contas do patrimônio líquido relativas a exercícios anteriores ao seu efetivo reconhecimento contábil, os chamados “JCPs de anos anteriores”.

Todavia, o art. 9° da lei 9.249/95 não estabelece qualquer limite temporal para o pagamento dos JCP, condicionando apenas à existência de lucros correntes ou acumulados em montante igual ou superior ao dobro do valor pago a título de JCP.

Após diversas autuações por parte da RFB, essa questão chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), última instância administrativa de julgamento, que, na maioria das decisões proferidas, confirmou o posicionamento da RFB.

Ainda no âmbito administrativo, de 2020 a 2022, observaram-se algumas decisões favoráveis aos contribuintes, proferidas pela CSRF, em virtude da sistemática de desempate pró-contribuinte, estabelecida pelo art. 19-E da lei 10.522/02.

Entretanto, com o retorno do voto de qualidade, reinserido no ordenamento jurídico pela lei 14.689/23, é provável que a jurisprudência da CSRF volte a ser majoritariamente desfavorável aos contribuintes.

Na esfera judicial, desde 2009, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Recurso Especial (REsp) 1.086.752, firmou o entendimento de que a legislação não impõe que a dedução dos JCP deva ser feita no mesmo exercício financeiro em que realizado o lucro da empresa. Em outras palavras, permitiu a dedução dos JCP de anos anteriores.

O fato de a decisão proferida pelo STJ em 2009 não vincular os Tribunais Regionais Federais (TRFs) fez com que, a depender da região, fossem proferidas decisões com entendimentos distintos ao longo dos anos.

Para o TRF da 3ª Região, por exemplo, a legislação não impôs restrição temporal para a contabilização e consequente dedução da despesa com os JCP de anos anteriores ao do efetivo pagamento.

Por outro lado, o TRF da 4ª Região possui decisões no sentido de que a competência para deliberação do pagamento dos JCP é limitada ao próprio exercício do ato societário, sem possibilidade de deduzir a despesa de forma acumulada.

Recentemente, a 1° e a 2° turma do STJ (REsp 1.971.537/SP e 1.955.120/SP) reafirmaram o entendimento favorável aos contribuintes sobre a questão, possibilitando às empresas a dedução dos JCP “no momento do pagamento a seus sócios/acionistas”. Para o STJ, a única condição legalmente estabelecida é a existência de lucros no exercício ou de lucros acumulados e reserva de lucros que representem ao menos duas vezes os JCP que serão pagos.

Considerando a tendência da consolidação da jurisprudência do STJ a favor dos contribuintes, o que pode, inclusive, repercutir nos TRFs, e a busca do Governo Federal por aumentar a arrecadação visando equilibrar o déficit fiscal, foi encaminhado à Câmara o Projeto de Lei (PL) 4.258/23. Este projeto veda a dedução dos JCP na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

O PL em questão encontrou grande resistência no Congresso, levando o Governo Federal a buscar alternativas ao fim da dedutibilidade dos JCP. Essas alternativas incluem, por exemplo, a exclusão das reservas de incentivos fiscais da base de cálculo dos juros. Tais medidas foram incorporadas à MP 1.185/23, que trata sobre as subvenções para investimento, e serão aplicáveis a partir de 1º de janeiro de 2024.

Assim, ainda existe uma janela de oportunidade que pode ser aproveitada pelos contribuintes em 2023, especialmente no que tange à base de cálculo, sem as restrições impostas pela MP, e aos JCP de anos anteriores. Em meio ao foco na reforma tributária, é importante que seja avaliada a possibilidade de aproveitamento dos benefícios que esse instrumento pode proporcionar antes que as mudanças propostas, se aprovadas pelos nossos congressistas, sejam implementadas.

Helton Oliveira Cruz
Sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Murilo Machado
Advogado do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

Rayan Felipe Sartori
Advogado do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.

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