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Alguns comentários sobre a venda de ativos em processos de recuperação judicial

Durante a recuperação, a venda de ativos requer autorização judicial e, às vezes, do Comitê de Credores; a criação de Unidades Produtivas Isoladas visa gerar fundos para pagamentos e capital de giro, sendo um tema complexo na recuperação judicial.

22/12/2023

A venda de ativos durante o processo recuperacional deve ser precedida de autorização judicial, e eventualmente do Comitê de Credores, se existente, conforme art. 66 da lei 11.101/05 (LRF). 

Outra possibilidade é a previsão de Unidade Produtiva Isolada1 - UPI, na qual um bem ou mesmo um conjunto de bens e/ou atividades são agrupados com o objetivo de gerar caixa para pagamento aos credores e/ou capital de giro das sociedades, sobretudo pela dificuldade na obtenção de crédito após o pedido de recuperação judicial.

A venda de ativos, como outros assuntos relacionados aos processos de recuperação judicial, é matéria de natureza complexa que merece especial atenção.

Como exemplo, recentemente a venda de uma UPI foi alvo de discussão, em razão de o valor da arrematação ter sido muito superior ao valor mínimo previsto na avaliação constante do plano de recuperação judicial. Apesar da ausência do valor máximo, o que permitiria a venda a partir do mínimo por qualquer montante, entendeu-se que era necessária a convocação de nova assembleia de credores diante do superavit apresentado. A decisão foi fundamentada nos princípios da transparência e da boa-fé de modo a possibilitar que os credores conheçam a real situação econômica da devedora e se os prejuízos que estão sendo a eles impostos são indispensáveis ao soerguimento da sociedade em crise.2 O valor da avaliação do bem é matéria que pode se tornar controvertida durante o processo de alienação de ativos, pois a sua determinação obedece a questões de mercado, que variam durante o curso do processo. É possível que conste do plano de recuperação judicial, amparado por laudo técnico, valor que um ou dois anos depois, quando da realização do certame, esteja defasado, ou mesmo sobrevalorizado diante de uma demanda de mercado, o que, por vezes, é imponderável.

Importante ainda avaliar se a alienação desse ativo, independente da forma de alienação, pode impactar positiva ou negativamente na continuidade das atividades da recuperanda, pois apesar da receita com a venda do ativo, pode ocorrer na sequência a queda de faturamento e do resultado operacional ante a não exploração desse recurso, o que deve ser esclarecido, de forma a evitar indagações acerca dessa consequência, e até mesmo como forma de buscar uma maior aprovação dos credores ao plano de recuperação judicial, na hipótese de alienação de UPI. Por outro lado, deve ser analisado pelos credores que a alienação de ativos relevantes, ainda que presentes os impactos mencionados, pode ser indispensável num dado momento à existência e manutenção da empresa, dos postos de trabalho, do pagamento aos credores concursais ou não, pagamento de tributos, entre outros, haja vista a escassez de crédito às empresas nessas condições, sendo essa, muitas vezes, a única forma de capitalização disponível.

Importante ainda ponderar como se dará o processo de alienação, pois isso repercute na esfera de responsabilidade do comprador. Conforme previsão do 60 e parágrafo único da LRF3, apenas a venda realizada nos moldes do art. 142 – leilão eletrônico, presencial ou híbrido – contará com o benefício da não sucessão, incluídas, mas não limitadas, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. Assim, importante ter em mente que a alienação feita de forma diversa poderá não ter o mesmo tratamento. A razão para essa proteção, é o certame que proporciona transparência, publicidade e legitimidade à transação, que tende a proporcionar um processo competitivo entre os interessados, maximizando o valor do bem, trazendo maior benefício à empresa e credores, evitando negociações menos benéficas aos envolvidos no processo recuperacional.

Por outro lado, a depender de qual bem se trate, não será possível aguardar a realização do leilão, que no caso da UPI dependerá da antecedente aprovação do plano de recuperação judicial, e o comprador pode preferir a compra e venda direta do bem, mesmo não contando com a proteção integral do art. 60 e seu p.u. da LRF, diante de uma boa oportunidade de mercado, por exemplo. Haverá ainda assim a necessidade de autorização judicial, entretanto, o prazo será consideravelmente mais curto. Outro fator favorável à venda direta tem relação com a deterioração do bem e sua preservação que podem ser impactados negativamente pela demora na realização do leilão, o que não é quesível.

Esses são apenas alguns aspectos que podem vir a ser considerados por ocasião da decisão de alienação de bens da recuperanda no curso do processo recuperacional, a fim de que haja uma tomada de decisão informada.

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1 Art.  60 e art.60-A da LRF.

2 Recurso Especial 2071143 - RJ

3 Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo-único.  O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.   

Luciana Abreu
Advogado especialista em Direito Empresarial. Pós-graduada em Direito Empresarial e Direito Tributário, MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios e especialização em Administração Judicial (TJRJ). Sócia e head das Áreas Empresarial e Cível do Gameiro Advogados.

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